Terça-feira, 22 Outubro, 2024
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Cornucópia

 Formato: HTML  Autor: Marcos Valadares  Tópicos: Ficção  Editora: Instituto Mises Portugal  Idioma: Português
 Sinopse::

I

Ainda era o começo da primavera, as flores estavam cada vez mais a desabrochar e o frio a ficar menos intenso. As pessoas já saiam de casa com mais confiança e a biblioteca enchia cada vez mais de pessoas que já não ficavam a ler apenas em suas casas. Porém naquela manhã enquanto o orvalho ainda estava no gramado e nas flores da praça, Joana vê um envelope da administração da biblioteca sobre o balcão endereçado a ela. Inicialmente sente um certo espanto, mas depois ao abrir, percebe que se tratava de algo extraordinário, o local seria fotografado por dentro e por fora para a Revista Mundo Pitoresco e durante tal momento a biblioteca teria que ser temporariamente fechada. Então após explicar a situação para quase todos usuários presentes, eis que surge uma que diz o seguinte:

 

  • Por favor, permita-me ficar aqui, não quero sair de modo algum daqui!

 

Joana olha para a jovem de uns 14 anos que vestia calças jeans de corte tradicional, uma camisa branca de manga comprida, um colete vermelho e utilizava um pingente na forma de uma abelha por baixo do colarinho, ela olha profundamente em seus olhos castanhos como seus cabelos e diz:

 

  • Por que tanta vontade de ficar aqui dentro da biblioteca? Tu estás com medo de alguma coisa?

 

E a jovem responde ofegante, apesar de estar parada ali lendo até então um exemplar de A Volta ao Mundo em 80 Dias de Júlio Verne:

 

  • Eu realmente adoro ler e ficar na biblioteca quando não é o horário das aulas, mas eu e meu irmão, que já está em casa, não temos paz nenhuma quando caminhamos em certos horários pelas ruas da freguesia.

 

Então Joana pergunta carinhosamente de modo acolhedor para a moça:

 

  • Qual é o teu nome?

 

  • Matilda Silva…

 

  • Certo, o que eles te fazem e por qual razão?

 

  • Eles nos apedrejam com as azeitonas que catam do chão, ficam nos insultando e nos seguindo enquanto estamos na rua. Não nos deixam em paz em lugar algum, apenas tenho a minha casa e as bibliotecas como locais tranquilos, apenas caminho pela rua para chegar onde devo nos horários que sei que eles não estão na rua e agora eles estão.

 

  • Você os conhece de algum lugar?

 

  • Sim, conheço alguns da escola, onde eles me perturbam, assim como ao meu irmão, em sala de aula.

 

  • Vocês são gêmeos?

 

  • Sim!

 

  • Certo, quando a fotógrafa chegar, vou ver se tu podes ficar aqui em algum lugar sem chamar a atenção!

 

E com grande alegria a moça diz:

 

  • Muito obrigada! Qual é o seu nome?

 

  • Joana Rosa. Peço apenas para que tu vás para um puff no chão atrás do balcão para não chamar a atenção dos outros usuários.

 

Então Matilda se encaminha discretamente para o puff atrás, praticamente embaixo do balcão e Joana continua o seu trabalho enquanto a biblioteca vai se esvaziando.

 

II

A biblioteca já estava praticamente vazia, restando apenas Joana e Matilda lá dentro, a bibliotecária caminha com seus calçados de salto fazendo barulho no chão e sua saia plissada de um cinza chumbo esvoaçando, ela ajeita o lenço azul por baixo do colarinho branco de sua camisa. Ao sentar-se numa poltrona, ela chama Matilda e pergunta:

 

  • Tu gostas mais de ler ficção ou obras que apresentem ideias?

 

  • Eu gosto mais de ficção, especialmente das obras de Júlio Verne, fico a imaginar o como algumas daquelas coisas tornaram-se reais e plausíveis e como outras jamais chegarão a lugar algum.

 

A bibliotecária sorri e diz:

 

  • É normal, nem tudo o que é imaginado pode ser concretizado, mas muitas vezes nossas fantasias mais loucas podem tornar-se realidade.

 

  • Pois é… E tu, do que gostas mais de ler?

 

  • Acerca de ideias…

 

  • E o que tu estás lendo no momento?

 

  • Dois livros diferentes, dependendo do humor eu leio um, dependendo leio outro. Um deles é Ação Humana de Ludwig von Mises, o outro é um livro de mecânica que estou lendo apenas porque a administração da biblioteca pede que eu conheça bem o conteúdo do acervo da biblioteca.

 

  • E sobre o que é Ação Humana?

 

  • Sobre Economia e algumas outras coisas do que são as Ciências Sociais…

 

  • E o livro de mecânica?

 

  • Sobre a importância das teorias de Isaac Newton.

 

Então Matilda pergunta:

 

  • Tu considera que as teorias da mecânica clássica podem ser aplicadas nas ciências sociais como a Economia?

 

  • Simplesmente não…

 

Então, antes que Matilda pudesse expressar qualquer reação, entra na biblioteca uma mulher de cabelos loiros muito cacheados e de olhos azuis como águas marinhas, vestindo pantalonas de linho bege bem largas e uma camisa de cetim azul claro com o pescoço ornamentado com um colar de pérolas falsas e uma bolsa de equipamentos pendurada no ombro, que simplesmente diz com um sotaque inglês antes mesmo de dizer bom dia ou qualquer outra saudação ou pergunta:

 

  • A Economia não é e nem jamais será mecânica, ela é completamente orgânica e caótica, pois mesmo que tudo estivesse constante, uma única mudança de variável não teria o mesmo efeito em outro momento, visto que não apenas a riqueza, como também a plenitude de satisfação, necessidades e desejos mudam, pois como dizia Heráclito, um homem nunca entra duas vezes no mesmo rio, pois já não é mais o mesmo rio que corre ali e nem mais o mesmo homem que entra, ele é e não é ao mesmo tempo.

 

Joana então espantada com a chegada da mulher diz:

 

  • Muito boa a sua visão! Infelizmente vou ter que pedir para sair, por favor, pois estamos esperando a fotógrafa enviada pela Revista Mundo Pitoresco. Me desculpe por isso…

 

E a recém-chegada então sorri e diz:

 

  • Eu sou fotógrafa da Revista Mundo Pitoresco, meu nome é Ophelia Goldsmith! Tu és bibliotecária aqui?

 

  • Sim, sou eu, Joana Rosa, muito prazer!

 

  • O prazer é todo meu! E aquela moça ali, quem é?

 

Joana então envergonhada pela situação de ter uma usuária na biblioteca diz:

 

  • Ela está me ajudando a organizar os livros hoje, não se preocupe!

 

  • É sempre bom ter uma aprendiz!

 

E a bibliotecária em um ataque de curiosidade pergunta:

 

  • Como tu sabes acerca daquela questão cuja resposta você deu assim que chegou antes mesmo de se apresentar?

 

  • Eu sou formada em Economia apesar de trabalhar como fotógrafa… Mas não se preocupe muito, nas universidades a Economia é ensinada de modo mecânico e como agindo de modo mecânico, essa é uma visão minha através dos meus estudos por conta própria.

 

  • Eu também gosto de estudar Economia por conta própria, apesar de que sou formada apenas em Biblioteconomia.

 

E com ar animado a fotógrafa diz:

 

  • Sério?

 

  • Sim!

 

Após tal momento, Matilda quebra seu próprio silêncio e pergunta para Ophelia:

 

  • Por que então tratam e estudam a Economia como se fosse mecânica newtoniana?

 

  • Antes de lhe responder, quero saber melhor quem tu és, jovem aprendiz de bibliotecária. Qual é o teu nome?

 

  • Matilda…

 

  • Belo nome… Pois então, isso é fruto do pensamento de que as ciências sociais seguem as mesmas regras da Física Clássica e de que a natureza humana está sujeita a essas regras. Muitos acadêmicos vão dizer que isso simplifica a ciência, dá bases preditivas e didáticas a ela, porém isso não é bem verdade, se trata na verdade de um fetiche que mais parece uma espécie de frustração e inveja em relação às ciências exatas e que teve origem em movimentos do século XIX como o positivismo.

 

  • Mas o que é o positivismo?

 

  • É uma corrente das ciências sociais que foi longe demais criada por Auguste Comte, ela chegou até mesmo a criar uma religião baseada nela, que é a Religião da Humanidade, com suas não mais tão populares Igrejas Positivistas.

 

  • Tu podes explicar melhor essa corrente sociológica, Ophelia?

 

  • Claro!

 

  • É uma corrente que acredita que os métodos das Ciências Sociais devem ser baseados em análises empíricas à posteriori, assim como eram feitas na Física Clássica…

 

  • Mas o que isso quer dizer?

 

  • Que as conclusões científicas sociais devem ser feitas a partir da observação, tanto das interações sociais, quanto das experimentações.

 

Então Matilda começa a ter borbulhas em seus pensamentos e diz:

 

  • Mas isso não é de todo errado, assim como sabemos que as azeitonas caem do alto das oliveiras para o chão, devido ao efeito da gravidade, nós podemos saber, sei lá, que o aumento da demanda faz pressão no aumento de preços por observação…

 

Ophelia então sente um incômodo e diz:

 

  • A observação pode nos enganar, Matilda!

 

  • Como assim nos enganar, Ophelia?

 

  • É como olhar um peixe nadando abaixo de águas muito cristalinas, minha jovem, se você não souber da questão óptica da refração, você vai desconsiderar isso e vai achar que o peixe está exatamente ali. Visto que outras questões diversas nas ciências sociais e que não são apenas um único fator, como essa refração, mudam os resultados, um detalhe de diferença na conjuntura e o resultado é outro.

 

  • Tu podes dar um exemplo?

 

  • Te dou dois!

 

  • Diga então, por favor…

 

  • Uma seria a questão do salário mínimo e do desemprego, a outra o da Curva de Phillips…

 

Joana então intervêm dizendo:

 

  • Não creio que Matilda já entenda essas coisas, Ophelia…

 

  • Não tem problema, são apenas exemplos, eu explico tudo direitinho para ela.

 

  • Certo.

 

Então Ophelia tira seus olhos de Joana, os volta novamente para Matilda e diz:

 

  • Tu sabias que o salário mínimo pode gerar desemprego, Matilda?

 

  • Não…

 

  • E que aumentos do salário mínimo podem gerar uma pressão maior nos níveis de desemprego…

 

  • Se gera, eu imagino que sim…

 

  • Sabe qual é a razão disso?

 

  • Não…

 

  • De que o salário mínimo expulsa as pessoas menos qualificadas do mercado de trabalho e que, por o trabalho delas não valer tanto, seriam demitidas naqueles empregos que pagam salário mínimo.

 

  • Faz completo sentido…

 

  • Mas e se o salário mínimo crescer e não houver aumento do desemprego ou até mesmo diminuição dele?

 

  • Mas isso quebraria a lógica da sua explicação e ela é perfeita…

 

  • Pode acontecer…

 

Então Joana simplesmente diz:

 

  • Se a economia estiver muito aquecida, em pleno emprego, um aumento robusto do salário mínimo não gera desemprego, mas sim uma pressão de aumentos dos índices de preços, pois já há falta de mão de obra, que já leva a um aumento natural dos salários em um nível que não faça tanta pressão inflacionária.

 

E Matilda questiona:

 

  • Por que então essa pressão inflacionária, Joana?

 

  • Por que há um aumento de custo da mão de obra por um lado ao mesmo tempo que a demanda fica mais aquecida.

 

Ophelia então diz sorrindo:

 

  • Estou realmente impressionada com seus conhecimentos econômicos, você realmente deve ler muito…

 

  • Obrigada! Eu realmente leio bastante e costumo acompanhar as notícias acerca também.

 

  • Enfim, Joana, creio que este é um exemplo, o salário mínimo geralmente gera desemprego, mas não necessariamente, pois isso depende de diversos fatores que não são fáceis de serem todos acompanhados e que não podem ser quantificados.

 

Matilda então diz:

 

  • Compreendi, então não é uma relação linear de causa e efeito, mas sim um sistema complexo e caótico cujas variáveis vão mudando através do tempo.

 

  • Sim, Matilda!

 

  • Agora me diga, Ophelia, o que é essa questão da Curva de Phillips e como ela se relaciona com essa questão positivista na Economia?

 

  • Pois então, certa vez, fizeram um estudo de um recorte de tempo em um determinado grupo de países, que revelou que em tal período e lugares, o desemprego e os índices de preços ao consumidor tinham uma relação oposta, quanto mais de um, menos do outro necessariamente como conclusão de tal observação através de dados históricos estatísticos. Ela é o exemplo perfeito de método positivista na economia, pois é fruto de uma observação empírica, ou seja, a posteriori.

 

  • E qual é o real problema disso, Ophelia?

 

  • Que tomaram isso como um fato, até que em outra época, a relação parou de se comportar de modo oposto entre as variáveis e elas passaram a ir na mesma direção… Daí começaram a querer inventar razões para justificar e manter a mesma visão da conclusão anterior…

 

  • Como assim?

 

  • Começaram a incluir questões de expectativas, adaptativas, racionais e por aí vai…

 

  • O que seriam essas questões e como elas foram utilizadas para salvar essa teoria?

 

  • As expectativas adaptativas são a ideia de que as pessoas se baseiam nas informações passadas para esperar pelas situações futuras, já as expectativas racionais presumem não apenas isso, mas de que racionalmente, as pessoas se utilizam de todas as informações que tem acesso para formar suas expectativas de acordo com suas experiências e conhecimentos.

 

Matilda então fecha os olhos por um instante, respira fundo e pergunta:

 

  • Como as expectativas podem seguir tal racionalidade fria, se geralmente elas são baseadas em sentimentos que possuem sempre algum grau de emoção? Eu particularmente não creio que possamos chamar o ser humano de tão racional assim…

 

E Joana coloca sua mão direita na testa após ouvir tal frase, dizendo:

 

  • A questão da racionalidade depende do que você chama de fato de racionalidade, pois existem várias diferentes que poderiam ter outros nomes para não causar tanta confusão…

 

E Matilda meio tonta diz:

 

  • Vários significados diferentes para uma mesma palavra, seria como isso?

 

  • Seria o fruto de grupos distintos usarem a mesma palavra e acabarem por no fim ter significados diferentes para a mesma…

 

  • Como assim?

 

  • A racionalidade das expectativas racionais realmente desconsidera questões emocionais e que fazem parte do comportamento humano, no sentido que eles dão, poderíamos de fato dizer que o ser humano é irracional. Porém essa palavra tem outro sentido originalmente em Economia e que esta confusão apenas serve para subverter o entendimento disso…

 

  • Me explique melhor, Joana, por favor!

 

  • Para esses, assim como os criadores da curva de Phillips ponderada por expectativas racionais, a racionalidade é esse pensamento frio, mecânico, realmente sem sentimentos, só que apenas psicopatas conseguem ser assim… Já para a Economia de fato, a Economia Clássica, a Economia Austríaca, ser racional é ter a capacidade de raciocinar, ou seja, de pensar, tu até pode pensar errado, tu podes pensar de modo emocionado, mas tu pensas, apenas não é racional se não pensa.

 

  • Ou seja, se for como um mineral ou vegetal…

 

  • Exatamente, Matilda! E mais, tudo o que tu fazes, é justamente porque tu pensastes, por mais errados ou emocionados que sejam os pensamentos, se tu não pensas, tu não ages.

 

  • Então é a ação a grande questão primária do comportamento humano?

 

  • Sim, é a ação, o ser humano age e portanto suas ações tem um objetivo, não importa qual seja.

 

E Ophelia diz então após ouvir Joana falar para Matilda:

 

  • Ação humana é ação propositada, já sei quais são suas fontes e pelo visto são as mesmas que as minhas…

 

  • Sim, eu sou adepta da Escola Austríaca de Economia e pelo que entendi tu também és.

 

  • Sim, eu sou.

 

Então Matilda diz:

 

  • Voltemos para a questão da Curva de Phillips! Então ela é uma teoria de base metodológica positivista e que por ter falhado, criaram meios com hipóteses que encaixassem de novo na realidade, certo?

 

E Ophelia responde alegremente:

 

  • Sim.

 

  • E qual é a alternativa para esse pensamento a posteriori?

 

  • O pensamento a priori!

 

  • O que seria isso?

 

  • O método racionalista, Matilda!

 

  • Me explique, por favor!

 

Então Joana pede licença para falar levantando o dedo indicador e diz:

 

  • Lembra do que estávamos falando antes sobre a ação humana, Matilda?

 

  • Sim…

 

  • Aquela é a raíz do melhor método para o pensamento em Ciências Sociais, a Praxeologia…

 

  • O que seria isso, Joana?

 

  • É o estudo da prática na tradução literal do latim, mas de fato é o estudo da ação, mais especificamente da ação humana. E que começa justamente com aquela questão, o ser humano pensa e age de acordo com esses pensamentos, que possuem um propósito, sendo que o propósito comum de toda e qualquer ação humana, independentemente de qual for, é a maximização do prazer, da alegria, da satisfação, que é algo que alguns chamam de utilidade, já outros como o economista italiano Vilfredo Pareto preferia ofelimidade, mas o termo que mais vingou foi utilidade. Aliás, toda ação tem suas consequências e são elas que são analisadas de acordo com suas causas, que são as ideias.

 

  • Então as ideias governam o mundo…

 

  • Exatamente!

 

  • Certo, então se eu vou a um quiosque comprar uma casquinha de sorvete, isso é fruto da ideia de fazer isso…

 

  • Sim…

 

  • E se eu compro a casquinha, a ação está concretizada…

 

  • Sim…

 

  • Se eu gostar, as expectativas estão realizadas e eu tenho o sentimento de prazer da utilidade… Se eu não gostar, então eu fico frustrada com a má ideia…

 

  • Sim…

 

E com ar revoltado, Matilda diz:

 

  • Então qual é o propósito daqueles perversos que jogam azeitonas em mim e no meu irmão?

 

Joana demonstra então uma expressão facial de tristeza e Ophelia de espanto. A bibliotecária abraça Matilda e diz:

 

  • Calma… Eles tem um propósito, mas um propósito perverso de se divertir através do seu sofrimento…

 

  • Por quê?

 

  • Qual é o perfil deles?

 

  • São alunos do fundo da classe que vivem de fazer bagunça e não tiram boas notas.

 

  • E como estão suas notas?

 

  • Geralmente bem altas…

 

  • Eles tem inveja de você e apenas viriam a parar se tu fosses completamente rebaixada ao nível deles…

 

E com uma lágrima escorrendo no rosto, Matilda diz:

 

  • Então eles nunca vão parar?

 

  • Dificilmente…

 

Em tal instante a jovem abaixa a cabeça com a mão sob a testa soluçando ao chorar, até que Ophelia simplesmente abraça Matilda e passa mão nos cabelos dela e diz:

 

  • Não se preocupe, nós vamos dar um jeito nisso…

 

E Matilda pergunta:

 

  • Como?

 

E Ophelia responde:

 

  • Vou pensar, mas isso é fruto do problema da inveja que os medíocres costumam ter e também muitas vezes da arrogância da mediocridade.

 

  • Mas o que seria a mediocridade?

 

  • Seria estar em algo entre a média, a mediana e a moda…

 

Joana então ri ao escutar a resposta de Ophelia e diz:

 

  • Como ponderar entre a média a mediana e a moda sem recorrer no mínimo a uma média e a uma mediana…

 

E a fotógrafa diz:

 

  • Pois é…

 

E Matilda pergunta então:

 

  • Explique essas coisas, Ophelia, por favor!

 

  •  Por qual tu desejas que eu comece?

 

  • Pela média…

 

  • A média, em especial a média simples, é quando somamos os valores dos elementos e dividimos pela população desses elementos. Aliás, a distância entre esses elementos é o desvio padrão.

 

  • Certo, e a mediana?

 

  • O valor central da distribuição de população…

 

  • E a moda?

 

  • É aquilo que está na moda, ou seja, o mais comum… Enfim, essas coisas não costumam coincidir, mas costumam estar bem próximas e geralmente dentro do que se diz uma curva normal…

 

  • E o que é essa curva normal?

 

  • Se tu pegares a média e acrescentar dois desvios padrões para cima e dois desvios para baixo, você tem 95% da população se a população seguir uma distribuição normal…

 

  • Então os medíocres são os que estão mais próximos ao centro dessa curva normal?

 

  • Sim, tanto em intelecto, quanto em comportamento, hábitos, modos, tudo… Eles são fáceis de serem identificados, pois são a maioria, pois seguem a moda e não a própria mente, abaixo de tal ponto central, as coisas são piores ainda. Como os medíocres não notam a própria ignominia, costumam ter também uma certa arrogância de considerar tudo o que é diferente como análogo ao que está abaixo, mas nunca como o que está acima, porque para eles, são o topo, justamente por serem a moda.

 

  • E o que é arrogância?

 

  • É se considerar algo acima do que se é de fato, por isso as pessoas arrogantes costumam ficar irritadas e com inveja quando se deparam com alguém que está realmente acima e fazem de tudo para tentar rebaixar ou perturbar.

 

  • Compreendo. Mas o que vamos fazer com eles? Não creio que seja esfregar isso na cara deles.

 

  • Deixa comigo…

 

  • Certo, Ophelia…

 

Então Ophelia retira seus equipamentos da bolsa e diz:

 

  • Vou começar a fotografar… Você não se importa se eu tirar algumas fotos de você lendo ou pegando livros nas estantes, Matilda?

 

  • Tudo bem…

 

III

Após a sessão interna de fotos, Ophelia vai para o lado de fora da biblioteca e chama Matilda para ir junto, porém a jovem diz:

 

  • Lá fora estão os garotos que me perseguem, não quero ir!

 

  • Se você for comigo, talvez eles parem com isso devido ao que vou fazer…

 

  • O que você vai fazer?

 

  • Você verá!

 

Então já do lado de fora, Ophelia pede a jovem que pose perto do busto de Camões, enquanto a fotógrafa preparava-se para tirar a primeira foto, eis que se ouve uma jovial voz masculina ao longe dizendo em tom de galhofa:

 

  • Olha lá, a ratinha de biblioteca agora é modelo!

 

E outra ainda disse:

 

  • Ela vai ver só… Vamos reduzi-la a insignificância que merece…

 

E a voz anterior então diz:

 

  • Vamos catar umas azeitonas no chão para atirar nela e talvez naquela loirinha nariguda que a está fotografando…

 

  • Azeitona é pouco, mas ela não vale o gasto de outras coisas…

 

  • Pois é, vamos lá…

 

Entretanto Ophelia percebeu a conversa ao longe e já trocou o modo de sua câmera profissional digital para gravação, após isso, diz para sua nova amiga:

 

  • Eles estão vindo, mas fique tranquila, vou dar um jeito de isso não se repetir de novo, apenas preciso registrar e enviar para quem devo a gravação…

 

  • Como assim, Ophelia?

 

Não demorou muito para após o questionamento de Matilda, que a própria Ophelia fosse acertada por uma azeitonada atrás da cabeça, ela simplesmente sente o fruto duro machucar e põe a mão direita onde foi acertada, quando então Matilda se abaixa e se esconde atrás do busto de Camões para não ser acertada. Então a fotógrafa diz:

 

  • A vossa conversa e esse momento foi registado pela minha câmera e eu vou denunciá-los para que não façam mais isso.

 

Um dos garotos simplesmente implora para que a fotógrafa não os denuncie, o outro tenta roubar a câmera, mas Ophelia já a tinha colocado pendurada no pescoço e segurava firme. Enquanto eles estavam distraídos com a fotógrafa, Matilda corre de volta para a biblioteca e diz a Joana:

 

  • Por favor, venha lá fora, está uma confusão terrível entre a Ophelia e os garotos que me perturbam.

 

Joana então vai para o lado de fora junto com Matilda e vê apenas Ophelia sentada na escadaria com a câmera dela. A bibliotecária então pergunta:

 

  • Está tudo bem?

 

  • Acredito que eles não vão perturbar Matilda por um bom tempo, pois disse que apenas os denunciaria se voltassem a perseguir. Então eles foram embora.

 

E Matilda diz abraçando a fotógrafa:

 

  • Muito obrigada, Ophelia!

 

  • De nada! Apenas fiz o que uma boa pessoa deve fazer, que é, parar com o que está errado e fazer o certo!

 

  • Certo, podemos voltar para a sessão externa de fotos?

 

  • Claro, Matilda! Vamos voltar ao busto de Camões!

 

Então a fotógrafa continuou durante todo aquele dia até umas três horas após o pôr do sol o trabalho de fotografia e Matilda não foi mais perturbada até então por tais garotos.

Nota: As visões expressas em mises.pt não são necessariamente as do Instituto Mises Portugal.

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