Afinal, o que representa o “preço”?
Atrevo-me a afirmar que, para além do carácter do consentimento nas trocas de bens e serviços, os preços constituem o elemento mais belo e genuíno na Economia.
Como já demonstrou veemente Carl Menger – pai da Escola Austríaca – os preços surgem como um fenómeno acidental e fortuito. E porquê? Simplesmente, porque são o resultado (não-intencional) de avaliações subjetivas. Ora, não determinando a transação económica em si, os preços determinam os limites/moldes dentro dos quais esta pode ocorrer, de forma voluntária e consentida. Por outras palavras, o esforço constante impresso pelas pessoas na satisfação das suas infinitas e múltiplas necessidades da forma mais eficiente possível resulta, de maneira colateral, na formação dos preços.
O trabalho de Menger assume contornos ainda mais importantes, se tivermos em conta que refuta, categoricamente, a teoria da exploração, na qual o Marx afirma que o trabalho é o factor determinante dos preços. Conforme explica o fundador da Escola Austríaca – não é o trabalho que é trocado numa transacção, mas sim as valorações subjectivas de quem o desempenha. Na realidade, as pessoas trocam mercadorias porque isso as leva, do seu ponto de vista, para uma situação melhor ou, no limite, menos má. Ou seja, em toda e qualquer transacção comercial, cada lado atribui a determinado bem que está em vias de receber um valor subjetivo maior do que atribui àquele que está dá em troca. Caso contrário, a transação económica simplesmente não ocorreria.
Utilidade marginal decrescente
Um conceito indissociável de “preço” é o de “utilidade marginal descrescente”.
Durante vários milénios, pensadores como Platão, Copérnico ou mesmo Adam Smith fracassaram na explicação do paradoxo do valor, defendendo que o valor de um bem estaria intrinsecamente ligado à sua utilidade.
Por sua vez, Menger demonstrou que a satisfação proporcionada por uma unidade de um bem é avaliada pelo indivíduo, subjectivamente, segundo a utilidade da unidade adicional adquirida (a unidade “marginal”).
Utilizemos o exemplo do bens “água” e “ouro”. Na realidade, o ser humano não compara directamente a categoria do “ouro” com a categoria da “água”, que tão diferentes são na sua composição e na sua finalidade. O que realmente fazemos é valorizar uma unidade a mais de diamante em relação a uma unidade a mais de água. Este é o conceito de margem. Uma unidade adicional de água, ceteris paribus, não faz tanta diferença como uma unidade adicional de ouro. Nota relevar que não está em jogo passar a vida toda sem água ou sem ouro, pois, nesse caso, a água valeria mais do que todos diamantes do mundo.
Erradamente, alguns pensadores acreditam que utilidade marginal é a “quantidade de necessidades que são satisfeitas” quando se incrementa uma unidade ao consumo de determinado produto. A utilidade marginal não está ligada ao grau de saciação, mas sim à valoração de bens homogéneos.
Passemos a outro exemplo, igualmente ilustrativo: se um indivíduo possui 5 carros idênticos, os quais satisfazem inteiramente as suas necessidades, depreendemos que o valor de cada carro será determinado pela importância que esse indivíduo atribui ao quinto carro que ele possui (assumindo que o quinto carro é o menos importante para ele).
Assim, se o indivíduo perder o seu quinto carro, o valor de um carro aumenta (para ele), de acordo com a satisfação que ele passa a obter do quarto carro e com a sua escala de preferências. Se, em vez de um carro, o indivíduo perder quatro, o valor do carro remanescente aumentaria enormemente, pois o indivíduo passaria a valorizá-lo segundo a importância que esse único carro tem.
Inversamente, se o indivíduo ganhasse cem carros iguais num sorteio, a utilidade marginal e o valor de cada carro seria, em princípio, próxima de zero (assumindo que ninguém necessita de mais de 100 carros para satisfazer os seus desejos automobilísticos).
Da mesma forma, se tivermos em nossa posse centenas de notas de dez euros, perder uma das notas não nos fará muita diferença. Por outro lado, com o mesmo nível de fome, se possuirmos apenas uma nota de dez euros, a sua perda seria bastante mais dramática.
Este é o verdadeiro conceito de utilidade marginal.
Devemos sempre pensar em termos de valor subjectivo e que a única explicação para o valor das coisas é a subjectividade dos indivíduos.
Evolução no pensamento económico
Indubitavelmente, a adopção do subjectivismo e do individualismo metodológico descritos acima complementou a base lógica defendida pela Escola Clássica.
Na visão do clássico David Ricardo, a causalidade no valor dos bens ocorria no mesmo sentido que a produção dos mesmos. Designadamente, recursos naturais (por exemplo, carbono) são usados para produzir bens intermediários (por exemplo, aço e alumínio), que, por sua vez, são transformados num bem final (por exemplo, smartphone), respondendo às necessidades dos vários consumidores (finais ou intermediários) envolvidos no processo. Ou seja, de acordo com Ricardo, o valor dos recursos naturais determinava o valor dos bens intermediários, que, por sua vez, determinavam o valor do bem final colocado à disposição do consumidor. Daqui, erradamente, derivou a teoria marxiana do valor-trabalho, que afirmava que o valor estaria ao custo de produção.
Para Marx, o capitalismo explorava os trabalhadores, uma vez que defendia, crucialmente, que o trabalho era a fonte de todo o valor, e que, consequentemente, os lucros dos capitalistas eram (ou deveriam ser) atribuídos aos trabalhadores, que mereciam ficar com o valor daquilo que produziram.
Ora, se o trabalho de um operário produziu três pares de sapatos durante uma jornada de trabalho de doze horas, então, para Marx, o trabalhador tem o direito ao valor destes três pares de sapatos produzidos pelo seu trabalho. Contudo, o empreendedor que contratou o trabalhador não lhe paga um salário igual ao valor dos três pares de sapatos que este produziu. Isso ocorre, segundo Marx, porque o capitalista é o proprietário da fábrica e das máquinas (a fábrica e as máquinas são a propriedade privada que o trabalhador utilizou para produzir esses sapatos).
O empreendedor paga ao trabalhador um salário igual a, por exemplo, dois pares de sapatos, “roubando” uma parte do valor do seu trabalho.
Todo esse conceito de apropriação ilegítima desenvolvido por Max tinha por base o facto de ser o trabalho o que nos torna humanos, e de que foi o capitalismo quem destruiu a nossa capacidade de controlar as condições nas quais criamos valor.
Parte do problema, para Marx e para todos os outros que aceitaram a teoria do valor-trabalho, é que havia tantas falhas óbvias nesta teoria do valor-trabalho, que estes pensadores tiveram de construir explicações cada vez mais complexas (e bizarras) para destruir as críticas da sua teoria.
Por exemplo, como é que a teoria do valor-trabalho explica o valor dos recursos naturais, de um lote de terra, ou de obras de arte que foram produzidas com uma pequena quantidade de trabalho, mas que alcançavam preços extremamente altos? Igualmente, e do meu ponto de vista pessoal, ainda mais grave, onde se encontra a explicação sobre as diferenças naturais nas capacidades dos indivíduos trabalhadores? Ou vamos acreditar que todos os funcionários de uma fábrica, seja do que for, demora exactamente o mesmo tempo a produzir a mesma quantidade, sob os mesmos padrões de qualidade?
Ambas as teorias foram refutadas pela revolução marginalista, mencionada na introdução do presente artigo.
Em 1871, na sua brilhante obra Grundsätze der Volkswirtschaftslehre (“Princípios de Economia Política”), Menger demonstrou que a relação causal era precisamente a oposta – a partida do processo é a determinação (inter)subjetiva do valor do bem final pelos consumidores.
O que Menger e outros argumentaram é que o valor é subjectivo. Ou seja, o valor de um bem não é nem determinado pela quantidade de trabalho consumida na sua produção, nem pelos consumos/recursos utilizados, como a mão-de-obra.
O valor de um bem advém da percepção humana quanto ao seu proveito e quanto à sua capacidade subjectiva de satisfazer determinados fins, desejados pelos indivíduos e em determinado momento temporal.
O valor não é algo objetivo e transcendente, mas sim subjectivo. O valor é uma função da utilidade que um objecto tem como um meio para alcançar os objectivos que fazem parte dos planos e propósitos humanos.
Consequentemente, de acordo com os subjectivistas, a terra possui valor não por causa do trabalho humano empregue no seu cultivo, mas sim porque as pessoas acreditavam que ela poderia contribuir para a satisfação de algum desejo ou necessidade (como produzir alimentos para ser consumidos), ou que ela contribuiria, eventualmente, para outros fins, como a produção de alimentos a serem vendidos no mercado. Da mesma forma, quando estamos dispostos a oferecer um elevado valor por uma obra de arte, não fazemos a mais pequena ideia da quantidade de trabalho utilizada na sua produção.
Por este motivo, a teoria de Marx provou ser exactamente inversa ao que se regista na realidade – não é o valor dos recursos empregues na produção de um bem que determinam o seu valor, mas sim o inverso.
Tendo isto em conta, cai por terra a ideia de que o capitalismo explora o trabalhador. Pelo contrário, quando um empreendedor arrisca e consegue obter uma combinação de mão de obra com bens de capital (ferramentas, máquinas e outras tecnologias), está a permitir que o trabalho produza bens e serviços que os consumidores apreciem, o que por sua vez eleva a remuneração da mão-de-obra. Se não fosse o capital disponibilizado pelos capitalistas, a mão-de-obra não teria forma de produzir estes bens procurados pelos consumidores e, em último caso, não teria como obter um salário.
Quando correctamente compreendido, o capitalismo passa a ser visto, fundamentalmente, como um processo de comunicação constante, através do qual os seres humanos procuram decidir qual é a melhor maneira de utilizar os seus recursos escassos, de modo a satisfazer os seus desejos e necessidades mais urgentes (ou valiosas).
O comportamento dos preços em monopólio e em concorrência
Carl Menger mostra com esses exemplos como a competição começa a aparecer, partindo da situação de monopólio.
Os mercados funcionam de acordo com o princípio de que, quanto maior a quantidade de oferta, menor será o número de excluídos do lado da procura. A competição tem o efeito de aumentar a satisfação dos participantes do mercado, uma vez que quanto maior for a oferta, maior é a probabilidade do consumidor encontrar os bens dos quais necessita, a melhores preços e com um nível de qualidade superior.
Em todos os casos, a formação do preço decorre entre os limites fixados pelas respectivas quantidades que o potencial comprador mais interessado e o menos interessado se dispõe a dar em troca.
No caso de um monopólio, o monopolista pode aumentar o seu lucro através da simples redução da quantidade oferecida. Se este colocar mil unidades de um bem à disposição do consumidor, este poderia vender todas as suas unidades ao preço unitário de seis unidades de pagamento, enquanto que se vender apenas oitocentas unidades, já poderia aumentar o preço para nove unidades de pagamento. O monopolista que maximiza o lucro escolheria a quantidade menor pelo preço mais alto e simplesmente eliminaria os bens em excesso.
No entanto, quando a concorrência aparece, esse privilégio desaparece. Enquanto que o monopolista aufere de grandes lucros por unidade com poucos clientes, a concorrência alcança lucros menores por unidade, mas ganha um grande volume de clientes. Quanto mais concorrentes entram no mercado, maior é a quantidade total de bens em oferta/disponíveis, pelo que concorrentes individuais não deixam de poder aumentar os seus lucros limitando a oferta e tendo que oferecer bens que sejam escolhidos pelos consumidores, em detrimento de outros disponíveis.
Conclusão
Os preços não são a essência da economia, mas funcionam como um sinal do equilíbrio das diversas actividades económicas humanas.
A essência de uma transacção de bens e, portanto, dos preços que dela emergem, é que o bem específico que está à disposição de um agente económico representa menos valor para este, em comparação com o outro bem que está à disposição da outra parte envolvida na transacção, e assim sucessivamente. Para cada pessoa envolvida na troca, a avaliação de um bem face ao outro bem em consideração tem um limite. Por outras palavras, os preços reflectem a relação de troca específica de uma transação que determina quantas unidades do bem X são o máximo que alguém está disposto a trocar pelo bem Y, e vice-versa. O preço será acordado entre os limites dados por essas estimativas dos parceiros comerciais.
Em última instância, os preços são determinados pelo juízo de valor feito por cada consumidor. Assim, cada indivíduo, ao comprar ou ao não comprar e ao vender ou não vender, fornece o seu input à formação dos preços de mercado. Não obstante, quanto maior for o mercado, menor será o peso da contribuição de cada indivíduo, fazendo com que a estrutura dos preços de mercado pareça, a um indivíduo, um dado ao qual ele deve ajustar o seu próprio comportamento e decisões de foro económico.
Preços são, em suma, um fenómeno do mercado, operando como indicadores do grau de compatibilidade entre o que está a ser oferecido e procurado. Caso o preço de reserva do consumidor se encontre com o preço ao qual o vendedor está disposto a colocar o seu bem à disposição, então, a transacção pode ocorrer. Por outro lado, caso não haja esta intercepção de vontades, a transacção passa a não ocorrer, o que por si, já emite outros sinais a outros players no mercado.
Para finalizar, concluo que o princípio da formação de preços é o mesmo para regimes de monopólio e de concorrência (e todos in between). Concorrência significa que o número de bens em oferta aumentará e, portanto, a concorrência elimina as condições de obtenção do lucro extra do monopolista. O aparecimento de mais concorrentes é um fiel indício de desenvolvimento de uma determinada região. Quanto mais concorrência, mais hipótese tem o consumidor de obter um bem a preços mais competitivos e de maior qualidade, visto que os vendedores terão que se esforçar mais para absorver a procura e providenciar, ao mercado, o seu melhor. Sem este incentivo natural, belo e moral, não existe economia que se consiga desenvolver.