Deverá alguém que se diz pró-vida consentir que um polícia, além de exercer a sua função como agente de ordem e segurança pública, detenha o poder de decidir, em fracções de segundo, sobre a vida e a morte de um cidadão, especialmente em circunstâncias em que este se encontra munido apenas de uma faca? O lamentável incidente do mês passado, em que um agente da lei disparou fatalmente contra um homem que, em possível estado de desespero, brandia uma arma branca, suscita um dilema ético profundo e paradoxal sobre a verdadeira essência da defesa da vida.
A Dignidade Inalienável da Vida
A concepção de ser pró-vida deve, por imperativo ético, estar intrinsecamente associada ao respeito incondicional pela dignidade humana em todas as suas manifestações e circunstâncias. Não é admissível que a defesa da vida se circunscreva a determinados contextos, enquanto se ignora a violência que pode ser perpetrada em nome da segurança pública. O verdadeiro significado da posição pró-vida deve englobar a preservação da vida em toda a sua plenitude, desde a concepção, passando pela idade adulta e findando com a morte natural, reconhecendo a imperiosa necessidade de proteger os direitos dos indivíduos, particularmente aqueles que se encontram em situações de vulnerabilidade.
Neste específico contexto, a vida do cidadão que se confrontava com a polícia foi abruptamente considerada descartável. Que tipo de sociedade permite que a vida de um ser humano seja ceifada por um disparo, numa circunstância que, apesar de potencialmente perigosa, poderia em princípio, ter sido abordada por métodos menos letais e mais respeitosos da vida humana? A vida não deve ser aferida apenas pela sua utilidade social ou pelo risco que representa, mas deve ser reconhecida como um valor intrínseco, merecedor de protecção em qualquer circunstância.
A Função do Estado e a Legitimidade da Violência
É imperativo questionar até que ponto devemos confiar nas instituições estatais para salvaguardar a vida. Se afirmamos que a vida é sagrada, como podemos aceitar que a polícia possua o poder de decidir, em momentos de crise, quem merece viver ou morrer? A centralização do poder nas mãos das forças policiais, que detêm a autoridade de recorrer à força letal, gera um ambiente de desconfiança e temor, onde a vida humana pode ser desvalorizada e tratada como um bem descartável.
A situação concreta narrada não é um caso isolado, mas sim um reflexo de uma lógica institucional que frequentemente opta pela força em detrimento da negociação e da mediação. As instituições que deveriam proteger a vida e a integridade dos cidadãos muitas vezes adoptam uma abordagem que privilegia a resposta rápida e letal, desconsiderando as consequências trágicas que tal escolha pode acarretar. É imperativo que a sociedade exija uma profunda reformulação da forma como a segurança pública é concebida e implementada, promovendo uma cultura de respeito pela vida e pela dignidade humana.
A Defesa da Vida e os Seus Desafios
Ser verdadeiramente pró-vida exige uma rejeição à violência como resposta a conflitos e uma defesa da dignidade humana em todas as circunstâncias. Quando se permite que a força estatal decida arbitrariamente quem vive e quem morre, a justiça torna-se um conceito distorcido. Cada indivíduo, independentemente da sua situação, merece a oportunidade de ser tratado com dignidade e compaixão. Assim, ao afirmarmos que somos pró-vida, não podemos ignorar a opressão e a violência que podem ser exercidas por instituições estatais. A resposta à criminalidade e ao desespero não pode ser a aniquilação da vida, mas sim a promoção de soluções que priorizem o diálogo, a compreensão e a reabilitação.
Este incidente serve como uma exortação de que a defesa da vida não deve ser uma mera retórica, mas um princípio activo que se opõe à brutalidade e à opressão. Para aqueles que se declaram pró-vida, é fundamental repudiar qualquer sistema que permita que a vida humana seja tratada com tal desconsideração. Devemos lutar por uma sociedade onde a dignidade e os direitos de todos sejam efectivamente respeitados. A vida, em todas as suas nuances, deve ser protegida e valorizada, pois cada ser humano, independentemente das circunstâncias, tem o direito a uma segunda oportunidade, à compaixão e à justiça.