O lucro empresarial, seja de indivíduos ou de empresas estabelecidas, é frequentemente denunciado e atacado como algo suspeito, no melhor dos casos, ou francamente “explorador”, em bastantes outros.
Aprofundemos, passo a passo, de onde provém o lucro empresarial e por que razão o afã de lucro é uma força benévola para as sociedades humanas.
O valor: o que é e por que não pode ser medido
Até 1871 pensava-se que o valor poderia talvez ser “objectivo”. Por exemplo, os diamantes seriam mais valiosos —e caros— do que o pão, porque é mais dispendioso e arriscado extraí-los, porque há mais “horas-homem” envolvidas, porque o objecto é “valioso em si mesmo” etc.
No entanto, em 1871, a revolução marginalista —três economistas de diferentes partes da Europa— resolveu o dilema dos diamantes versus o pão, o suposto “paradoxo do valor”, mais ou menos ao mesmo tempo.
Descobriu-se que o valor de um bem é subjectivo na origem e parcialmente objectivo, conforme o número de unidades de outros bens mais ou menos alternativos a ele, dependendo do contexto de quem o avalia.
Em outras palavras, há muito mais pão do que diamantes na maioria das situações. Em situações de sobrevivência —como sabemos por náufragos ou sobreviventes— a água e o pão valem, sem dúvida, mais do que os diamantes.
Contudo, o valor é sempre subjectivo na origem: se as pessoas não valorizassem os diamantes (ou pensemos no petróleo ou no guano de morcego antes de se lhes descobrirem utilidades), pouco importaria quão escassos fossem.
Valor = significado + prioridade (entre alternativas, escassas ou abundantes)

As normas lockeanas de propriedade
John Locke foi um inspirador crucial das instituições e formas de governo no mundo anglo-saxónico. Observando a história humana, enumerou três formas de adquirir propriedade de modo pacífico e justo:
- Bens potenciais —recursos sem dono— modificados e delimitados na natureza.
- Produção e modificação de bens existentes.
- Trocas (inclui o dom e o legado às futuras gerações, isto é, a herança).
Quando se obtém propriedade respeitando as normas lockeanas, possui-se propriedade legitimamente adquirida —em contraste com sistemas de escravidão, feudalismo ou conquista.
Os bens (físicos ou intangíveis) que alguém oferece no mercado são, antes de tudo, seus. Não tem obrigação alguma de vendê-los, nem de vendê-los a um preço que não o convença.
O princípio da troca
Se duas pessoas trocam os seus bens voluntariamente —maçãs por peras, um saco de sal por horas de trabalho, dinheiro por medicamentos—, ambas esperam beneficiar dessa troca.
Isto é assim ex ante, antes da transacção. Ex post, no entanto, ambas avaliarão —quem nunca comprou a peça de roupa errada?— se o negócio foi realmente bom e se o repetiriam no futuro.
Claro está que o roubo, a escravidão, o feudalismo e os impostos não são exemplos do princípio da troca. E a fraude não é senão outra forma de roubo, pois trata-se de uma troca realmente não consentida.
O ónus de informar-se sobre o bem —por exemplo, levar um amigo que sabe de mecânica antes de comprar um automóvel usado— recai sobre o potencial comprador. É o princípio romano clássico do caveat emptor (“que o comprador se acautele”).

Valor, preço e custo são coisas distintas
Perguntar ao vendedor o valor de um bem é pedir-lhe algo impossível. O medicamento para a tia diabética em dia de crise não vale —em nenhum sentido— o preço que se pede para levá-lo. O valor não pode ser medido; não existe unidade nem instrumento capazes de o medir.
O preço é a taxa passada de troca entre duas quantidades de bens. Quantas maçãs por uma pêra, quantos ienes por um euro, etc. Graças à revolução marginalista de 1871, sabemos que quanto mais unidades e alternativas houver de um bem, menor será o preço que se pode pedir por ele.
O preço é, portanto, uma taxa passada, pois sem transacção não há preço. O que consta nas etiquetas é o preço proposto, mais ou menos rígido (numa loja Apple quase não se regateia; ao comprar um automóvel usado seria tolice não o fazer).
O preço reflecte ou “segue” o valor dos bens para diferentes pessoas e momentos, mas não o mede nem é o mesmo.
Os custos, por sua vez, são a soma de recursos tangíveis e intangíveis gastos para obter algo. Tirar uma fotografia ou trazer uma flor do cume dos Himalaias tem custos de todo tipo, mas não tem preço, pois não envolve troca.
“Só o tolo confunde valor e preço.” — António Machado
Para que ocorra uma troca, o valor (percebido) deve superar o preço na hierarquia de prioridades; caso contrário, o comprador permaneceria igual. Por algum motivo, o comprador valorizará mais o bem que obtém do que o bem — em espécie ou dinheiro — ao qual está a renunciar voluntariamente.

De facto, há uma margem entre as intenções de A e B antes da troca. Nessa margem pode negociar-se, o que significa que há um pequeno jogo de ganhar-perder dentro de uma troca globalmente ganhar-ganhar.
A diferença entre o valor total e o preço pago é o ganho do comprador; a diferença entre o preço e os custos totais de produção, distribuição e comunicação é o lucro do vendedor ou empresário.
Valor > Preço > Custo(s)
Por isso é bom sair a ganhar: significa que se criou valor agregado em excesso do que o outro pagou por obtê-lo —em inglês, doing well while doing good.
O valor agregado
O valor agregado num bem pode assumir muitas formas. Levar vários guarda-chuvas onde vai chover acrescenta valor em forma de oportunidade e tempo. Armazenar bens para quem não tem ou não quer ter armazém próprio acrescenta valor em forma de infraestrutura e segurança. Criar uma narrativa publicitária ou interna que melhore a experiência do bem também agrega valor.
O valor não é um fenómeno físico na maioria dos casos. Outras formas mais óbvias de valor agregado incluem:
– aumentar quantidade ou qualidade física/química;
– adicionar características ou funções, inclusive embalagem;
– eliminar erros de versões anteriores.
Ao trocar e especializar-nos, entra em jogo o princípio das vantagens comparativas. Mesmo que A seja melhor do que B em tudo, convém especializar-se e obter o produto do outro.
É mais lucrativo —e benéfico para todos— que cada um se especialize, seja por investimento ou talento. Assim temos grandes génios artísticos, científicos e empresariais dedicados ao seu ofício e delegando o resto.
O lucro empresarial
A primeira ideia errada diz que o lucro empresarial provém dos trabalhadores. Não é assim: o empresário não “extrai” valor deles —pelo contrário. Investimentos em ferramentas, métodos, contactos, clientes, reputação, marca e visão potenciam a produtividade de cada colaborador (Mais-valia de Say).
A segunda ideia errada diz que o lucro vem dos clientes. Ou seja, que quem contabiliza custos e obtém dinheiro ao trocar é o “vencedor”. Isso é falso pelas razões já expostas —valor subjectivo, princípio da troca— e pelas que veremos adiante.

A origem do lucro empresarial
Como o valor é subjectivo, toda tentativa de oferecer um bem com valor agregado é apenas isso —uma tentativa. Essa tentativa está sujeita ao que Frank H. Knight chamou de “risco empresarial”, que não é segurável e, portanto, é mais do que risco: é incerteza.
Não se pode contratar um seguro contra a falência porque os nossos tacos mexicanos ou diamantes verdes não foram aceites no mercado. Muitas coisas que faz uma empresa são seguráveis, mas a aceitação comercial nunca o é.
Portanto, o risco empresarial é o risco de que a proposta de valor agregado seja ou não aceite.
Quem faz o que todos fazem tem maior probabilidade de acertar; quem faz algo extraordinário enfrenta maior risco —e, sim, quanto maior o risco, maior a rentabilidade.
A acção humana e o afã de lucro
A acção humana é teleológica —ao contrário dos instintos nas outras espécies—, ou seja, procura passar a uma situação mais satisfatória. Definimos objectivos (visitar um amigo, concluir estudos, etc.).
E a própria acção humana é inerentemente empresarial. Por isso falamos em “empreender acções”. Muitas fracassam, não apenas as comerciais —porque são tentativas de chegar a uma situação melhor.
O afã de lucro é, então, uma expressão da acção humana. Se compreendemos o princípio da troca, sabemos que as trocas comerciais podem ser —e normalmente são— de natureza ganhar-ganhar.
Em resumo, o valor é sempre subjectivo, e se as pessoas trocam propriedade legitimamente adquirida, o lucro empresarial é apenas uma forma de tentar criar valor para os outros e para os seus planos. O afã de lucro não é mais do que o impulso humano —teleológico— ancestral e milenar de fazer coisas para os demais e, ao mesmo tempo, mutuamente recompensantes.
Nas trocas limpas (caveat emptor), todos podemos sair a ganhar.
Referências
- Ação Humana — Ludwig von Mises
- Risco, Incerteza e Função Empresarial — Frank H. Knight
- Socialismo, Cálculo Económico e Função Empresarial — Jesús Huerta de Soto
- Man, Economy & State — Murray N. Rothbard
- A Ética da Liberdade — Murray N. Rothbard