Portugal não resolve os incêndios de Verão porque continua a acreditar no mito paternalista e paralisante do “estado protector”.
Ano após ano, despejam-se milhões em helicópteros alugados a amigos do regime1, em campanhas de “sensibilização”2 e em mais camadas de burocracia inútil3. O resultado é sempre o mesmo: o país arde, o dinheiro desaparece e a responsabilidade evapora-se.
Portugal tem, em termos formais, uma das maiores percentagens de território rural e florestal em mãos privadas da Europa. Mas essa “propriedade privada” é uma ficção jurídica. O direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º da Constituição, é sistematicamente esvaziado por um emaranhado de normas, taxas e bloqueios administrativos. Os inventários e as partilhas arrastam-se durante décadas nos tribunais, deixando milhares de hectares em limbo jurídico. Quem tenta assumir a posse de terrenos herdados enfrenta taxas de registo elevadas, IMI sobre prédios rústicos e encargos que desincentivam qualquer gesto de responsabilidade.
Quando um proprietário quer cuidar activamente da sua terra, tropeça num emaranhado de entraves: precisa de autorizações do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) para cortar meia dúzia de árvores, é obrigado a apresentar planos de rearborização que custam mais do que a madeira vale e esbarra em bloqueios municipais e em reservas ecológicas que congelam o uso da terra. Até limpar o mato ou abrir aceiros exige burocracia e taxas, o que transforma o gesto de prevenção em algo mais caro e complexo do que simplesmente abandonar o terreno. Na prática, a gestão activa é punida e o abandono é premiado.
A perversidade estatal agrava-se com os Planos Directores Municipais (PDM), que são, na prática, um congelamento do território rural em nome de um “ordenamento” abstracto. Servem de garrote político e dão aos autarcas um poder feudal sobre o território. Estes planos retiram aos proprietários a liberdade de investir ou desenvolver os seus terrenos, transformando a terra em activos mortos, sujeitos ao arbítrio político, condenando-a ao mato, ao abandono e, inevitavelmente, ao fogo. Só com favores ou excepções se desbloqueia o que devia ser um direito natural do dono. Ou seja, a terra deixa de ser uma possível fonte de valor e passa a ser um fardo.
Do ponto de vista económico, isto não constitui verdadeiramente propriedade privada. É apenas uma posse nominal condicionada pelo estado. Rothbard lembraria que os direitos de propriedade só funcionam quando são claros, transmissíveis e plenos. Hoppe sublinharia que, quando o estado se intromete, transforma a propriedade em refém, retirando ao dono qualquer incentivo para investir, prevenir riscos ou valorizar o recurso. E Hayek apontaria que o conhecimento local, indispensável para gerir realidades tão distintas como as serras de Trás-os-Montes ou os pinhais do litoral, é destruído por normas uniformes vindas de Lisboa e Bruxelas.
O resultado é o que vemos todos os Verões: o incêndio de vastas áreas “privadas” que, na prática, não pertencem a ninguém, porque o estado minou a responsabilidade do dono e substituiu-a por dependência. As florestas ardem porque não há incentivos claros para as desenvolver e proteger, apenas penalizações para quem tenta cuidar delas.
Se Portugal quisesse de facto resolver o problema dos incêndios, teria de começar pelo fundamental: devolver a propriedade plena aos seus legítimos donos, simplificar transmissões e heranças, reduzir a carga fiscal sobre terrenos rústicos, eliminar os bloqueios políticos dos PDM’s e permitir que o mercado gere valor e crie soluções, desde seguros florestais a serviços privados de vigilância e limpeza.
Sem esta alteração de fundo, os incêndios vão continuar a ser o espectáculo anual da incompetência estatizada: o estado cria o problema, impede a solução e aparece depois, glorioso, a propor “soluções políticas” para o que ele próprio deixou arder. soluções que, por sua vez, vão beneficiar ainda mais aqueles que não sofrem com a destruição.
Notas
- Como no caso dos Kamov Ka-32 e dos contratos da ANPC com a Everjets, já investigados pela Polícia Judiciária. Alguns destes helicópteros permaneceram anos em terra sem voar, enquanto o estado continuava a pagar as facturas. ↩︎
- Como as campanhas nacionais “Portugal Chama” ou “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”, amplamente divulgadas em televisão, rádio e outdoors, mas cujo impacto prático na prevenção se revela irrelevante face ao bloqueio estrutural imposto pelo estado. ↩︎
- Exemplo disso é a exigência de licenciamento prévio pelo ICNF para simples cortes de árvores em terrenos rústicos, mesmo quando doentes ou em risco de queda, obrigando a relatórios técnicos pagos e a prazos de resposta que se arrastam durante meses. ↩︎