Em economia, existem conceitos que são frequentemente incompreendidos; alguns aspectos, que aparentemente não passam de pormenores, ao não serem devidamente entendidos, geram uma deturpação sobre os processos económicos e toda uma inversão da realidade. Essa incompreensão torna-se num problema significativo na medida em que constitui a base de erros frequentes em análises económicas realizadas nas mais variadíssimas zonas do planeta, e porque é também a causa do enraizamento no senso-comum de ideias falaciosas sobre economia.
Pretendo, neste artigo, expor uma reflexão sobre a correlação entre consumo e produção e, mais precisamente, demonstrar de forma inequívoca que o acto de consumir não gera riqueza, não gera a produção de bem algum.
Quando um indivíduo toma a decisão de investir num determinado bem de consumo, para esse efeito, necessita de recursos. Sendo assim, se esses recursos advirem de pagamentos pela sua actividade laboral ou de seus investimentos, nesse caso, o acto de consumo desse indivíduo será possibilitado por investimento (que, por sua vez, depende de uma acção de poupança, ou seja, de abstenção de consumo) e produção prévios.
Se, por outro lado, os recursos que esse mesmo indivíduo estiver disposto a gastar em consumo não forem provenientes da sua produção e/ou investimento, estaremos perante o objectivo de utilizar riqueza proveniente da produção e de investimento de terceiros.
Ora vejamos: se o Sr. Alberto decide ir de férias para Itália irá, para isso, investir uma parte dos recursos que adquiriu como pagamento pelos seus serviços como escriturário na fábrica de conservas onde trabalha. O acto de consumo, neste exemplo, tem a sua possibilidade de existir nascida da contribuição do Sr. Alberto na produção e distribuição de conservas.
Suponhamos agora que o irmão do Sr. Alberto, o Sr. Joaquim, deseja neste verão ir de férias com o seu irmão mas não tem, à partida, recursos disponíveis para o fazer. Por sorte, o Sr. Joaquim tem um amigo disposto a emprestar-lhe o necessário. Assim, a ausência inicial de recursos já não constituí nenhum entrave para as tão desejadas férias. Nesta situação, o que permite o investimento num bem de consumo são os recursos provenientes da marcenaria do amigo do Sr. Joaquim.
Imagino que seja evidente que as possibilidades do Sr. Alberto e do Sr. Joaquim usufruírem de umas férias em Itália no próximo verão não se esgotem nos exemplos acima mencionados. Poderão receber um empréstimo de qualquer outra pessoa e/ou empresa ou talvez tenham herdado valores que possibilitem essas férias; poderão utilizar subsídios recebidos pelo estado ou até ter ganho a lotaria; poderão também ter obtido os recursos necessários por qualquer outro meio. As possibilidades são imensas, contudo, sejam quais forem os meios pelos quais obtenham os recursos, eles terão sempre a sua origem em processos de produção e processos de investimento (e respectiva abstenção de consumo necessária).
Analisemos agora esta realidade económica por outro ângulo. Para essas férias serem uma possibilidade real, o Sr. Alberto e o Sr. Joaquim usufruem de uma oferta de bens e serviços que são, todos eles, dependentes de uma complexa e vastíssima «teia» de negócios. Da possível agência de viagens, passando pelo provável avião, até à oferta hoteleira presente em Itália. Por sua vez, estas ofertas estão dependentes de um enormíssimo conjunto de actividades produtivas ao nível da extracção de matérias-primas e do fabrico de bens.
Perante esta exposição, qual é o factor transversal a todos estes processos económicos que importa aqui focar? Numa perspectiva mais global, qual é a necessidade aqui apresentada indispensável ao crescimento económico? Pois bem, a resposta a esta pergunta reside na necessidade da existência de poupança que, mais não é do que, na posse de determinados recursos, a abstenção de os consumir.
No que concerne ao tema central deste artigo, parece-me ter já clarificado os motivos pelos quais não é o consumo que gera riqueza. Não é por eu desejar um determinado produto que ele me surge disponível. Primeiramente, para o adquirir (pelo menos, por meios honestos e desconsiderando, nesta análise, a gratuidade) necessito de recursos advindos da minha produtividade ou da produtividade de terceiros. Noutro plano, a concretização desse desejo está também inteiramente dependente da poupança de recursos como alicerce para a produção de bens e serviços. Só assim se produz riqueza. Esta é a economia «real».
Até este ponto do artigo, expus, de uma forma simplificada, os processos inerentes à produção de bens, à produção de riqueza. Estes são os princípios verdadeiros sobre esta matéria. Esta é a realidade desprovida de ilusões.
Estou certo que, perante a argumentação aqui apresentada, diversas serão as pessoas a apresentar críticas desfavoráveis. Acredito, com toda a sinceridade, que certas pessoas possam considerar errada a teoria aqui demonstrada e, até mesmo, a possam considerar inocente. Quero, com isto, referir-me a eventuais conhecedores do funcionamento do sistema bancário vigente.
Bem sei que, até aqui, omiti um parâmetro económico presente nos processos produtivos em praticamente todas as zonas do globo (se é que não está mesmo presente em todo o planeta). Trata-se, contudo, de uma omissão propositada. As razões para essa omissão prendem-se com o facto de me estar a referir a um mecanismo que não acrescenta qualquer mais-valia na economia de uma sociedade. Um mecanismo que representa uma deformação da realidade completamente desconhecida pela maioria da população. Mesmo entre os que conhecem essa realidade, muitos são os que não a entendem nem compreendem as suas consequências. Refiro-me ao sistema bancário assente em reservas fraccionárias.
O crédito bancário é expandido para níveis surreais. Na realidade, os bancos não necessitam de possuir recursos provenientes de poupança, podem criar dinheiro do nada, simplesmente por alguém lhes solicitar um empréstimo e cobram posteriormente juros sobre esse acto «divino».
Isto é o sistema de reservas fraccionárias; um sistema onde, de acordo com determinadas regras e proporções, o crédito pode ser expandido através da criação de dinheiro. Este processo parecerá, para a maioria das pessoas, demasiado incrível para ser verdade, mas trata-se da realidade; uma realidade que nos coloca numa situação em que quase todo o dinheiro existente foi criado de forma artificial.
Neste sistema bancário residirá para algumas pessoas a argumentação para uma refutação das ideias expostas até este ponto do artigo, pois entendem que a possibilidade de os bancos actuarem com reservas fraccionadas permite a produção de riqueza sem qualquer poupança prévia. Criticam apoiadas no seguinte raciocínio: quando um banco expande o seu crédito, por exemplo, em cem mil euros, concedendo um empréstimo desse mesmo valor, seja para investimentos em bens de capital ou para bens de consumo, passam a existir mais cem mil euros na economia. Trata-se de um valor que possibilita, directa e indirectamente, a criação de consumo e/ou a criação de investimento. Temos que admitir que esta alavancagem vai influenciar e beneficiar diversos negócios, no entanto, estes factos constituem apenas a superfície das consequências deste sistema.
Estão enganadas as pessoas que acreditam que a simples criação de moeda enriquece uma economia. Acreditar nessa ilusão equivale a acreditar que os bancos podem fazer milagres. A necessidade de poupança como base do crescimento económico em nada se altera com a expansão do crédito através da expansão monetária orquestrada pelo sistema bancário.
Na prática, quando um banco injecta na economia dinheiro recém-criado, não gera o crescimento da economia. Com o aumento da oferta monetária, mantendo-se os restantes factores económicos inalterados, temos como consequência o aumento dos preços. A economia real volta-se a moldar à nova quantidade de dinheiro através do sistema de preços diminuindo, desta forma, o poder de compra da maioria das pessoas.
Para ser ainda mais directo, os bancos têm, através deste processo, a possibilidade de retirarem recursos à maioria da população para a obtenção de lucros próprios, através do desvio de recursos da maior parte da população para a criação de crédito. É verdade que com este sistema bancário, nem um banco nem um tomador de um empréstimo necessitam de possuir recursos poupados previamente, porém, na realidade, quando este mecanismo bancário actua, estamos perante a utilização de forma forçada dos recursos dos restantes cidadãos e empresas que estejam para além do banco que concede o empréstimo e do tomador desse mesmo empréstimo. Estamos claramente perante um sistema de saques constantes. Tudo isto é possibilitado pela inflação.
Considero de extrema importância o conhecimento do modo de funcionamento do sistema bancário, contudo, não cabe neste artigo um maior desenvolvimento desta temática.[1]
Creio já ter clarificado os motivos pelos quais um acto de consumo não gera riqueza, porém, no que concerne à correlação entre consumo e produção, parece-me importante acrescentar mais um aspecto desta realidade: não só o consumo não gera riqueza, como ainda conduz à sua exaustão. Ao consumirmos um bem ou serviço, está sempre implicado o esgotamento de recursos de uma forma irreversível. Recursos que até um determinado momento existem e que, devido ao consumo, deixam de existir.
Passo a exemplificar: o Sr. João é dono de uma empresa de extracção de petróleo. A existência dessa empresa tem o objectivo claro de ser rentável para o Sr. João. Para esse efeito, o negócio tem que produzir para cobrir o investimento em maquinaria que permita a actividade da empresa, para cobrir o pagamento dos salários dos trabalhadores e, confirmando-se o sucesso, o que sobrar, será lucro do Sr. João (para simplificar, vou excluir os gastos impostos pelo estado, pois em nada alteram o raciocínio). Após um ano em que obteve um lucro de duzentos mil euros, este afortunado empreendedor, decide reformar-se e gastar todo esse valor em carros e férias, ou seja, em bens de consumo. Quanto aos ordenados ganhos pelos seus funcionários ao longo desse ano, foram também gastos, na sua totalidade, em bens de consumo como alimentos, rendas das casas, cinemas, entre muitos outros. Dos recursos que o Sr. João e os seus funcionários obtiveram já não sobra nada e a única riqueza que sobra da produção da empresa é o petróleo que está na posse de quem o comprou.
Consideremos agora que esse petróleo foi, na sua totalidade, adquirido pela refinaria da Sra. Luísa. O horizonte desta empresa é exactamente o mesmo da empresa de extracção de petróleo; tem o objectivo de cobrir as despesas em maquinaria, os gastos com a compra da matéria-prima que é o petróleo e os gastos com a mão-de obra. Espera-se também a obtenção de valores extra. Após um ano em que obteve um lucro de cem mil euros, a Sra. Luísa decide dedicar mais tempo aos filhos, fecha a empresa e gasta todo o lucro que obteve na compra de um apartamento novo. Tal como os antigos empregados do Sr. João, todos os funcionários desta refinaria encerrada, ao longo do último ano, gastaram os seus ordenados em bens de consumo. Neste patamar, a única riqueza que sobra é o combustível que, por sua vez, se encontra agora com novo proprietário.
Pretendo agora referir-me ao Sr. Carlos que é dono de uma gasolineira e comprou todo o combustível produzido no último ano pela empresa da Sra. Luísa. Tudo se repete: os mesmos objectivos, o mesmo sucesso, o mesmo fim da empresa e os mesmos gastos por parte do empreendedor e dos funcionários. Resta apenas acrescentar que todo o combustível foi comprado por pessoas que o gastaram em passeios, ou seja, em bens de consumo.
Por fim, sobra-nos analisar de uma perspectiva global estas três actividades. Depois de todos estes investimentos, depois destas actividades produtivas de sucesso, nada sobrou. Toda a riqueza produzida se evaporou devido ao consumo. Visto que todos os bens produzidos foram consumidos, mais nada poderá ser comprado nem mais nada poderá ser investido, visto que nada mais existe. Bem sei que tanto a postura dos donos das empresas tal como a dos trabalhadores poderia ser diferente; que poderiam ter-se abstido de consumir tanto e investido uma parte da riqueza que obtiveram. Sei também que estes três negócios não funcionam de uma forma isolada, pois, na realidade, estariam interligados a muitíssimas outras actividades, contudo, em economia, a natureza inultrapassável da produtividade humana é esta. Nunca é de mais repetir: para se produzir riqueza, é estritamente necessário que exista poupança.
Em economia, existem conceitos que são frequentemente incompreendidos; conceitos que, ao não serem devidamente entendidos, conduzem a uma enorme confusão na análise de fenómenos económicos.
Sem dúvida que consumo e produção são dois factores interligados. Sem dúvida que se influenciam mutuamente. Que fique claro que não é minha intenção desvalorizar o acto de consumir. Não é, de forma alguma, uma aspecto negativo da economia, pois, em derradeira análise, toda a acção produtivo visa, de forma directa ou indirecta, melhorar a vida da Humanidade. Melhorias essas que se materializam através da possibilidade de consumir.
Torna-se, contudo, importante compreender que consumo não gera riqueza. Não só não gera riqueza, como constituí, de forma irrecuperável, a sua exaustão. Não compreender esta realidade implica não compreender minimamente o funcionamento do sistema produtivo de um economia. A ignorância aqui referida torna-se terrivelmente grave quando inúmeros economistas, políticos e muitas outras pessoas apresentam análises económicas alicerçadas na teoria de que consumir gera crescimento económico e de que a queda do consumo numa sociedade prejudica a economia.
Perante isto, espero que este artigo constitua um meio de esclarecimento, que contribua para desmistificar a ideia tão proliferada de que consumo gera riqueza. Que se entenda, de uma forma definitiva, que um acto de consumo não cria rigorosamente riqueza alguma.