“Os preconceitos têm mais raízes do que os princípios” –
Nicolau Maquiavel
Mais utilizada do que compreendida, a palavra “globalização” é invocada por muitos como o conceito representativo de um fenómeno observado e sentido na necessidade de formar uma “Aldeia Global”, que permita maiores ganhos para os mercados internos já saturados.
Mesmo sendo tal conceptualização no mínimo discutível (o que daria azo a outro artigo), a verdade é que o aumento da dimensão do mercado externo das economias modernas é uma das principais fontes do crescimento económico moderno.
É esse aumento, expressado através do Mercado, que mais evidências dá de ser a melhor arma contra a pobreza [1]. Não deixa portanto de fazer sentido relembrar as palavras do Nobel da Economia de ‘76, Milton Friedman, proferidas em 1978 na Universidade de Stanford:
“So far as poverty is concerned, there has never in history been a more effective machine for eliminating poverty than the free enterprise system and the free-market.” [2]
Foi esse “mercado” que deu algo a quem nada (ou muito pouco) tinha. Ele é também o troféu que lembrará para sempre a vitória do capitalismo sobre os sistemas de alocação centralizada de recursos.
Ainda que muitos pensem que as sociedades estão em processo de Globalização desde o início da História, o processo que se denomina de “globalização” é bem mais recente (o próprio fim da Segunda Guerra Mundial desencadeou esse tipo de necessidade).
Mas quando uma das principais características desse fenómeno se trata da combinação entre culturas locais e uma cultura dita “de massas” – supostamente universal – o medo de muita gente acaba por aumentar, como que de um segundo dilúvio universal se tratasse, e da aparentemente inofensiva Globalização Financeira, eis que emana uma nova “praga”: Fujam, a Globalização Cultural chegou!
A Globalização Cultural tem sido recentemente tomada pelos media como concepção que resultará na configuração de um mundo integrado e organizado no modelo de uma gigantesca “comunidade abstracta e global”. Essa visão é polémica internacionalmente: uma cadeia de restaurantes McDonald’s em Cuba, assim como charutos cubanos puros à venda em tabacarias na Europa, são alguns dos sonhos visionados pelos defensores de um mercado livre e sem fronteiras obscurantistas, defensores esses, habitualmente apelidados em malícia e desonestidade intelectual de “neo-liberais” (entre outras coisas piores).
Ora, será esse tipo de visão tangível e moralmente invocável? Estarão os mais conservadores, que defendem o Estado Nação como um recipiente único e homogéneo de vontades e costumes, correctos? Estarão os efervescentes grupos europeus da extrema-direita no domínio puro da razão?
Sem dúvida que não.
Não compreendo que um estabelecimento da Starbucks, posicionado no centro histórico da cidade Porto, em Portugal, possa sequer ferir a nossa “coesão cultural” (se é que isso existe, ou pode existir). E mesmo que o fizesse, não o estaria a fazer com o apoio e aconchego das centenas de “felizes”, ou pelo menos satisfeitos, consumidores que o suportariam?
Devemos por isso preocupar-nos com o que merece preocupação e esquecer o que é inofensivo e desprezável – tratando-se ou não de efeito contra-costume, ou contra-cultural.
Se os habitantes de um dado país quiserem, e se houver procura e capacidade de oferta para tal, veremos um menu “McPicanha” algures nos McDonald’s do Brasil, do mesmo modo que já vimos as McSopas em Portugal…
À partida, se os consumidores procurarem “X”, e se houver capacidade da parte dos empreendedores de oferecer esse mesmo “X”, tendo ambas as partes vantagens lucrativas com a troca, podemos ter a certeza que o negócio irá ocorrer, e que ambas as partes serão satisfeitas (a menos que o Estado não destrua esta simples e genuína relação voluntária entre duas partes dispostas à troca).
Eis o poder da liberdade económica no seu melhor esplendor, essa é a força do livre mercado. Já por isso escrevera Murray N. Rothbard:
“The free market and the free price system make goods from around the world available to consumers. The free market also gives the largest possible scope to entrepreneurs, who risk capital to allocate resources so as to satisfy the future desires of the mass of consumers as efficiently as possible. Saving and investment can then develop capital goods and increase the productivity and wages of workers, thereby increasing their standard of living. The free competitive market also rewards and stimulates technological innovation that allows the innovator to get a head start in satisfying consumer wants in new and creative ways.” [3]
Assusta-me pensar que a solução (como se houvesse aqui algum problema…) mais defendida pelos estatistas face a esta ideia falaciosa de “perda cultural” passa, quase sempre, pelo planeamento governamental.
Como sabem os políticos a cultura que os cidadãos querem “consumir”? E mesmo que soubessem, será que todos os cidadãos querem “consumir” a mesma cultura? Não querendo, serão posteriormente coagidos a pagar por essa cultura através da tributação?
É inconcebível pensar que o Estado pode, de real modo, saber que cultura as pessoas pretendem consumir – sendo isso, por si só, algo contrário à natureza humana. O Estado não apenas “não o sabe”, como nitidamente “não o pode saber” de modo algum.
Esse mesmo Estado poderá até tentar esboçar uma ideia “colectiva e agregada” dos gostos da população, mas isso já será entrar no campo da “pura previsão astrológica”. Indivíduos são indivíduos, não são agregados sem mente própria: Não dá para branquear tal facto.
Em entrevista ao Instituto Ludwig von Mises Brasil, André Azevedo Alves explica-nos facilmente essa mesma realidade:
“De um ponto de vista mais epistemológico, o equivalente seria a ideia de que quem produz, quem processa conhecimento – quem escolhe – em ultima instância, são pessoas. E as pessoas que escolhem são necessariamente limitadas. É uma ideia difícil de aceitar porque nós estamos de alguma forma ‘programados’ a achar que podemos saber mais do que efectivamente podemos saber.”
É preciso que se perca o preconceito de que a Globalização Cultural é mais um monstro dentro do guarda-fatos. Se o for, certamente que será do tamanho que os cidadãos quiserem que seja. Há mesmo dias em que a Globalização não morde…
- Redefining the Poverty Debate – Why a War on Markets is No Substitute for a War on Poverty, Kristian Niemietz, IEA ↩︎
- Responsability to the poor ↩︎
- The Fortune Encyclopedia of Economics (Time Warner, 1993), David Henderson, ed., pp 636-639. ↩︎