A verdade acerca dos acontecimentos históricos não pode ser avaliada unicamente com base na perspectiva ideológica do historiador, por exemplo, se este é marxista ou libertário. Por muito tentador que seja acreditar que as pessoas com as quais já concordamos são as únicas a dizer a verdade sobre a história, esse método de avaliação equivaleria a admitir que cada historiador possui a sua própria “verdade” pessoal ditada pela sua ideologia, e que os leitores escolhem a interpretação “verdadeira” da história segundo a concordância com a ideologia do historiador. Aqueles que rejeitam a ideologia de um autor podem descartar com segurança a sua análise histórica como “falsa”—ele disse isso porque é marxista, ou apenas o disse por ser libertário.
Na disciplina da história — como em qualquer disciplina académica — deve ser possível apurar objectivamente a verdade sobre os acontecimentos históricos. Ainda que a verdade completa se perca nas neblinas do tempo, deve ser possível avaliar objectivamente o que é, ou não, provável que tenha ocorrido. A questão é: como distinguir uma interpretação “objectiva” das fontes primárias de uma interpretação “marxista” ou “libertária”?
Uma resposta a esta questão encontra-se na obra de Ludwig von Mises, Teoria e História: Uma Interpretação da Evolução Social e Económica. Murray Rothbard descreveu esta obra como “a grande obra metodológica de Mises, que explica a base da sua abordagem económica e oferece críticas brilhantes a alternativas falaciosas como o historicismo, o cientificismo e o materialismo dialéctico marxista.” Embora Mises tenha procurado nesta obra contextualizar a metodologia da economia, dela se podem extrair lições importantes sobre a metodologia da história, na medida em que esta tenta descrever e explicar eventos humanos e acção humana. Isto ajuda a resolver as chamadas guerras da história, nas quais uma interpretação é acusada de ser “racista” e “supremacista branca,” enquanto uma diferente interpretação dos mesmos acontecimentos é alegada ser “marxista.” Mises insistia que a única forma de resolver tais disputas é através da análise crítica baseada no raciocínio lógico. A verdade não pode ser apurada simplesmente expondo as crenças subjectivas e motivações do autor. Não basta a cada lado apenas alegar que o adversário é parcial. Expor o facto de um historiador ser parcial não basta para derrubar os seus argumentos. É necessário ir mais longe e demonstrar que existem “falácias na cadeia do raciocínio.” Mises explica que:
Tudo o que conta é que uma doutrina seja sólida ou não. Isso deve ser estabelecido por meio do raciocínio discursivo. Não diminui em nada a solidez e correcção de uma teoria se forem reveladas as forças psicológicas que levaram o seu autor a formulá-la. Os motivos que guiaram o pensador são irrelevantes para apreciar a sua produção… Referir-se à parcialidade de um pensador não é substituto para a refutação das suas doutrinas por argumentos sustentáveis. Aqueles que acusam os economistas de parcialidade apenas mostram que não conseguem refutar os seus ensinamentos por análise crítica.
Mises discute ainda dois temas adicionais úteis para compreender como a ideologia influencia as guerras da história— a natureza universal da acção humana e os princípios do individualismo metodológico. É necessário entender que as pessoas tomam decisões com base nas suas preferências subjectivas, as quais só podem ser conhecidas tendo em conta o indivíduo em questão. Os historiadores podem, objectivamente, estabelecer o que uma pessoa pensou, disse ou fez, com base no exame de fontes primárias. Mises explica:
Assim, a história dos assuntos humanos deve lidar com os juízos de valor que impeliram os homens a agir e guiaram o seu comportamento. O que aconteceu na história não pode ser descoberto e relatado sem referência às várias valorizações dos indivíduos em acção.
Relatos sobre como um indivíduo expressou as suas motivações ou a sua visão do mundo, baseados no exame de fontes primárias, podem ser considerados verdadeiros, independentemente das opiniões ideológicas do historiador. Mas quando um historiador procura deduzir as preferências subjectivas de um indivíduo baseando-se exclusivamente no grupo colectivo a que esse indivíduo pertenceu, ou apenas pelo tempo ou época históricos em que viveu, isso não pode ser tido como verdade. É apenas a visão do historiador do que um grupo de pessoas que viveu naquela época e lugar teria pensado, e dos valores que deveriam ter sustentado, o que é, afinal, uma forma de polilogismo1. As escolhas e preferências pertencem ao indivíduo e não ao grupo; é ao indivíduo que o historiador deve recorrer para compreender as escolhas feitas. Isto significa que qualquer história que tente explicar a acção humana com base no colectivismo metodológico não é digna de confiança.
Adicionalmente, embora os historiadores possam descrever e explicar os juízos de valor mantidos pelos intervenientes nos eventos passados (“as várias valorizações dos indivíduos em acção”), não é tarefa do historiador formular juízos de valor próprios acerca desses eventos. O historiador que oferece juízos de valor pessoais já não fala enquanto historiador, mas numa capacidade pessoal frequentemente destinada a promover uma determinada perspectiva política ou ideológica. É verdade que os académicos muitas vezes têm dificuldade em não expressar os seus próprios juízos de valor sobre os temas que discutem, mas essa tendência humana deve colocar poucos obstáculos à obtenção da verdade, desde que se mantenha uma clara separação entre interpretação histórica e opinião pessoal. Mises esclarece:
Não é tarefa do historiador qua historiador emitir juízos de valor sobre os indivíduos cujo comportamento é o tema das suas investigações… É um facto que quase nenhum historiador tem evitado completamente emitir juízos de valor. Mas tais juízos são sempre apenas incidentais às verdadeiras tarefas da história. Ao proferi-los, o autor fala como indivíduo que julga sob o ponto de vista das suas valorizações pessoais, e não como historiador.
Para apurar a verdade sobre os factos históricos, deve, portanto, distinguir-se entre as descrições dos juízos de valor feitos pelos agentes históricos com base no que eles próprios pensaram ou disseram, e os juízos de valor do autor, que reflectem a sua própria ideologia. Curiosamente, os historiadores marxistas não se preocupam com estas questões. Negam simplesmente ser influenciados pela sua própria ideologia e alegam que apenas apresentam fontes primárias que “falam por si próprias,” tornando os seus relatos históricos “objectivos” e “neutros.”
Mas, ao mesmo tempo, afirmam que historiadores não-marxistas não podem ser objectivos. É-lhes sugerido que os historiadores que não abraçam a ideologia marxista exprimem inconscientemente ideologias de “supremacia branca” nos seus relatos históricos, porque não conseguem separar os seus preconceitos raciais das suas interpretações históricas. Os marxistas não padecem desse “preconceito inconsciente” nas suas interpretações históricas—uma falha encontrada exclusivamente naqueles que não são marxistas. Nas guerras da história, historiadores marxistas publicam história objectiva, científica e baseada em provas de fontes primárias sem qualquer parcialidade, como exemplificado por Eric Foner. Todos os restantes historiadores são racistas, como exemplifica a Escola de Dunning, cancelada por exibir preconceito inconsciente e supremacia branca. Mises mostra como evitar tais interpretações enviesadas, na busca da verdade acerca dos eventos históricos controversos.
Artigo publicado originalmente no Mises Institute.
- Crença de que diferentes grupos de pessoas raciocinam de forma fundamentalmente diferente. [N. do T.] ↩︎
