A maioria dos especialistas concorda que, através da manipulação das taxas de juro de curto-prazo, o banco central pode também determinar a direcção das taxas de juro de longo-prazo. Algumas ideias populares alegam que as taxas de juro de longo-prazo são a média das taxas de juro de curto-prazo actuais e esperadas. Assim, parece que o banco central é a chave para a determinação das taxas de juro. Mas será isto válido?
Preferências temporais individuais e taxas de juro
Segundo pensadores como Carl Menger e Ludwig von Mises, os juros resultam do facto de os indivíduos atribuírem um prémio aos bens presentes em relação a bens idênticos no futuro (ou seja, preferência temporal). A preferência não resulta de um comportamento caprichoso, mas sim do facto de a vida no futuro não ser possível sem a sustentar primeiro no presente. A este respeito, Carl Menger sugeriu:
“A vida humana é um processo em que o curso do desenvolvimento futuro é sempre influenciado pelo desenvolvimento anterior. É um processo que não pode ser continuado uma vez interrompido, e que não pode ser completamente reabilitado uma vez que se tenha tornado gravemente desordenado. A preocupação com os períodos anteriores da nossa vida é um pré-requisito necessário para a manutenção da nossa vida e para o nosso desenvolvimento em períodos futuros. Deixando de lado as irregularidades da actividade económica, podemos concluir que o homem poupado se esforça geralmente por assegurar primeiro a satisfação das necessidades do futuro imediato e que, só depois de o ter feito, procura assegurar a satisfação das necessidades de períodos mais longínquos, de acordo com a sua distância no tempo.”
Vários bens necessários para sustentar a vida do homem no presente devem ser de maior importância para ele do que os mesmos bens no futuro. Da mesma forma, de acordo com Mises:
“Aquele que quer viver para ver o dia seguinte deve, antes de mais, preocupar-se com a preservação da sua vida no período intermédio. A sobrevivência e o apaziguamento das necessidades vitais são, portanto, requisitos para a satisfação de quaisquer desejos num futuro mais remoto.”
A restrição do consumo é a poupança e a transferência de trabalho e terra para a formação de capital é o investimento. Os bens de consumo poupados sustentam indivíduos que são empregados na fabricação de ferramentas e máquinas (ou seja, bens de capital). A expansão da poupança reduz o prémio do consumo presente em relação ao consumo futuro (ou seja, reduz de forma estável a taxa de juro). Inversamente, factores que prejudicam a poupança aumentam o prémio do consumo presente face ao consumo futuro (i.e., aumentam a taxa de juro). Além disso, o aumento da poupança diminui as preferências individuais em termos de tempo, enquanto a diminuição da poupança aumenta as preferências em termos de tempo.
Sustentação da vida e taxa de juros zero
Em regra, com a expansão da poupança, os indivíduos tendem a alocar mais para a realização de objectivos remotos, de forma a melhorar a sua qualidade de vida ao longo do tempo. Com bens escassos e pouca poupança, um indivíduo só pode pensar em objectivos de muito curto-prazo, como o fabrico de uma simples ferramenta. A escassa poupança não lhe permite empreender o fabrico de ferramentas mais avançadas (i.e., bens de capital). Com um aumento dos bens poupados, ele poderia considerar a construção de ferramentas melhores.
Nenhum indivíduo se compromete com um objectivo que não promete nada em troca. A manutenção do processo de vida, para além da existência de mão em mão, requer uma expansão da poupança e da produção. Esta expansão implica retornos positivos. É através da expansão da poupança – depois de permitir a manutenção da vida no presente – que se torna possível uma maior produção e investimento. Esta poupança, por sua vez, permite uma nova expansão do mesmo processo – uma maior afectação da poupança a objectivos de longo-prazo, o que implica uma maior preferência por bens de consumo futuros e uma consequente redução das taxas de juro. As poupanças adicionais que se tornam disponíveis são investidas porque os benefícios futuros esperados superam os benefícios de consumir essas poupanças no presente.
As taxas de juro orientam as empresas
Uma vez que os juros são estabelecidos em termos monetários, a oferta de moeda é um factor determinante da taxa de juro do mercado de juros. Os juros são, no entanto, o resultado de uma maior valorização dos bens presentes em relação aos bens futuros. Sendo o meio de troca, a moeda apenas facilita a troca de empréstimos ao longo do tempo. As variações das taxas de juro informam os empresários sobre a viabilidade de realizar vários projectos de capital. Uma descida das taxas de juro implica que uma maior proporção de poupanças foi disponibilizada para esses projectos. Inversamente, um aumento das taxas de juro implica que um montante menor de poupanças pode ser afectado a esses projectos.
Ao fixar a taxa de juro através de trocas ao longo do tempo, tanto o mutuário como o mutuante de poupanças têm em conta as flutuações do poder de compra da moeda. As expectativas de diminuição do poder de compra da moeda são susceptíveis de contribuir para um aumento da taxa de juro expressa em termos monetários. Inversamente, a expectativa de que o poder de compra da moeda vai aumentar é susceptível de contribuir para a descida das taxas de juro.
Um aumento artificial da oferta de moeda (mantendo-se tudo o resto igual) corrói o poder de compra da moeda e também enfraquece o fluxo de poupanças, ao estabelecer uma troca de nada por alguma coisa. Isto enfraquece a formação de poupança e o investimento de capital, o que, por sua vez, aumenta as preferências pelo consumo actual. Por conseguinte, um aumento ou uma diminuição das taxas de juro correspondem às preferências individuais em termos de tempo. Inversamente, uma diminuição da massa monetária reforça a poupança, reduz as preferências temporais individuais (ou seja, a diminuição das taxas de juro) e permite a formação de capital.
A descida dos juros permite uma maior formação de capital?
A descida artificial das taxas de juro através da inflação não aumenta o investimento de capital. É verdade que os empresários reagem a mudanças nas taxas de juros. O que permite uma expansão estável dos bens de capital não é a redução das taxas de juros através da expansão inflacionária da moeda e do crédito, mas um aumento na reserva de poupança. Nesse caso, uma maior afectação da poupança contribui para a construção da infraestrutura (ou seja, dos bens de capital). Isto manifesta-se pela redução das preferências temporais das pessoas. Por conseguinte, é a poupança e o investimento de capital, e não a redução da taxa de juro em si, que permitem esse crescimento.
Quando não é manipulada, a taxa de juro monetária serve de indicador às empresas sobre a disponibilidade de poupanças que permitem a construção de uma estrutura de produção geradora de riqueza. Pelo contrário, quando o banco central manipula artificialmente a taxa de juro através de uma política monetária inflacionista, falsifica este indicador. Isto quebra a harmonia entre a produção de bens de consumo actuais e a produção de bens de capital. Surge então um boom de mal-investimento. O sobre-investimento em certos bens de capital no momento errado resulta num boom artificial; a liquidação deste mau investimento produz uma quebra. Daí o ciclo económico “boom-bust”. Sobre isso, Rothbard escreveu:
“…quando os consumidores restabelecem as proporções desejadas de consumo/investimento, revela-se assim que as empresas investiram demasiado em bens de capital (daí a expressão “teoria do sobreinvestimento monetário”) e subinvestiram também em bens de consumo. As empresas tinham sido seduzidas pela manipulação governamental e pela descida artificial da taxa de juro, e agiram como se houvesse mais poupanças disponíveis para investir do que realmente havia.”
Conclusões
Enquanto a subsistência básica da vida continuar a ser o objetivo último dos indivíduos, estes vão atribuir uma maior valorização aos bens presentes do que aos bens futuros. Qualquer tentativa dos decisores políticos dos bancos centrais de se sobreporem a este facto vai prejudicar o nível de vida dos indivíduos.
Artigo publicado originalmente no Mises Institute.