Colaborei na tradução de dois artigos de Ryan McMaken com os títulos “A Reserva Federal e o Regime São Uma e a Mesma Coisa” e “A Reserva Federal é um Banco Privado? Não Importa” publicados aqui mesmo no Mises Portugal.
As reacções ao tema, nomeadamente a falta de independência do FED em relação à Administração Central Americana e a todo o sistema político que a sustenta, foram de tal forma grandes e eivados de incredulidade, que fui tentado a prolongar a análise e a fazer o mesmo exercício para o Banco Central Europeu.
Entender a Estrutura de Capital do BCE
O Banco Central Europeu (BCE) é uma entidade supranacional e independente, e sua estrutura accionista reflecte os bancos centrais nacionais dos países da União Europeia (EU). Embora não tenha “accionistas” no sentido convencional, a sua estrutura é composta por participações, proporcionais à população e PIB de cada país, de capital dos bancos centrais nacionais dos Estados-Membros.
O BCE é a estrutura Central do Sistema Europeu de Bancos Centrais, responsável pela coordenação e pela formulação da política monetária da zona do euro, ficando a cargo dos Bancos Centrais Nacionais a implementação das políticas definidas pelo BCE
A estrutura accionista está dividida em dois grupos; os países pertencentes à Zona Euro, o Eurosistema, que em conjunto representam 85% do capital do BCE, e dos países que não adoptaram o euro e que representam 15% do capital. Este segundo grupo só tem um carácter consultivo, não havendo nem intervenção destes na tomada de decisão, nem obrigação de seguir as directrizes emanadas pelo BCE.
Devido à regra da participação do capital estar definida pelo tamanho da população e o valor do PIB de cada Estado, naturalmente os principais bancos centrais da estrutura accionista também são: o Deutsche Bundesbank (Alemanha) com 20%, o Banque de France (França) com15%; a Banca d’Italia (Itália) com 13% e o Banco de España (Espanha) com 10%, dando assim a estes 4 bancos centrais o poder de pressão sobre as decisões do BCE.
O Banco de Portugal detém 1,9% da participação do capital. O Banco de Portugal, tal como a maioria dos Bancos Centrais, é uma entidade pública e de cariz financeiro, administrativo e jurídico independente, que tem como característica, tal como a maioria dos bancos centrais, o facto dos seus governadores serem indigitados directamente pelos governos.
O Presidente do BCE é, também ele, eleito por via do poder político. A lógica desta eleição deveria ser por decisão dos governadores de cada banco central de cada Estado, até pelo seu carácter de “independência”, ao qual estão obrigados. No entanto, o poder político não confia nos seus próprios governadores e por isso este cargo é emanado directamente do Conselho Europeu, ou seja, dos Chefes de Estado ou Primeiros-Ministros de cada Estado. Noutras palavras, a eleição é politica e não técnica.
Os Privados no Contexto do BCE
Ao contrário do FED, que nasce a partir dos maiores Bancos Privados Americanos para regular a emissão de moeda e principalmente actuar em consonância em situações de crise financeira, o BCE nasce através dos acordos políticos de integração europeia, nomeadamente no Tratado de Maastricht de 1992, sendo, porém, a sua formação só efectivada a 1 de Junho de 1998.
Somente quatro bancos centrais nacionais têm na sua estrutura a participação privada, a Banca d’Italia (Itália), o Bank of Greece (Grécia), o Banque Nationale de Belgique (Bélgica) e o Banco Nacional da Áustria (Oesterreichische Nationalbank, OeNB); todos os demais são bancos de capital público.
Mas desengane-se quem pensa que nesses quatro bancos o interesse dos privados prevalece. Na verdade, o BNBE tem 50% de capital público e 50% de capital privado. No entanto, ao nível da governação, o Estado Belga tem prevalência maioritária. Por sua vez, no BNAT, que tem o estatuto de Sociedade Anónima, 100% da acções pertencem ao Estado Austríaco. Já a BIT e o BGR, são os únicos bancos 100% anónimos com capitais privados e públicos. Ainda assim, mesmo que estes quatro bancos fossem controlados 100% por privados, a sua autonomia está limitada pelos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC).
A titulo de curiosidade dos restantes Bancos Centrais, dois tiveram como origem em sociedades anónimas de capital privado, foram eles o De Nederlandsche Bank (Holanda), que foi nacionalizado em 1948 e o Banco de Portugal, que também foi nacionalizado em 1974, durante o PREC – Processo Revolucionário em Curso (Período temporal que se inicia em Setembro de 1974 que se tentou implementar uma sociedade socialista-soviética e que culminou com o golpe de Estado falhado por parte das forças não democráticas em 25 de Novembro de 1975), e que nunca mais foi revertida essa nacionalização.
O Sistema Europeu de Bancos Centrais e os Bancos Centrais
Fruto dos Tratados Europeus, exclusivamente de decisão política, o Sistema Europeu de Bancos Centrais regula toda a actividade dos Bancos Centrais de cada país, retirando por isso qualquer interferência dos capitais privados nas decisões tomadas.
Assim, o BCE é a entidade supra que impõem a todos os bancos e países as decisões tomadas, dando desta forma a imagem que há uma independência de governança em relação aos bancos centrais. Ou seja, mesmo nos Bancos Centrais com capitais privados, a sua limitação é real, pois o seu papel é somente seguir as orientações emanadas pelo BCE. Na verdade, esta independência dá a entender que também os governos de cada país estão limitados na sua influência. Porém, não é verdade, direi mesmo é somente uma fachada para que o cidadão europeu acredite na “bondade” do sistema, já que, todas as decisões subordinadas à política monetária são tomadas colectivamente pelos chefes de governo em Conselho Europeu, isto é, são tomadas pelos políticos.
Em conclusão, todo o processo de Bancos Centrais e do BCE é totalmente controlado pelos governos, desde a sua criação, participação e eleição dos seus dirigentes, para poderem em qualquer momento impor opções políticas em detrimento da independência técnica, como gostam tão bem de apregoar. Este modelo é claramente influenciado pelas políticas socialistas que imperam na Europa, onde toda a actividade tem que ser controlada a partir dos governos, não permitindo que os privados participem, pois, o medo da perda de controlo é real.
Por isso podemos dizer que o BCE é um banco controlado pelos governos, porque interessa, para manterem o poder sobre toda a vida económica dos europeus