Reflexões sobre a impopularidade de uma ideia radicalmente livre
O libertarianismo, apesar da sua coerência interna e base filosófica sólida, continua a ser um movimento marginal na maioria dos países democráticos. A dificuldade em tornar-se popular não está apenas na organização política ou nos meios de comunicação — ela é, antes de mais, uma dificuldade intelectual e cultural. Muitos dos princípios fundamentais do libertarianismo são contra-intuitivos para o cidadão comum, moldado por décadas (ou séculos) de pensamento estatista.
Comecemos pelo pensamento libertário clássico, representado por autores como Ludwig von Mises ou Ayn Rand. Ambos exigem um esforço de abstracção e de lógica rigorosa, incompatível com a velocidade emocional do debate político moderno. Mises demonstra que a intervenção do Estado, por mais bem-intencionada que pareça, gera distorções e ineficiências que se acumulam. Rand proclama, sem concessões, que o altruísmo imposto é imoral e que o indivíduo tem o direito de viver por si e para si. Nenhuma dessas ideias é fácil de intuir — nem de aceitar — por quem foi educado a ver o Estado como protector e a sociedade como um espaço de deveres antes de direitos.
Outro obstáculo é a questão da igualdade. O libertarianismo defende a igualdade de direitos naturais e oportunidades — não a igualdade de rendimentos, posições ou resultados. Mas esta distinção, embora racional, colide com o desejo emocional de justiça distributiva que predomina na opinião pública. A crítica libertária é clara: forçar a igualdade de resultados só pode ser feito mediante coerção e confisco. Mas para muitos, esta coerção é vista como “solidariedade institucional”. A linguagem do poder estatal conseguiu revestir-se de virtude.
Acresce ainda um fenómeno psicológico profundo: o Síndrome de Estocolmo político. Muitos cidadãos, mesmo quando espoliados por impostos excessivos, mal servidos por serviços públicos ineficientes e restringidos nas suas escolhas, continuam a identificar-se com o Estado. Vêem nele um mal necessário, ou até um bem paternal. Há uma espécie de dependência afectiva relativamente ao opressor. A liberdade plena, com seus riscos e responsabilidades, parece-lhes um fardo maior do que a submissão tutelada. É o medo da autonomia.
Neste cenário, o libertarianismo arrisca tornar-se um movimento elitista — não no sentido social, mas intelectual. Exige raciocínio, estudo, capacidade de lidar com paradoxos morais e económicos. Nos Estados Unidos, conseguiu grande influência ao conquistar think tanks, universidades, e empreendedores. Mas a sua penetração no “grande público” continua limitada.
E surge, então, uma pergunta estratégica: se é um movimento elitista, deve o libertarianismo dirigir-se às elites ou ao povo? A resposta pode ser: ambos, mas em tempos diferentes. Primeiro, é preciso convencer os formadores de opinião — intelectuais, empreendedores, juristas, educadores. Criar uma cultura de liberdade. Só depois se pode esperar uma ressonância popular, quando a ideia da liberdade tiver contaminado os alicerces culturais. A história mostra que todas as grandes mudanças começam em minorias convictas.
O libertarianismo, por agora, não precisa de massas — precisa de lucidez. A sua força não está na popularidade, mas na coerência. E, como escreveu Victor Hugo, “Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”. Talvez ainda não tenha chegado — mas cabe aos libertários manterem a chama acesa, para que, quando chegar, ela ilumine.
Artigo publicado originalmente no Portugal Contemporâneo.