“The market economy is the social system of the division of labor under private ownership of the means of production. Everybody acts on his own behalf; but everybody’s actions aim at the satisfaction of other people’s needs as well as at the satisfaction of his own. Everybody in acting serves his fellow citizens. Everybody, on the other hand, is served by his fellow citizens. Everybody is both a means and an end in himself, an ultimate end for himself and a means to other people in their endeavors to attain their own ends.” [1]
Uma tese muitas vezes defendida é a ideia de que, no liberalismo clássico e seus descendentes, os Homens são tidos como “ilhas”, analisados de modo atomizado, desintegrados da sociedade, uma espécie de análise de um “Robinson Crusoe” sem “Sexta Feira” – no fundo, o individualismo metodológico que caracteriza a análise praxeológica, apesar de ser uma ideia que terá sido articulada de modo sistematizado primeiramente por Weber e Schumpeter. A síntese deste pensamento é o conceito do mercado como processo individualizado, que não promove a cooperação mas sim a competição – e sem cooperação, a sociedade não avançará. Esta crítica, a ser verdadeira, será demonstrada através de uma análise do funcionamento do mercado ou que a cooperação e a competição são conceitos antagónicos.
Em primeiro lugar, este postulado falha em ver o que realmente é o individualismo metodológico. Segundo a Stanford Encyclopedia of Philosophy, “it amounts to the claim that social phenomena must be explained by showing how they result from individual actions, which in turn must be explained through reference to the intentional states that motivate the individual actors.” [2,3] Ou seja, apesar de os fenómenos serem analisados do ponto de vista do indivíduo e das suas acções, não nega de modo nenhum as diferentes relações que esse indivíduo terá com os seus semelhantes. Negar isso seria negar a realidade em si mesma, o que seria um falhanço demasiado óbvio para qualquer processo de análise da acção humana.
A ideia de que o mercado é um processo individualizado, na acepção de que um indivíduo pode “sobreviver” olhando apenas para si, em completa ignorância (propositada ou não) das necessidades e desejos que assolam as restantes pessoas, e que promove comportamentos egocêntricos, é errada. O mercado é nada mais que o conjunto de todas as trocas voluntárias efectuadas entre indivíduos, as quantidades trocadas, os seus preços, etc – e a palavra chave aqui é mesmo “voluntária”, querendo isto significar que nenhuma das partes se encontra coagida violentamente a entrar naquela troca. Portanto, a única maneira de uma troca acontecer nestes termos é mesmo estando ambas as partes convencidas de que têm a ganhar com essa acção – e toda a acção humana é orientada para a passagem de um estado menos satisfatório para um mais satisfatório.
Posto isto, a ideia de que o mercado promove o isolamento do indivíduo não poderia estar mais longe da verdade: parece óbvio que quem quiser ser bem sucedido no mercado não só terá que ter em atenção os seus pares, como terá que encontrar a melhor maneira possível de os servir. Não é concebível, num sistema onde exista divisão de trabalho, que se aja sozinho: qualquer produto, dos mais simples (como um lápis) ao mais complexo (como um reactor nuclear) representarão o trabalho conjunto de incontáveis pessoas que, mesmo procurando apenas o seu bem-estar, só o conseguem fazer providenciando o bem-estar dos outros.
Este último ponto faz antever porque é que a cooperação e a competição não são conceitos antagónicos. Sim, o mercado promove competição de modo acérrimo – e tal não é passível de ser negado. Mas, na verdade, é uma competição para ver quem melhor serve as pessoas, é uma competição para ver quem se sai melhor na tarefa de satisfazer do modo mais eficiente e compreensivo as necessidades de quem está no mercado. Simultaneamente, a divisão de trabalho representa a prova de que a competição e a cooperação não são, de todo, conceitos mutuamente exclusivos: num mundo onde a especialização se tornará cada vez maior, haverá uma maior interdependência dos diferentes actores para desempenharem as suas tarefas. Mesmo competindo pela primazia na escolha de um consumidor, os diferentes agentes do mercado não se poderão ostracizar e, pelo contrário, a cooperação entre eles será benéfica para cada um atingir os seus próprios objectivos.
Sempre que o Estado se intromete no processo de mercado, a verdade é que desestabiliza e dificulta esta cooperação: alterando os preços e as leis, impondo barreiras, burocratizando os processos, pouco a pouco, deixa-se de acreditar que o mercado (ou seja, as pessoas) escravizado pela política terá capacidades para lidar com a natural pressão que lhe é colocada pelos consumidores. Ou seja, o Estado acaba por ser um entrave à colaboração que surge espontaneamente num mercado livre – no fundo, acaba por ser um entrave à civilização que advém da divisão do trabalho e da troca voluntária.
- Ludwig von Mises, Human Action, XV. THE MARKET, “1. The Characteristics of the Market Economy” ↩︎
- Tradução: “equivale à afirmação de que os fenómenos sociais devem ser explicados mostrando como resultam de acções individuais, que por sua vez devem ser explicadas através de referência aos estados intencionais que motivam os actores individuais.” ↩︎
- http://plato.stanford.edu/entries/methodological-individualism/ ↩︎