O filósofo José Ortega y Gasset descreveu, em tempos, os espanhóis como um povo curioso, que quando não tem pão incendeia as padarias. O velho filósofo não estava muito enganado, pois quando consultei recentemente um relatório sobre os valores económicos das diferentes populações do mundo, publicado num dos últimos números do Cato Journal, os espanhóis estavam numa posição muito baixa nas suas atitudes em relação ao capitalismo e ao mercado livre, desde logo bem mais abaixo do que lhes corresponderia pelo nível de desenvolvimento alcançado pelos seus mercados e instituições capitalistas. Ao que parece, Espanha tem muito mais capitalismo do que a população hispânica parece preferir. Esta introdução vem à história pelas muitas opiniões lidas na imprensa galega, e neste jornal1 especialmente, sobre a questão da redução do IVA sobre os produtos alimentares ou sobre a conveniência de tributar as grandes empresas de distribuição. Quase todos atacam a distribuição, que é maioritariamente capital galego, culpando-a pelas subidas dos preços, temendo que alargue as suas margens com a redução dos impostos e exigindo que os seus supostos enormes lucros sejam tributados. Concluo, portanto, que a “espanholização” dos nossos valores económicos, se certas as afirmações de Ortega e pelos índices de valor, é muito maior do que eu supunha. E, pelo que vejo, a nossa assimilação cultural não se limita à língua. Os galegos, tal como os espanhóis neste tópico, também atacam, quando os preços sobem, aqueles que os colocam mais baixos, ou pelo menos aqueles que os impedem de subir ainda mais. E penso que a cultura espanhola tem coisas muito melhores para imitar do que a sua visão da economia.
Talvez pela pouca consideração que o pensamento marxista sempre teve pela esfera da distribuição, do marketing ou da publicidade, vendo-as como algo improdutivo, é que não lhes atribua valor, encarando o comerciante, o intermediário ou o distribuidor como alguém que enriquece “sem fazer nada” e, portanto, alguém a ser vigiado e controlado para que não obtenha lucros “caídos do céu“. Ou talvez pela sobrevivência de inúmeros mitos populares sobre o acumulador ou especulador que semeiam a desconfiança em relação ao trabalho do comércio e da distribuição, a verdade é que continuamos sem compreender o seu funcionamento.
Lembro-me que, há pouco tempo, houve protestos de agricultores contra certas cadeias de distribuição, porque supostamente vendiam leite abaixo de custo e usavam-no como chamariz comercial. Ou seja, estavam a combater essas lojas por venderem muito barato. Ainda que a prática, a existir, pudesse ser discutível, a verdade é que agiram com a lógica económica correcta. As grandes cadeias de distribuição obtêm os seus lucros a partir do volume de vendas, ou seja, vendendo grandes quantidades com uma pequena margem e não vendendo poucas unidades com uma grande margem. Mas agora a grande distribuição, de forma incoerente, está a ser atacada exactamente pelo contrário, ou seja, por aumentarem os preços e supostamente obtendo grandes lucros no processo. É verdade que os preços subiram na grande distribuição, mas menos do que na distribuição em geral; a prova é que estão a ganhar na percentagem geral de vendas e, seguramente, também porque os preços subiram menos do que teriam feito com outra forma de organização de vendas. O seu aumento dos lucros vem daí, do facto de venderem mais do que nunca, porque a concorrência aumentou ainda mais os preços. E, já agora, gostaria que me explicassem qual seria o ganho para os consumidores ou produtores de alimentos se os grandes distribuidores tivessem prejuízo. Sei que estas posições são muito impopulares neste jornal, mas penso que, mais dia menos dia, é necessário um debate sobre o papel dos grandes distribuidores na Galiza.
NOTAS DO TRADUTOR:
- Este artigo foi publicado no Jornal “Nòs Diário”, de Santiago de Compostela na Galiza onde o autor mantém estrita colaboração na sua coluna de “Opinião” ↩︎