Sou um grande admirador do seu trabalho e agradeço-lhe pelo tremendo trabalho que está a fazer ao elevar o nível do discurso público e, mais importante, ao combater o disparate marxista cultural que emana da academia. A sua exposição da hiper-verdade das antigas narrativas religiosas teve um efeito transformador no meu pensamento e, através dela, na minha opinião, conseguiu, sozinho, deslocar o amplo debate social sobre religião da esfera mundana e improdutiva da historicidade factual para o seu domínio de análise adequado – nomeadamente, de “é verdade?” para “de que forma é verdade e porque é que isso é importante?” Além disso, a sua disseminação de conhecimentos psicológicos prestou um serviço inestimável a milhões de pessoas, ajudando-as a melhorar as suas vidas em domínios tão diversos como a educação, a saúde mental, a motivação e o planeamento da vida e da carreira.
No entanto, apesar da minha profunda admiração, tenho de discordar humildemente de uma declaração recente sua e espero que me permita chamar a sua atenção para um aspecto algo matizado. Na sua entrevista a Katharine Birbalsingh, criticou a direita libertária pela sua fé ostensivamente ingénua na beneficência da liberdade individual:
“A direita libertária sofre da ilusão de que se deixarmos as pessoas fazerem escolhas, incluindo as do mercado, tudo correrá pelo melhor. Mas não compreendem (e deviam compreender) que mesmo os liberais de “l” pequeno, cujas ideias estão essencialmente a utilizar, compreenderam que a liberdade individual só era possível numa sociedade que estivesse ancorada [como um navio ancorado num porto é assim impedido de se perder no esquecimento]. Quando as regras do jogo estão estabelecidas, toda a gente pode ser livre de jogar; mas se não se consegue chegar a acordo sobre o raio das regras, não há liberdade, há anarquia contraproducente, caótica e revolucionária, e então estamos feitos [como sociedade].”
Afirma, correctamente, que a cooperação produtiva requer regras, que os liberais clássicos e a filosofia do liberalismo forneceram a base ideológica para o movimento libertário moderno e que esses liberais clássicos poderiam ser descritos como minarquistas que acreditavam que era necessário um Estado mínimo para defender essas regras (através dos tribunais, da polícia e do exército). Mas a rejeição da regulamentação governamental é distinta da rejeição das regras em si, como pretendo demonstrar.
A direita libertária difere dos movimentos libertários de esquerda precisamente na sua elevada consideração pelas regras, tradições e hierarquias naturais (i.e., aquelas que se baseiam na competência e que, portanto, surgem organicamente). É provável que se chame a este movimento temperamentalmente conservador, embora esteja muitas vezes em desacordo com o conservadorismo político; por exemplo, muitas políticas republicanas levam a um aumento da dimensão e do âmbito do governo e são, portanto, incongruentes com os princípios libertários.
A sociedade surge como uma consequência de ordem superior da cooperação intencional entre indivíduos que reagem, de forma mais ou menos consciente, à lei da vantagem comparativa. Em condições de troca voluntária entre duas partes, duas partes desiguais obterão ambas aumentos de produtividade se cada uma se especializar na actividade produtiva para a qual está comparativamente mais apta. Esta vantagem mantém-se mesmo nos casos em que uma das partes é absolutamente superior em ambas as actividades produtivas. Quanto mais os indivíduos se especializarem e comercializarem, melhor poderão sustentar os seus filhos e perseguir a eudaimonia1. Consequentemente, as “regras do jogo” mínimas necessárias para a existência e o florescimento de qualquer sociedade são aquelas de que depende a lei da vantagem comparativa – nomeadamente, a protecção da vida, da liberdade e da propriedade. Note-se que, se concebermos os direitos à vida e à liberdade como consequências da auto-propriedade, como muitos na direita libertária fazem, então estas três condições condensam-se num princípio fundamental – nomeadamente, a protecção dos direitos de propriedade.
O Estado, definido como a instituição que combina monopólios territoriais sobre a tomada de decisões em última instância e a tributação, constitui um veículo para que alguns beneficiem à custa de outros. No mercado livre e sem entraves, a única forma de um indivíduo aumentar de forma duradoura o seu nível de consumo (ou seja, a sua qualidade de vida e a da sua família) é, em primeiro lugar, aumentar o seu nível de produção e, em seguida, consumir o que ele próprio produziu ou trocá-lo pela propriedade de outrem. Em ambos os casos, a quantidade total de bens aumenta, resultando num jogo de soma positiva. Mas se alguém puder ser forçado a ceder a sua propriedade (isto é, tributação), então nada precisa de ser dado em troca, o que conduz a um jogo de soma negativa. Quando este mecanismo coercivo está em vigor, cada um é incentivado não só a minimizar os danos que sofrerá, mas também a utilizá-lo em seu benefício, pois, utilizando o Estado como intermediário, é possível aumentar o consumo sem aumentar a produção. Se o Estado tornar ilegal que outros concorram consigo, haverá uma maior procura dos seus produtos; se um número suficiente de políticos concordar que deve ser compensado pela escravatura dos seus antepassados, então alguém pode ser forçado a subsidiar o seu estilo de vida, etc.
Um tal cenário de incentivos é hostil ao cultivo de tradições, que são as melhores práticas experimentadas e verdadeiras dos nossos antepassados, filtradas através dos tempos e elevadas a uma espécie de forma de arte inter-geracional. Uma sociedade saudável baseia-se em tais tradições e é capaz de transmitir aos seus herdeiros colecções cada vez mais ricas e significativas de rituais, costumes, regras e ideais aspiracionais. Mas a violação sistemática dos direitos de propriedade que surge em resposta aos incentivos associados a qualquer aparelho de Estado conduz ao oposto; tira o tapete debaixo dos pés dos membros mais produtivos da sociedade e aumenta as preferências temporais ao penalizar o comportamento conservador e não parasitário. Se não for controlada, conduz à desintegração da coesão social, quando uma massa crítica de indivíduos se apercebe de que a autarcia relativa oferece melhores perspectivas para o desenvolvimento dos seus filhos do que a participação numa sociedade gerida por uma máfia legalizada e cada vez mais tirânica.
É importante notar que não há forma de um Estado existir sem violar os próprios direitos de propriedade que o Estado é suposto proteger. Felizmente, porém, embora a governação seja essencial para o bom funcionamento de uma sociedade, a coerção monopolizada não o é, e todos os serviços actualmente prestados pelo Estado podem ser prestados de forma melhor e mais barata numa base voluntária e contratual, sem dar origem aos mesmos incentivos perversos: desde as infra-estruturas e os tribunais à polícia e até às forças armadas. As zonas económicas especiais e as cidades privadas como a “Próspera” estão a provar que a governação é demasiado importante para ser deixada aos governos.
À luz destas considerações, o libertário socialmente conservador conclui que o governo é um meio inadequado para os fins que deseja; só se forem mantidos voluntariamente numa base individual é que a tradição, a virtude e a moralidade podem ser preservadas a longo prazo. Isso, por sua vez, exige que provem ser um valor acrescentado a longo prazo para os novos adoptantes em cada geração e, no que diz respeito às regras do jogo, que o trigo seja separado do joio. Assim, os libertários de direita não acreditam, como afirmou, que não deve haver regras. Pelo contrário, a sua compreensão da importância das regras significa que também sabem que não são quaisquer regras que servem; apenas as regras com benefícios líquidos que justifiquem os sacrifícios a curto prazo em que incorrem devem ser transmitidas “l’dor vador”2, de geração em geração. A liberdade de ignorar as regras, em princípio, é a salvaguarda necessária para garantir que apenas essas regras sejam transmitidas, o que fomenta um respeito geral pela tradição ao longo do tempo. A interferência do Estado, por outro lado, dá invariavelmente origem a regras prejudiciais que beneficiam apenas interesses especiais e, consequentemente, gera na população uma atitude de cepticismo justificado em relação ao cumprimento das regras.
Em política, tal como em economia, há que ter sempre em conta a unidade marginal. No que respeita à discussão actual, isso significa perguntar que regra específica deve ser aplicada em que situação específica. O processo pelo qual as melhores soluções substituem as inferiores exige que, em princípio, qualquer pessoa com uma nova ideia seja capaz de a colocar no mercado (ou seja, que não existam barreiras à entrada). Quando o Estado estabelece uma regra, proíbe uma solução a todos, dificultando assim o processo dinâmico de descoberta através do qual se estabelece a soberania do consumidor – ou seja, através do qual as soluções potenciais competem para encontrar as situações em que são mais adequadas na mente das pessoas afectadas. Da mesma forma, sem regras governamentais, as comunidades desenvolverão e ajustarão as regras do jogo para os seus membros, cultivando tradições benéficas para a rede e construindo a civilização no processo. A visão da direita libertária é que só podemos ter essas regras autenticamente boas se não dificultarmos o processo que as cria e, portanto, devemos rejeitar as regras governamentais, que necessariamente o distorcem e corrompem.
Notas do tradutor:
- Eudaimonia ou Eudemonismo trata-se de um dos conceitos centrais na ética e na filosofia política de Aristóteles e é um termo grego que literalmente significa “o estado de ser habitado por um bom daemon, um bom génio”, e, em geral, é traduzido como felicidade ou bem-estar. ↩︎
- l’dor vador refere-se à continuidade, à responsabilidade de passar o conhecimento espiritual e as tradições culturais de geração em geração com o objectivo de manter os costumes, a herança e a memória colectiva do povo judeu. ↩︎