A importância de não se falsificar o cálculo económico via expansão monetária
O tempo é um elemento inseparável da condição humana. Tudo o que fazemos envolve o tempo. Tudo é restringido pelo tempo.
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A importância do tempo nos processos de produção económica e na avaliação das escolhas a serem feitas é algo que foi especialmente enfatizado por vários seguidores da Escola Austríaca de pensamento económico, começando por Carl Menger, o fundador da escola.
Porém, entre os primeiros membros da Escola Austríaca, foi Eugen von Böhm-Bawerk quem desenvolveu a primeira análise detalhada do papel do tempo nos processos de produção e no processo da escolha humana.
Os primeiros dois volumes de sua obra-prima sobre esse tema, Capital and Interest, foram publicados nos anos 1880. O terceiro volume, predominantemente respostas aos seus críticos, apareceu no seu formato final no ano de 1914, pouco antes da sua morte.
Outro grande contribuinte para a teoria austríaca do tempo, já nos primórdios do século XX, foi o economista americano Frank A. Fetter. A sua análise do processo de “avaliação temporal” foi apresentada em dois tratados: The Principles of Economics (1904) e Economic Principles (1915).
Durante os anos 1930 e 1940, contribuições adicionais foram feitas pelos seguintes economistas austríacos: Friedrich A. Hayek em Prices and Production (1931) e The Pure Theory of Capital (1941); Richard von Strigl em Capital and Production (1934); e Ludwig von Mises em Nationalökonomie (1940) e Acção Humana (1949).
Cada uma das nossas acções requer que levemos em consideração o tempo e que saibamos como iremos agir ao longo do tempo.
Seja fritar um ovo ou construir uma nave espacial que irá às estrelas, estamos sempre a ser confrontados com a necessidade de esperar pela consumação do resultado desejado. Utilizamos os meios à nossa disposição que parecem ser os mais apropriados para as tarefas que almejamos, e tentamos atingir os fins desejados que temos em mente.
Porém, a causa (a utilização dos meios) precede sempre o efeito (o objectivo ou o fim resultante); e entre o começo da causa e o seu efeito resultante, há sempre um período de tempo, seja um período de alguns meros minutos ou de vários anos.
Cada um dos nossos planos, portanto, contém dentro de si um período de produção.
Raramente, no entanto, podem os nossos planos de produção ser completados em uma única etapa. Geralmente, os recursos à nossa disposição têm de passar por várias transformações, por vários estágios de produção. Somente após isso é que os bens de consumo que desejamos estarão prontos para ser utilizados na sua forma final desejada.
Uma árvore tem de ser derrubada na floresta. A madeira tem de ser transportada e cortada na serração. Essa madeira cortada tem de ser levada para a fábrica de pasta e transformada em papel. O papel deve ser encaixotado e enviado para a empresa que irá utilizá-lo. Lá, o papel deve ser cortado num tamanho adequado para o fim desejado, e a impressora irá colocar tinta em várias páginas, as quais serão finalmente enviadas por correio para vários endereços diferentes.
O que foi ilustrado no simples exemplo acima é equivalente ao que ocorre em todas as linhas de produção de todos os bens imagináveis de uma economia.
A relação entre tempo e poupança
No entanto, a realização destes processos de produção requer uma determinada quantia de poupança. Isto é, os recursos que serão utilizados nesse processo não podem ter sido consumidos em outros sectores da economia. Logo, eles precisam ter sido poupados.
Recursos e matérias-primas que de outra forma poderiam ter sido utilizados para satisfazer alguns de nossos desejos no presente mais imediato devem ser libertados para actividades produtivas que consomem mais tempo.
Primeiro, alguns desses recursos devem estar disponíveis para serem transformados em bens de capital — ferramentas, maquinaria e equipamentos —, os quais posteriormente serão utilizados pelos trabalhadores que estão empregados na produção mais directa de bens de consumo.
Esses trabalhadores irão combinar sua mão-de-obra a esses bens de capital e, por meio de processos de produção mais “alongados”, mais complexos ou que necessitam mais tempo, irão produzir bens de consumo.
Segundo, recursos e bens de consumo devem estar disponíveis para serem utilizados por esses trabalhadores empregados no processo de produção.
Quanto maior for a poupança (isto é, quanto maior tiver sido a abstenção do consumo), maior poderá ser a quantidade de processos de produção que poderão ser empreendidos na sociedade — e mais alongados eles poderão ser.
Quanto mais alongado for um processo de produção, maior tende a ser a qualidade do produto final.
Consequentemente, quantos mais processos de produção alongados puderem ser implementados, maiores serão as quantidades e a qualidade dos bens que estarão disponíveis para ser consumidos no futuro.
Por quê? Porque, tudo o mais constante, quanto mais indirecto ou quanto mais demorado for um processo de produção, mais produtivos (geralmente) são os métodos de produção dele resultantes.
Surgem os juros
No entanto, quanto mais longos forem os períodos de produção que utilizamos, mais tempo teremos de esperar pelos bens finais que desejamos consumir.
As pessoas, portanto, têm de avaliar o sacrifício exigido, em termos de espera, que estão dispostas a fazer a fim de obter um efeito potencialmente maior e mais desejado, o qual só poderá ser obtido se o processo de produção se estender por um período mais longo de tempo.
Os sacrifícios de tempo que as pessoas estão dispostas a fazer normalmente são diferentes para cada indivíduo. E estas distintas avaliações de tempo criam oportunidades para ganhos comerciais.
Aquelas pessoas que estão dispostas a adiar seu consumo — e, consequentemente, o uso de recursos no presente — poderão encontrar indivíduos que desejam ter acesso a uma quantidade de bens e recursos maior do que aquela que o seu rendimento e riqueza lhes permitem adquirir no presente. E esses segundo grupo de pessoas pode estar disposto a, no futuro, pagar um preço pelo uso desses recursos no presente mais imediato.
Assim, um preço intertemporal irá surgir no mercado à medida que os indivíduos avaliam e “fazem propostas” quanto ao valor do tempo e do uso de recursos.
Esse preço é a taxa de juros.
A taxa de juros reflecte as preferências temporais dos agentes de mercado no que diz respeito ao valor dos recursos e das mercadorias no presente em comparação ao seu valor no futuro.
Sendo o preço do tempo, a taxa de juros equilibra a propensão a poupar de uns com o desejo de pedir emprestado de outros.
Mas a taxa de juros não coordena apenas os planos de poupadores e investidores; ela também funciona como um “freio” ou um “regulador” da duração dos períodos de produção empreendidos com a poupança disponível na sociedade.
Por exemplo, quais seriam os respectivos valores presentes de um investimento que retornasse €100 daqui a um ano, daqui a dois ou daqui a três anos, com uma taxa de juros de mercado de, digamos, 10%?
Eles seriam, respectivamente, €90,91, €82,64 e €75,13.
Isso significa que €100 daqui a um ano valem subjectivamente o mesmo que €90,91 hoje. E €100 daqui a dois anos valem subjectivamente o mesmo que € 82,64 hoje. E €100 daqui a três anos valem subjectivamente o mesmo que €75,13 hoje.
Agora, suponha que a preferência temporal das pessoas dessa sociedade tinha mudado, de modo que elas agora optaram por poupar mais. Consequentemente, haverá uma maior oferta de poupança disponível para ser emprestada. Isso derruba a taxa de juros para, digamos, 7%.
Quais serão agora os valores presentes daquele investimento que retorna €100 daqui a um, dois e três anos? Os valores presentes seriam, respectivamente, €93,46, €87,34 e €81,63.
Observe que o valor presente aumentou para todos os três potenciais investimentos, cada qual com um horizonte temporal diferente. Porém, os aumentos percentuais dos valores presentes desses três possíveis horizontes de investimento não seriam os mesmos.
Para o investimento de um ano, o seu valor presente aumentou 2,8%. Para o investimento de dois anos, o seu valor presente aumentou 5,7%. E para o investimento de três anos, o seu valor presente aumentou 8,6%.
Claramente, a tendência de uma queda na taxa de juros é estimular um aumento nos investimentos com períodos mais longos de produção.
Se, ao contrário, as preferências temporais se movessem na direcção oposta, com as pessoas a optar por poupar menos, o que consequentemente geraria um aumento na taxa de juros, os investimentos de longo prazo ficariam relativamente menos atractivos.
Se a taxa de juros aumentasse de 7 para 10%, os valores presentes de um investimento que retornasse €100 daqui a um, dois e três anos diminuiriam, respectivamente, em 2,7%, 5,4% e 8%.
Isso faria com que investimentos com períodos de produção mais curtos se tornassem relativamente mais atractivos.
Poupança e consumo podem andar juntos
Numa economia que está a vivenciar um aumento no rendi real, a decisão dos assalariados de poupar uma proporção maior de sua renda não requer uma redução absoluta no consumo.
Suponha que as preferências temporais dos assalariados fossem tais que eles normalmente poupassem 25% de sua renda. Para uma renda de, digamos, €1.000, eles poupariam €250. Se a sua propensão a poupar aumentasse para, digamos, 30%, para uma dada renda de €1.000, o seu consumo diminuiria de €750 para €700, e sua poupança aumentaria de €250 para €300.
Entretanto, se o rendimento dos assalariados aumentasse para, suponhamos, €1.100, e sua propensão a poupar também aumentasse para aqueles 30%, então agora eles estariam a poupar €330 desse rendimento aumentado. Porém, o consumo também aumentaria para €770.
Essa é a razão pela qual, numa economia que está enriquecendo, a poupança pode aumentar — permitindo um novo processo de formação de capital e, consequentemente, investimentos com períodos mais longos — sem qualquer sacrifício absoluto do consumo.
O consumo aumenta em decorrência do rendimento real maior, embora aumente menos do que poderia aumentar caso os assalariados não tivessem optado por poupar uma maior percentagem do seu rendimento.
Mas se houver uma redução na procura por bens de consumo e um aumento na poupança, quais seriam os incentivos para os produtores investirem em mais capital e em um aumento da capacidade produtiva? Esta foi a crítica levantada contra Böhm-Bawerk no início do século XX por um economista chamado L.G. Bostedo. Ele argumentou que, uma vez que é a procura de mercado que estimula os fabricantes a produzir e levar bens ao mercado, a decisão dos assalariados de poupar mais e consumir menos destrói exactamente esse incentivo de se empreender novos projectos, os quais a maior poupança supostamente deveria facilitar.
Bostedo concluiu então que uma maior poupança, em vez de ser um motor para o aumento dos investimentos, servia na verdade para retardar o investimento e a formação de capital.
Em 1910, em um artigo intitulado “A Função da Poupança”, Böhm-Bawerk rebateu essa crítica. “Na sua premissa está a faltar uma única, porém muito importante, palavra”, apontou Böhm-Bawerk. “O senhor Bostedo assume que a poupança significa necessariamente uma redução na procura por bens de consumo.” Porém, continuou Böhm-Bawerk, “ele omitiu a pequena palavra ‘presente’.”
Para começar, o homem que poupa reduz a sua procura por bens de consumo presentes, mas de maneira alguma ele reduz o seu desejo geral por bens que lhe dêem prazer. A “abstinência” gerada pela poupança não é uma abstinência absoluta, ou seja, ela não gera uma renúncia definitiva a todo e qualquer bem de consumo. Ele continua a consumir bens básicos no presente. Mas abrirá mão do consumo, no presente, de bens mais luxuosos. Mas tal renúncia não é definitiva. Ela é apenas um adiamento.
O motivo principal daqueles que poupam é precisamente preparar-se para o consumo futuro; ter meios com os quais suprir suas procuras futuras ou as dos seus herdeiros.
Isso significa, nada mais nada menos, que eles desejam garantir que terão controlo sobre os meios que permitirão a satisfação de seus desejos futuros, isto é, sobre o consumo de bens num período futuro.
Por outras palavras, aqueles que poupam reduzem a sua procura por bens de consumo no presente justamente para poderem aumentar proporcionalmente a sua procura por bens de consumo no futuro.
A importância da concorrência
Porém, mesmo se houver uma potencial procura futura por bens de consumo, como os irão os empreendedores quais os tipos de investimentos em capital que deverão fazer?
E que tipos de bens, e em que quantidades, devem planear oferecer no mercado em preparação para esta maior procura futura?
A resposta de Böhm-Bawerk foi mostrar que a produção é sempre voltada para o futuro — um processo no qual se utiliza meios produtivos hoje com o intuito de se ter bens de consumo para serem vendidos amanhã. O exacto propósito da competição empresarial é testar constantemente o mercado, de modo a antecipar da melhor forma as procuras do consumidor, corrigir as existentes e perceber as que estão a mudar.
A concorrência é o método de mercado que faz com que a oferta seja sempre correspondente às procuras dos consumidores. E se erros forem cometidos — e eles serão —, os prejuízos resultantes desse prognóstico erróneo dos lucros funcionam como estímulo para que se faça ajustes apropriados na estrutura de produção, ou para que se realoque mão-de-obra e recursos para outras linhas de produção.
Quando deixado funcionando livremente, argumentou Böhm-Bawerk, o mercado garante, com êxito, que as procuras tenderão a igualar a oferta, e que os horizontes temporais dos investimentos serão compatíveis com a poupança disponível necessária para manter e expandir a estrutura do capital no longo prazo.
E qualquer tentativa de manipular esse arranjo — por exemplo, por meio da redução artificial das taxas de juros — inevitavelmente gerará ciclos económicos.
Para concluir
Tendo entendido todo o processo acima, o leitor agora está em condições de entender por que é pernicioso existir um Banco Central com liberdade para inflacionar a moeda e, com isso, alterar artificialmente as taxas de juros vigentes na economia.
Uma expansão monetária, ao adulterar as taxas de juros, falsifica todo o cálculo empresarial e com isso altera todos os processos de produção da economia, fazendo com que empreendimentos insensatos sejam feitos e com que empreendimentos cruciais vivenciem desastrosos aumentos dos custos de produção.