Contrariamente ao que frequentemente é sustentado pelos defensores da planificação central e da intervenção estatal, o capitalismo não é um constructo artificial dependente da tutela do Estado. É, pelo contrário, uma manifestação espontânea da natureza humana em sociedade. O livre mercado emerge de fenómenos naturais e não artificiais (impostos, controle sobre taxa de juros, emissão de moeda, etc…) O capitalismo, enquanto sistema de interacção voluntária entre indivíduos que trocam bens e serviços em função dos seus interesses próprios, antecede qualquer formulação teórica que o pretenda enquadrar ou justificar – é apriorístico. Ele é anterior ao Estado moderno e independe, na sua essência, de qualquer imposição externa. É um fenómeno orgânico, emergente, que resulta do exercício natural da liberdade individual.
Atribuir a Adam Smith a “criação” do capitalismo é incorrer numa deturpação histórica. Smith não criou o sistema capitalista — observou-o. A sua obra “A Riqueza das Nações” não é um manifesto fundador, mas sim uma descrição lúcida dos mecanismos que já operavam nas sociedades humanas. Ao criticar o mercantilismo e defender o livre comércio, a divisão do trabalho e a acção orientada pelo interesse próprio, Smith deu nome a processos que existiam muito antes da sua teorização. O comércio livre floresceu nas grandes rotas marítimas desde o século XV, revelando a inclinação humana para a troca voluntária sempre que as barreiras políticas e geográficas não o impediram.
A divisão do trabalho, por sua vez, é tão natural quanto a necessidade de subsistência. Quando os indivíduos se especializam em determinadas tarefas, não o fazem por idealismo, mas por eficiência. A especialização aumenta a produtividade, eleva os rendimentos e favorece o progresso económico. Este princípio foi enunciado ainda na Antiguidade, nomeadamente por Sócrates n'”A República” de Platão, muito antes de Smith o sistematizar. A divisão do trabalho surge, assim, não como um plano imposto, mas como uma consequência lógica da busca racional pelo bem-estar próprio. A chamada “mão invisível” não é um princípio normativo, mas descritivo. Smith reconheceu que os indivíduos, ao perseguirem os seus objectivos pessoais, acabam por beneficiar terceiros de forma não intencional. Esta dinâmica não resulta de solidariedade forçada, mas da interacção pacífica e mutuamente vantajosa. É um reflexo da natureza humana quando livre de coacção institucional.
O desenvolvimento do capitalismo acompanhou, naturalmente, as transformações do pensamento social e filosófico. O feudalismo emergiu num contexto em que predominava uma mentalidade colectivista e hierarquizada, herdada das estruturas imperiais romanas. Foi apenas com o advento do Renascimento e do subsequente florescimento do individualismo que as bases do capitalismo moderno se tornaram mais evidentes. A revalorização do indivíduo, da vida, da propriedade privada e da liberdade — conceitos que Tomás de Aquino, entre outros, já havia defendido sob a luz da razão natural — foi decisiva para esta mudança de paradigma. Outros fenómenos tidos como pilares do capitalismo, como a concorrência, a lei da oferta e da procura, e o juro, são igualmente manifestações naturais das escolhas humanas em liberdade. A concorrência nasce da tentativa de maximizar resultados. A oscilação de preços sinaliza escassez e abundância. O juro representa a preferência temporal, ou seja, a valorização presente face ao consumo futuro. Nenhum destes elementos foi “criado” por qualquer entidade central. São, pura e simplesmente, reflexos da acção humana em contextos livres de coacção.
Assim sendo, o capitalismo não é um artifício dependente do Estado ou de um conjunto de indivíduos iluminados. É uma ordem espontânea, moldada por séculos de interacção humana, que evoluiu em resposta à natureza racional, egoísta e cooperativa do ser humano. Surge onde há liberdade. Desenvolve-se onde há respeito pela propriedade. Floresce onde a intervenção coerciva é mínima. O capitalismo é, portanto, não apenas um sistema económico. É a expressão natural de uma sociedade de homens livres.