Provavelmente estará a perguntar-se que tipo de anarquista devo ser?
A seguir explico porque é que o anarcocapitalismo supera o anarco-socialismo.[1]
1. Duas Formas de Anarquismo
Definições
Primeiro, algumas definições. Os anarquistas são pessoas que acreditam que a melhor sociedade seria aquela sem qualquer estrutura monopolista de autoridade central que criasse e aplicasse leis.
O capital físico é algo que é utilizado (repetidamente) para fabricar outras coisas, como uma fábrica ou ferramentas de construção.
No capitalismo, os indivíduos podem controlar o capital. No socialismo, todo o capital é “controlado colectivamente”. Existem duas formas de socialismo: no socialismo de Estado, o capital é controlado pelo Estado. No anarco-socialismo (ou “anarquismo socialista”, ou “anarquismo social”), o capital é controlado por cooperativas de trabalhadores.
Anarco-socialismo
Os anarco-socialistas imaginam uma sociedade com muitas empresas propriedade dos trabalhadores, com decisões tomadas democraticamente. Existem diversas variações consistentes com a ideia geral (por exemplo, poderiam utilizar a democracia representativa ou directa, as assembleias de trabalhadores poderiam estar ligadas a pequenos territórios ou a empresas específicas, etc.).
(Isto é mesmo “anarquista”? Não sei, não nos vamos preocupar com a semântica.)
Anarcocapitalismo
Os anarcocapitalistas vislumbram um sistema de mercado livre em que as funções policiais seriam assumidas por empresas privadas de segurança em livre concorrência, e os litígios seriam resolvidos por árbitros privados também em concorrência. As leis seriam elaboradas e refinadas pelos árbitros, como o direito consuetudinário.
Se pensa que conhece uma dúzia de razões pelas quais isto é ridículo, leia o meu livro, The Problem of Political Authority, parte II. As suas objecções já foram refutadas lá. Não tenho tempo para repetir aqui o livro todo.
A anarquia correcta?
Não estou a discutir se a anarquia é melhor do que o estatismo. Estou a discutir qual é a melhor forma de anarquismo – capitalista ou socialista.
2. O Problema do Crime
Como se lidará com predadores sociais que apenas querem explorar ou prejudicar os outros? Ou até mesmo com pessoas comuns que cometem erros inadmissíveis?
A resposta anarcocapitalista
Vamos contratar seguranças. Haverá muitas pequenas empresas de segurança, porque o tamanho mais eficiente para estas empresas é provavelmente bastante pequeno. Vão concorrer a contratos com associações de proprietários e associações de empresas. Por isso, terão de prestar um serviço que os proprietários e os empresários gostem.
Assim, os seguranças impedirão os criminosos. E a concorrência de outras empresas de segurança impedirá os seguranças de abusar das pessoas.
Resposta socialista n.º 1
O anarco-socialismo reduzirá a criminalidade, primeiro, porque grande parte da criminalidade é causada por leis sobre drogas, que não teremos. Além disso, a criminalidade é provocada pela desigualdade e pela exploração capitalista dos pobres. Além disso, ensinaremos as pessoas a serem bondosas.
Resposta: Isto é um optimismo irrealista. Claro que alguns crimes podem ter estas causas, pelo que poderiam declinar sob o anarco-socialismo. Mas um número substancial de criminosos são apenas predadores sociais natos. A psicopatia é principalmente genética, não é causada por exploração ou desigualdade e é basicamente incurável. O que irá fazer com os psicopatas?
De uma forma mais abrangente, os humanos são naturalmente egoístas. Haverá muitas ocasiões em que alguém poderá beneficiar de prejudicar outra pessoa de uma forma que não deveria ser permitida. Os anarcocapitalistas reconhecem inteligentemente a importância do egoísmo e tentam alinhar os incentivos para obter bons resultados das pessoas egoístas. Os anarco-socialistas sentem-se desconfortáveis em reconhecer o egoísmo humano.
Resposta socialista n.º 2
A sociedade “anarquista” pode ter forças de segurança comunitárias, que serão controladas democraticamente.
Problema: Isto está a começar a soar muito como Estado. De qualquer forma, independentemente de considerar isso “Estado” ou não, porque é que a “força de segurança comunitária” não terá os mesmos problemas que os Estados? Ou seja, a força de segurança pode tentar explorar a comunidade. Quem nos protegerá dos protectores?
Pode dizer-se que a força de segurança estará “sob o controlo da comunidade”. Certo, isto é simplesmente democracia. Porque é que isso não causaria os mesmos problemas que os actuais Estados democráticos?
Os anarcocapitalistas têm uma resposta melhor: o que impede os protectores de abusar de nós é a concorrência dos protectores rivais.
Onde nos diferenciamos
A diferença entre capitalistas e socialistas não é que os capitalistas gostem do egoísmo, enquanto os socialistas se lhe opõem. É que os capitalistas reconhecem o egoísmo humano, enquanto os socialistas, de forma irrealista, fingem que é possível eliminá-lo. Não existe uma técnica realista para tornar as pessoas altruístas em geral. Nunca ninguém descobriu como fazer isso, por isso é insensato basear uma teoria social nessa ideia. O que se deve fazer, então, é descobrir qual é a estrutura social que melhor utiliza o egoísmo para fins pró-sociais.
3. A necessidade de capitalistas
Porque deveríamos ter uma classe de capitalistas, ou seja, pessoas que ganham dinheiro possuindo capital? Porque não ter todo o capital controlado colectivamente pelos trabalhadores? Há três coisas principais que os capitalistas fazem:
Aceitação do Risco
Os negócios são arriscados; a maioria dos novos negócios fracassa. Quando falham, alguém tem de suportar o prejuízo. Seria possível fazer com que os trabalhadores assumissem o risco colectivamente — ou seja, usassem o seu próprio dinheiro para abrir negócios, pagar os seus equipamentos, etc. — e os defensores do anarcocapitalismo não teriam qualquer problema em permitir isso. Mas poucos trabalhadores, de facto, o querem fazer.
É por isso que precisamos de capitalistas. Serão as pessoas com uma tolerância ao risco maior do que o normal. É claro que, além de assumirem o risco, também esperam receber as recompensas se o negócio correr bem; caso contrário, ninguém o faria.
Gratificação Adiada
Alguém também precisa de adiar o consumo imediato para poupar dinheiro e poder investi-lo. Mais uma vez, os trabalhadores podem certamente fazê-lo, e os defensores do anarcocapitalismo não se opõem. Só que poucos trabalhadores, de facto, o querem fazer.
Mas haverá algumas pessoas com uma preferência temporal anormalmente baixa e, portanto, com vontade de poupar, e tornar-se-ão capitalistas (ou talvez emprestem dinheiro aos capitalistas).
Alocação de Recursos
Os recursos são escassos e nem toda a ideia de negócio pode ou deve ser tentada. Alguém precisa decidir o que deve ser tentado, que ideias devem receber recursos. Mais uma vez, seria perfeitamente aceitável que os trabalhadores o fizessem. Mas poucos o querem fazer e, neste caso, muito poucos seriam de facto competentes para o fazer.
Mas haverá algumas pessoas com uma capacidade e uma disposição invulgares para esta tarefa, e tornar-se-ão capitalistas. Aqueles que tiverem sucesso obterão mais recursos, pelo que poderão realizar uma parte maior da tarefa de alocação de recursos. Aqueles que forem maus nisso perderão dinheiro e, portanto, terão de parar de o fazer.
Se a alocação de recursos fosse decidida democraticamente, pela “comunidade”, o progresso estagnaria. Os eleitores não votariam pelo encerramento de uma empresa ineficiente, com receio de deixar os seus empregados no desemprego. Assim, as empresas ineficientes continuariam simplesmente a funcionar.
Salário justo
É por isso que os capitalistas são úteis. Agora, uma questão diferente: o capitalismo paga geralmente às pessoas de forma justa? Ou haverá certos tipos de pessoas que serão sistematicamente mal pagos?
Considero que, de um modo geral, o sistema remunera as pessoas de forma justa (com a devida margem para alguns erros). Apoio este Princípio do Salário Justo:
A compensação justa pela contribuição de alguém para uma actividade produtiva é, no máximo, o seu produto marginal.
O produto marginal de uma pessoa é o quanto contribui para a produtividade da empresa, face à situação em que essa pessoa sai da empresa (e não é substituída). Se receber mais do que isso, significa que representa um prejuízo líquido para a empresa. Poderia, em vez disso, ser despedida e o seu salário dividido para que todos os outros colaboradores, no geral, tivessem uma situação melhor. Na verdade, é injusto para todos os outros esperar ser mantido nestas condições.
O capitalismo tende a fazer com que as pessoas recebam aproximadamente o seu produto marginal. Porquê:
a) Se certos empregados estiverem a receber mais do que o seu produto marginal, a empresa deveria (do ponto de vista do interesse económico próprio) despedir alguns empregados (os menos produtivos), e os lucros da empresa aumentariam.
b) Se certos empregados estão a receber menos do que o seu produto marginal, então a empresa deveria (no mesmo sentido) contratar mais empregados, e os seus lucros aumentariam.
Portanto, o equilíbrio estável é aquele em que todos recebem o seu produto marginal. É por isso que o capitalismo tende a aproximar-se deste resultado.
Aliás, o rendimento dos capitalistas segue uma lógica semelhante. Se o capitalista marginal obtém mais benefícios do que custos por ser capitalista (após contabilizar adequadamente a desvalorização do risco, a gratificação diferida, etc.), então mais pessoas se tornam capitalistas. Se o capitalista marginal tiver custos líquidos, as pessoas começam a deixar de ser capitalistas. O equilíbrio é aquele em que os benefícios marginais compensam os custos marginais.
4. O Problema da Estabilidade
O anarco-socialismo é instável: simplesmente evoluirá para o anarcocapitalismo.
Concorrência capitalista
Mesmo que se comece com o anarco-socialismo, não há nada que impeça alguém de abrir um negócio de propriedade capitalista. Ninguém o impedirá, uma vez que não há Estado. Mas as empresas de propriedade capitalista tendem a superar as empresas de propriedade dos trabalhadores. Isto deve-se em parte ao facto de a maioria dos trabalhadores não querer aceitar riscos ou adiar a gratificação (como discutido acima); haverá, portanto, uma preferência por trabalhar para empresas de propriedade capitalista. Além disso, os capitalistas são geralmente melhores nas decisões empresariais do que as empresas de propriedade dos trabalhadores, pelo que as empresas de propriedade capitalista tendem a ser mais lucrativas. Assim, o número de empresas de propriedade capitalista aumentará.
Dissolução Interna
Se uma empresa é detida pelos trabalhadores, não há nada (mais uma vez, porque não há Estado) que os impeça de vender as suas acções da empresa a um capitalista. (Se os estatutos da empresa não o permitirem, podem sempre votar para o alterar.) Porque o fariam? Porque receberiam um influxo imediato de dinheiro. Isto permite-lhes ter mais consumo no curto prazo e reduzir o seu risco (o risco de perder o seu investimento actual na empresa).
Bem-estar social
Os socialistas imaginam cooperativas de trabalhadores com bons programas de bem-estar social, oferecendo educação e saúde gratuitas, etc. No entanto, como não existe Estado, nada impede que uma empresa de propriedade capitalista apareça e decida não prestar nenhum destes serviços. Esta empresa superará, então, as empresas socialistas, que têm custos indirectos mais elevados. A empresa capitalista poderia então pagar mais aos trabalhadores ou oferecer preços mais baixos aos clientes, etc. Assim, as empresas capitalistas crescem, enquanto as empresas socialistas se reduzem.
Os socialistas também vislumbram frequentemente esquemas de pagamento igualitários, ou pelo menos esquemas mais igualitários do que os oferecidos por uma empresa capitalista. O problema é que as empresas capitalistas podem surgir e pagar aos trabalhadores de acordo com a sua produtividade. O capitalista pode oferecer aos melhores trabalhadores salários mais elevados para os afastar da empresa socialista com o esquema salarial igualitário. Ao mesmo tempo, os piores trabalhadores gravitarão para as empresas socialistas porque desejam a igualdade salarial. Assim, os capitalistas acabarão por ficar com os melhores trabalhadores, enquanto os socialistas ficarão presos aos piores, e as empresas capitalistas acabarão por dominar a economia.
5. Conclusão
Se vai ser um anarquista (o que deve ser; veja o meu livro), seja um anarcocapitalista. Os anarcocapitalistas têm uma melhor solução para o crime, valorizamos adequadamente os benefícios produzidos pelos capitalistas e o nosso sistema é mais estável ao longo do tempo. Também somos muito mais divertidos para conviver.
Publicado originalmente no Substack do autor.
[1] Baseado em: “The Right Anarchy: Capitalist or Socialist?”, pp. 342-59 in The Routledge Handbook of Anarchy and Anarchist Thought (Routledge, 2021).