Certas expressões usadas pelo povo são, muitas vezes, inteiramente equivocadas. Assim, atribuem-se a capitães da indústria e a grandes empresários dos nossos dias epítetos como «o rei do chocolate», «o rei do algodão» ou «o rei do automóvel». Ao usar essas expressões, o povo demonstra não ver praticamente nenhuma diferença entre os industriais de hoje e os reis, duques ou lordes de outrora. Mas, na realidade, a diferença é enorme, pois um rei do chocolate absolutamente não rege, ele serve. Não reina sobre um território conquistado, independente do mercado, independente dos seus compradores. O rei do chocolate — ou do aço, ou do automóvel, ou qualquer outro rei da indústria contemporânea — depende da indústria que administra e dos clientes a quem presta serviços. Esse «rei» precisa de se conservar nas boas graças dos seus súbditos, os consumidores; ele perderá o seu «reino» assim que já não tiver condições de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido pelos concorrentes.
Duzentos anos antes, antes do advento do capitalismo, o status social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua existência; era herdado dos seus ancestrais e nunca mudava. Se nascesse pobre, pobre seria para sempre; se rico — lorde ou duque —, manteria seu ducado, e a propriedade que o acompanhava, pelo resto dos seus dias.
No que toca à manufactura, as primitivas indústrias de beneficiamento da época existiam quase exclusivamente para proveito dos ricos. A grande maioria do povo (90% ou mais da população europeia) trabalhava na terra e não tinha contacto com as indústrias de beneficiamento, voltadas para a cidade. Esse rígido sistema da sociedade feudal imperou por muitos séculos nas mais desenvolvidas regiões da Europa.
Contudo, a população rural expandiu-se e passou a haver um excesso populacional no campo. Os membros dessa população excedente, sem terras herdadas ou bens, careciam de ocupação. Também não lhes era possível trabalhar nas indústrias de beneficiamento, cujo acesso lhes era vedado pelos reis das cidades. O número desses «párias» crescia incessantemente, sem que todavia ninguém soubesse o que fazer com eles. Eram, no pleno sentido da palavra, «proletários», e ao governo só restava interná-los em asilos ou casas de correcção. Em algumas regiões da Europa, sobretudo nos Países Baixos e na Inglaterra, essa população tornou-se tão numerosa que, no século XVIII, constituía uma verdadeira ameaça à preservação do sistema social vigente.
Hoje, ao discutir questões análogas em lugares como a Índia ou outros países em desenvolvimento, não devemos esquecer que, na Inglaterra do século XVIII, as condições eram muito piores. Naquele tempo, a Inglaterra tinha uma população de seis ou sete milhões de habitantes, dos quais mais de um milhão — provavelmente dois — não passavam de indigentes a quem o sistema social em vigor nada lhes proporcionava. As medidas a tomar em relação a esses deserdados constituíam um dos maiores problemas da Inglaterra.
Outro sério problema era a falta de matérias-primas. Os ingleses eram obrigados a enfrentar a seguinte questão: que faremos, no futuro, quando as nossas florestas já não nos fornecerem a madeira de que necessitamos para as nossas indústrias e para aquecer as nossas casas? Para as classes governantes, era uma situação desesperante. Os estadistas não sabiam o que fazer e as autoridades em geral não tinham qualquer ideia sobre como melhorar as condições.
Foi dessa grave situação social que emergiram os começos do capitalismo moderno. Entre aqueles párias, aqueles miseráveis, surgiram pessoas que tentaram organizar grupos para estabelecer pequenos negócios, capazes de produzir alguma coisa. Foi uma inovação. Esses inovadores não produziam artigos caros, acessíveis apenas às classes mais altas, produziam bens mais baratos, que pudessem satisfazer as necessidades de todos. E foi essa a origem do capitalismo tal como hoje funciona. Foi o começo da produção em massa — princípio básico da indústria capitalista. Enquanto as antigas indústrias de beneficiamento funcionavam ao serviço das pessoas mais abastadas das cidades, existindo quase que exclusivamente para corresponder às demandas dessas classes privilegiadas, as novas indústrias capitalistas começaram a produzir artigos acessíveis a toda a população. Era a produção em massa, para satisfazer as necessidades das massas.
Este é o princípio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos os países onde há um sistema de produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas mais fortes, alvo dos mais fanáticos ataques arremessados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase exclusivamente para suprir as carências das massas. As empresas dedicadas ao fabrico de artigos de luxo, para uso apenas dos mais abastados, jamais têm condições de alcançar a magnitude das grandes empresas. Actualmente, os empregados das grandes fábricas são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se fabricam. Esta é a diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios feudalistas de épocas anteriores.
Quando se pressupõe ou se afirma a existência de uma diferença entre os produtores e os consumidores dos produtos da grande empresa, incorre-se num grave erro. Nas grandes lojas dos Estados Unidos ouvimos o slogan, «O cliente tem sempre razão». E esse cliente é o mesmo homem que produz, na fábrica, os artigos à venda naqueles estabelecimentos. Os que pensam que a grande empresa detém um enorme poder também se equivocam, uma vez que a empresa de grande porte é inteiramente dependente da preferência dos que lhes compram os produtos; a mais poderosa empresa perderia o seu poder e a sua influência se perdesse os seus clientes.
Há cinquenta ou sessenta anos, era voz corrente em quase todos os países capitalistas que as companhias de caminho-de-ferro eram demasiado grandes e poderosas; Sendo monopolistas, tornavam impossível a concorrência. Alegava-se que, na área dos transportes, o capitalismo já havia atingido um estágio no qual, a partir dali, se destruiria a si mesmo, pois eliminara a concorrência. O que se descurava era o facto de que o poder das ferrovias dependia da sua capacidade de oferecer à população um meio de transporte melhor que qualquer outro. Evidentemente, teria sido absurdo concorrer com um desses grandes caminho-de-ferro, através da implantação de uma nova ferrovia paralela à anterior, porquanto a primeira era suficiente para atender às necessidades do momento. Mas outros concorrentes não tardaram a aparecer. A livre concorrência não significa que se possa prosperar pela simples imitação ou cópia exacta do que já foi feito por alguém. A liberdade de imprensa não significa o direito de copiar o que outra pessoa escreveu, e assim alcançar o sucesso a que o verdadeiro autor fez jus pelas suas obras. Significa o direito de escrever outra coisa. A liberdade de concorrência no que toca às ferrovias, por exemplo, significa liberdade para inventar alguma coisa, para fazer alguma coisa que desafie as ferrovias já existentes e os coloque em situação muito precária de competitividade.
Nos Estados Unidos, a concorrência que se estabeleceu através dos autocarros, automóveis, camiões e aviões impôs aos caminho-de-ferros grandes perdas e uma derrota quase absoluta no que diz respeito ao transporte de passageiros.
O desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de servir melhor e/ou mais barato o seu cliente. E, num tempo relativamente curto, esse método, esse princípio, transformou a face do mundo, possibilitando um crescimento sem precedentes da população mundial.
Na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões de pessoas, num baixíssimo padrão de vida. Hoje, mais de cinquenta milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão de vida que chega a ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. E o padrão de vida na Inglaterra de hoje seria provavelmente mais alto ainda, não tivessem os ingleses dissipado boa parte da sua energia no que, sob diversos pontos de vista, não foram mais que «aventuras» políticas e militares evitáveis.
Estes são os factos acerca do capitalismo. Assim, se um inglês — ou, no que toca a esta questão, qualquer homem de qualquer país do mundo — afirmar hoje aos amigos ser contrário ao capitalismo, há uma esplêndida contestação a lhe fazer: «Sabe que a população deste planeta é hoje dez vezes maior do que nos períodos precedentes ao capitalismo? Sabe que todos os homens usufruem hoje de um padrão de vida mais elevado que o dos seus ancestrais antes do advento do capitalismo? E como pode você ter certeza de que, se não fosse o capitalismo, você estaria a integrar a décima parte da população sobrevivente? A sua mera existência é uma prova do êxito do capitalismo, seja qual for o valor que você atribua à sua própria vida.»
Não obstante todos os seus benefícios, o capitalismo foi furiosamente atacado e criticado. É preciso compreender a origem dessa aversão. É factual que o ódio ao capitalismo não nasceu no seio do povo, não adveio dos próprios trabalhadores, mas sim do meio da aristocracia fundiária — a pequena nobreza da Inglaterra e da Europa continental. Culpavam o capitalismo por algo que não lhes era muito agradável: no início do século XIX, os salários mais altos pagos pelas indústrias aos seus trabalhadores forçaram a aristocracia agrária a pagar salários igualmente altos aos seus trabalhadores agrícolas. A aristocracia atacava a indústria criticando o padrão de vida das massas trabalhadoras.
Obviamente, do nosso ponto de vista, o padrão de vida dos trabalhadores era extremamente baixo. Mas, se as condições de vida nos primórdios do capitalismo eram absolutamente escandalosas, não era porque as recém-criadas indústrias capitalistas estivessem prejudicando os trabalhadores. As pessoas contratadas pelas fábricas já subsistiam antes em condições praticamente sub-humanas.
A velha história, repetida centenas de vezes, de que as fábricas empregavam mulheres e crianças que, antes de trabalharem nessas fábricas, viviam em condições satisfatórias, é um dos maiores embustes da história. As mães que trabalhavam nas fábricas não tinham o que cozinhar; não abandonavam os seus lares e suas cozinhas para se dirigir às fábricas — corriam a elas porque não tinham cozinhas e, ainda que as tivessem, não tinham comida para nelas cozinharem. E as crianças não provinham de um ambiente confortável; elas estavam famintas, estavam a morrer. E todo o tão falado e indescritível horror do capitalismo primitivo pode ser refutado por uma única estatística: precisamente nesses anos de expansão do capitalismo na Inglaterra, no chamado período da Revolução Industrial inglesa, entre 1760 e 1830, a população do país dobrou, o que significa que centenas de milhares de crianças — que em outros tempos teriam morrido — sobreviveram e cresceram, tornando-se homens e mulheres.
Não há dúvida de que as condições gerais de vida em épocas anteriores eram muito insatisfatórias. Foi o comércio capitalista que as melhorou. Foram justamente aquelas primeiras fábricas que passaram a suprir, directa ou indirectamente, as necessidades dos seus trabalhadores, através da exportação de manufacturados e da importação de alimentos e matérias-primas de outros países. Mais uma vez, os primeiros historiadores do capitalismo falsearam — é difícil usar uma palavra mais branda — a história.
Há uma anedota, provavelmente inventada, que se costuma contar a respeito de Benjamin Franklin. Numa visita a uma manufactura de tecidos de algodão na Inglaterra, Benjamin Franklin ouviu do proprietário cheio de orgulho: «Veja, temos aqui tecidos de algodão para a Hungria.» Olhando à sua volta e constatando que os trabalhadores estavam em andrajos, Franklin perguntou: «E por que não produz também para os seus empregados?»
Mas as exportações de que falava o dono da manufactura de algodão realmente significavam que ele, de facto, produzia para os próprios empregados, visto que a Inglaterra tinha de importar toda a sua matéria-prima. Não possuía nenhum algodão, como também ocorria com a Europa continental. A Inglaterra atravessava uma fase de escassez de alimentos, era necessária a sua importação da Polónia, da Rússia, da Hungria. Assim, as exportações — como as de tecidos — constituíam-se em pagamento de importações de alimentos necessários à sobrevivência da população inglesa. Muitos exemplos da história dessa época revelaram a atitude da pequena nobreza e da aristocracia com relação aos trabalhadores. Quero citar apenas dois. Um é o famoso sistema inglês do seed and land. Em tal sistema, o governo inglês pagava a todos os trabalhadores que não chegavam a receber um salário mínimo (oficialmente fixado) a diferença entre o que recebiam e esse mínimo. Isso poupava à aristocracia fundiária o dissabor de pagar salários mais altos. A pequena nobreza continuaria pagando o tradicionalmente baixo salário agrícola suplementado pelo governo. Evitava-se, assim, que os trabalhadores abandonassem as actividades rurais em busca de emprego nas fábricas urbanas.
Oitenta anos depois, após a expansão do capitalismo da Inglaterra para a Europa continental, mais uma vez verificou-se a reacção da aristocracia rural contra o novo sistema de produção. Na Alemanha, os aristocratas prussianos, tendo perdido muitos trabalhadores para as indústrias capitalistas, que ofereciam melhor remuneração, cunharam uma expressão especial para designar o problema: «fuga do campo» — Landflucht. Discutiu-se, então, no parlamento alemão, que tipo de medida se poderia tomar contra aquele mal, e tratava-se indiscutivelmente de um mal, do ponto de vista da aristocracia rural. O príncipe Bismarck, o famoso chanceler do Reich alemão, disse um dia num discurso: «Encontrei em Berlim um homem que havia trabalhado nas minhas terras. Perguntei-lhe: Porque deixou as minhas terras? Por que deixou o campo? Por que vive agora em Berlim?». Segundo Bismarck, o homem respondeu: «Na aldeia não se tem, como aqui em Berlim, um Biergarten tão lindo, onde nos podemos sentar, tomar cerveja e ouvir música.» Esta é, sem dúvida, uma estória contada do ponto de vista do príncipe Bismarck, o empregador. Não seria o ponto de vista de todos os seus empregados. Estes acorriam à indústria porque ela lhes pagava salários mais altos e elevava o seu padrão de vida a níveis sem precedentes.
Hoje, nos países capitalistas, há relativamente pouca diferença entre a vida básica das chamadas classes mais altas e a das mais baixas. Ambas têm alimento, roupas e abrigo. Mas no século XVIII, e nos que o precederam, o que distinguia o homem da classe média do da classe baixa era o facto de o primeiro ter sapatos, e o segundo, não. Hoje, nos Estados Unidos, a diferença entre um rico e um pobre reduz-se muitas vezes à diferença entre um Cadillac e um Chevrolet. O Chevrolet pode ser de segunda mão, mas presta ao seu dono basicamente os mesmos serviços que o Cadillac poderia prestar, uma vez que também está apto a deslocar-se de um local para outro. Mais de 50% da população dos Estados Unidos vivem em casas e apartamentos próprios.
As investidas contra o capitalismo — especialmente no que se refere aos padrões salariais mais altos — tiveram por origem a falsa suposição de que os salários são, em última análise, pagos por pessoas diferentes daquelas que trabalham nas fábricas. Certamente, nada impede que economistas e estudantes de teorias económicas tracem uma distinção entre trabalhador e consumidor. Mas o facto é que todo consumidor tem de ganhar, de uma maneira ou de outra, o dinheiro que gasta, e a imensa maioria dos consumidores é constituída precisamente por aquelas mesmas pessoas que trabalham como empregados nas empresas produtoras dos bens que consomem. No capitalismo, os padrões salariais não são estipulados por pessoas diferentes das que ganham os salários; são essas mesmas pessoas que os manipulam. Não é a companhia cinematográfica de Hollywood que paga os salários de um astro do cinema, quem os paga é o público que compra ingressos nas bilheteiras dos cinemas. E não é o empresário de uma luta de boxe que cobre as enormes exigências de lutadores laureados, mas sim a plateia, que compra entradas para a luta. A partir da distinção entre empregado e empregador, traça-se, no plano da teoria económica, uma distinção que não existe na vida real. Nesta, empregador e empregado são, em última análise, uma só e a mesma pessoa.
Em muitos países há quem considere injusto que um homem obrigado a sustentar uma família numerosa receba o mesmo salário que outro, responsável apenas pela própria manutenção. No entanto, o problema é não questionar se é ao empresário ou não que cabe assumir a responsabilidade pelo tamanho da família de um trabalhador. A pergunta que deve ser feita neste caso é: você, como indivíduo, se disponibilizaria a pagar mais por algum produto, digamos, um pão, se for informado de que o homem que o fabricou tem seis filhos? Uma pessoa honesta por certo responderia negativamente, dizendo: «Em princípio, sim. Mas na prática tenderia a comprar o pão feito por um homem sem filho nenhum.» O facto é que o empregador a quem os compradores não pagam o suficiente para que ele possa pagar aos seus empregados vê-se na impossibilidade de levar adiante os seus negócios.
O “capitalismo” foi assim baptizado não por um simpatizante do sistema, mas por alguém que o tinha na conta do pior de todos os sistemas históricos, da mais grave calamidade que jamais se abatera sobre a humanidade. Esse homem foi Karl Marx. Não há razão, contudo, para rejeitar a designação proposta por Marx, uma vez que ela indica claramente a origem dos grandes progressos sociais ocasionados pelo capitalismo. Esses progressos são fruto da acumulação do capital; baseiam-se no facto de que as pessoas, por via de regra, não consomem tudo o que produzem e no facto de que elas poupam — e investem — parte desse montante.
Reina um grande equívoco em torno desse problema. Ao longo destas seis palestras, terei oportunidade de abordar os principais mal-entendidos em voga, relacionados com a acumulação do capital, com o uso do capital e com os benefícios universais auferidos a partir desse uso. Tratarei do capitalismo particularmente nas minhas palestras dedicadas ao investimento externo e a esse problema extremamente crítico da política actual que é a inflação. Todos sabem, é claro, que a inflação não existe só neste país. Constitui hoje um problema em todas as partes do mundo.
O que muitas vezes não se compreende a respeito do capitalismo é o seguinte: poupança significa benefícios para todos os que desejam produzir ou receber salários. Quando alguém acumula uma certa quantidade de dinheiro — mil dólares, digamos — e confia esses dólares, em vez de gastá-los, a uma empresa de poupança ou a uma companhia de seguros, transfere esse dinheiro para um empresário, um homem de negócios, o que vai permitir que esse empresário possa expandir as suas actividades e investir num projecto que na véspera ainda era inviável por falta do capital necessário.
Que fará então o empresário com o capital recém-obtido? Certamente a primeira coisa que fará, o primeiro uso que dará a esse capital suplementar será a contratação de trabalhadores e a compra de matérias-primas — o que promoverá, por sua vez, o surgimento de uma demanda adicional de trabalhadores e matérias-primas, bem como uma tendência à elevação dos salários e dos preços dessas matérias-primas. Muito antes que o poupador ou o empresário tenham obtido algum lucro em tudo isso, o trabalhador desempregado, o produtor de matérias-primas, o agricultor e o assalariado já estarão participando nos benefícios das poupanças adicionais.
O que o empresário virá ou não a ganhar com o projecto depende das condições futuras do mercado e do seu talento para prevê-las correctamente. Mas os trabalhadores, assim como os produtores de matéria-prima, auferem as vantagens de imediato. Muito se falou, trinta ou quarenta anos atrás, sobre a «política salarial» — assim a denominavam— de Henry Ford. Uma das maiores façanhas do senhor Ford consistia em pagar salários mais altos que os oferecidos pelas outras indústrias ou fábricas. A sua política salarial foi descrita como uma «invenção». Não se pode, no entanto, dizer que essa nova política «inventada» seja simplesmente um fruto da liberalidade do senhor Ford. Um novo ramo industrial — ou uma nova fábrica num ramo já existente — precisa atrair trabalhadores de outros empregos, de outras regiões do país e até de outros países. E não há outra maneira de fazê-lo senão através do pagamento de salários mais altos aos trabalhadores. Foi o que ocorreu nos primórdios do capitalismo, e é o que ocorre até hoje.
Na Grã-Bretanha, quando os fabricantes começaram a produzir artigos de algodão, eles passaram a pagar aos seus trabalhadores mais do que estes ganhavam antes. É verdade que grande percentagem desses novos trabalhadores jamais ganhara coisa alguma antes. Estavam, então, dispostos a aceitar qualquer quantia que lhes fosse oferecida. Mas, pouco tempo depois, com a crescente acumulação do capital e a implantação de um número cada vez maior de novas empresas, os salários elevaram-se e, como consequência, houve aquele aumento sem precedentes da população inglesa, ao qual já me referi. A reiterada caracterização depreciativa do capitalismo como um sistema destinado a tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres é equivocada do começo ao fim. A tese de Marx concernente ao advento do capitalismo baseou-se no pressuposto de que os trabalhadores estavam ficando mais pobres, de que o povo estava ficando mais miserável, o que finalmente redundaria na concentração de toda a riqueza de um país em poucas mãos, ou mesmo nas de um homem só. Como consequência, as massas trabalhadoras empobrecidas se rebelariam e expropriariam os bens dos opulentos proprietários.
Segundo essa doutrina de Marx, é impossível, no sistema capitalista, qualquer oportunidade, qualquer possibilidade de melhoria das condições dos trabalhadores. Em 1865, falando perante a Associação Internacional dos Trabalhadores, na Inglaterra, Marx afirmou que a crença de que os sindicatos poderiam promover melhores condições para a população trabalhadora era «absolutamente errónea». Qualificou a política sindical voltada para a reivindicação de melhores salários e menor número de horas de trabalho de conservadora. Era este, evidentemente, o termo mais desabonador a que Marx podia recorrer. Sugeriu que os sindicatos adoptassem uma nova meta revolucionária: a «completa abolição do sistema de salários», e a substituição do sistema de propriedade privada pelo “socialismo” — a posse dos meios de produção pelo governo.
Se consideramos a história do mundo — e em especial a história da Inglaterra a partir de 1865 — verificaremos que Marx estava errado sob todos os aspectos. Não há um único país capitalista em que as condições do povo não tenham melhorado de maneira inédita. Todos esses progressos ocorridos nos últimos oitenta ou noventa anos produziram-se a despeito dos prognósticos de Karl Marx. Os socialistas de orientação marxista acreditavam que as condições dos trabalhadores jamais poderiam melhorar. Adoptavam uma falsa teoria, a famosa «lei de ferro dos salários». Segundo esta lei, no capitalismo, os salários de um trabalhador não excederiam a soma que lhe fosse estritamente necessária para manter-se vivo ao serviço da empresa. Os marxistas enunciaram a sua teoria da seguinte forma: se os padrões salariais dos trabalhadores sobem, com a elevação dos salários a um nível superior ao necessário para a subsistência, eles terão mais filhos. Esses filhos, ao ingressarem na força de trabalho, engrossarão o número de trabalhadores até ao ponto em que os padrões salariais cairão, rebaixando novamente os salários dos trabalhadores a um nível mínimo necessário para a subsistência — àquele nível mínimo de sustento, apenas suficiente para impedir a extinção da população trabalhadora.
Mas essa ideia de Marx, e de muitos outros socialistas, envolve um conceito de trabalhador idêntico ao adoptado, justificadamente, pelos biólogos que estudam a vida dos animais. Dos camundongos, por exemplo. Se colocarmos maior quantidade de alimento à disposição de organismos animais, ou de micróbios, maior número deles sobreviverá. Se a restringirmos, restringiremos o número dos sobreviventes. Mas com o homem é diferente. Mesmo o trabalhador — ainda que os marxistas não o admitam — tem carências humanas para além da alimentação e da reprodução da sua espécie. Um aumento dos salários reais não resulta apenas num aumento da população, resulta também, e antes de tudo, numa melhoria do padrão de vida média. É por isso que temos hoje, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, um padrão de vida superior ao das nações em desenvolvimento, às da África, por exemplo. Devemos compreender, contudo, que esse padrão de vida mais elevado fundamenta-se na disponibilidade de capital. Isso explica a diferença entre as condições reinantes nos Estados Unidos e as que encontramos na Índia. Neste país foram introduzidos, ao menos em certa medida, modernos métodos de combate a doenças contagiosas, cujo efeito foi um aumento inaudito da população, no entanto, como esse crescimento populacional não foi acompanhado de um aumento correspondente do montante de capital investido no país, o resultado foi um agravamento da miséria. Quanto mais se eleva o capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o país.
É preciso, no entanto, lembrar que nas políticas económicas não ocorrem milagres. Todos leram artigos de jornal e discursos sobre o chamado milagre económico alemão — a recuperação da Alemanha depois da sua derrota e destruição na Segunda Guerra Mundial. Mas não houve um milagre. Houve tão-somente a aplicação dos princípios da economia do livre mercado, dos métodos do capitalismo, embora essa aplicação não tenha sido completa em todos os pontos. Todos os países podem experimentar o mesmo «milagre» de recuperação económica, embora eu deva insistir em que esta não é fruto de um milagre, é fruto da adopção de políticas económicas sólidas, pois é delas que resulta.
O texto acima publicado corresponde ao primeiro capítulo de «As Seis Lições».