Este ensaio em 3 partes é um comentário analítico à publicação de Murray Rothbard: “Science, Technology, and Government“. Pode ler a parte I aqui e a parte II aqui.
Energia Atómica: Uma História de Como o Segredo Militar Impede o Desenvolvimento Científico
Do ponto de vista militar, a energia atómica foi a arma suprema durante a década de 50. O mundo acordou para os seus efeitos devastadores no dia 6 de Agosto de 1945. De 1949 a 1964, a URSS, o Reino Unido, a França e a China desenvolveram suas próprias bombas. Uma bomba atómica é basicamente um dispositivo que liberta energia atómica a uma escala destrutiva. Mas essa energia também pode ser usada para fins pacíficos. As centrais de energia atómica são, hoje em dia, uma forma comum de produzir energia. Por esse motivo, é comum ouvir o argumento que, se a energia atómica é agora utilizada para fins pacíficos, é graças aos militares que desenvolveram a tecnologia pela primeira vez. Este argumento surge de vez em quando sobre esta ou aquela tecnologia, sendo o caso mais famoso nas últimas décadas o da Internet. O que Rothbard vem dizer é que não só a maioria das descobertas científicas relacionadas com a energia atómica foram feitas antes da guerra (o governo produziu muito pouco desse conhecimento para além do necessário para fazer uma bomba) e que os militares impediram que essa tecnologia fosse usada para fins pacíficos mais cedo, tanto recrutando um grande número de cientistas quanto mantendo a maioria das descobertas científicas em segredo, atrasando o desenvolvimento da energia atómica “pacífica”. Gostaríamos de acrescentar outra característica comum: só mais tarde, quando o conhecimento e as tecnologias utilizadas para fins militares se tornam um grande sucesso comercial, é que o argumento aparece e alardeiam sobre o quão importantes foram no desenvolvimento dessa tecnologia específica.
A invenção da Internet é muitas vezes creditada aos militares, mas isso é apenas parcialmente verdade. Os militares procuravam um sistema de comunicação que pudesse resistir a um ataque nuclear. A ideia de enviar pequenos pacotes de informação em rede através de vários caminhos era a forma mais promissora de o conseguir. O método que permitiu que isso fosse realizado foi a comutação de pacotes e foi desenvolvido por Paul Baran no início dos anos 60 para a RAND Corporation[1]. Os militares pegaram na ideia e só gradualmente a partilharam com organizações de investigação e educação durante a década de 80. Só no final dos anos 80 e início dos anos 90 surgiram os primeiros ISPs comerciais, mas foi apenas em 1995 que as restrições ao uso comercial desapareceram[2]. Deste modo, os militares americanos mantiveram essa tecnologia exclusivamente durante 20 anos, de forma restrita durante outra década, década e meia e só então se permitiu um acesso livre pleno. Mesmo considerando que o desenvolvimento de uma nova tecnologia poderia ter uma taxa de crescimento lento num estágio inicial, é óbvio que o sigilo militar atrasou o seu uso comum uma ou duas décadas sem benefício aparente para a sociedade.
Subsidiar catástrofes
Gostaríamos de salientar que, no que diz respeito à energia atómica, Rothbard advertiu contra o facto de o Governo subsidiar a utilização da tecnologia. Em tempos como o nosso, em que os governos se preocupam com o aumento do custo da energia com o abandono irresponsável do investimento em energias fósseis, o uso da energia atómica, apesar de vilipendiado pelos ecologistas, é suficientemente estratégico para que a UE lhe tenha dado o estatuto de energia verde. Ainda assim, o custo da energia nuclear é sempre subestimado, uma vez que se parte do princípio de que nenhuma empresa eléctrica tem capacidade financeira para pagar as indemnizações que surgiriam em caso de acidente nuclear e, no entanto, vários governos permitem a construção de tais instalações dando garantias explícitas ou implícitas. O proprietário de uma central nuclear só está economicamente autorizado a funcionar graças a essa garantia. Isto significa que os governos estão em posição de baixar o preço da energia ignorando o custo da garantia. A população conviverá com a ameaça da insuficiência das medidas de segurança e/ou da utilização excessiva de equipamentos, como os que acabaram por causar o desastre de Chernobyl em 1986. Vinte anos após o desastre, um relatório da OMS sobre Chernobyl dizia que o número total de vítimas poderia chegar a 4000 pessoas[3]. Ironicamente, esse número não é muito diferente das estimativas feitas por cientistas soviéticos em 1986, considerada então uma subestimação grosseira[4].
Incentivar o desperdício científico?
No final do seu artigo, Rothbard resume o que deve o Governo fazer para incentivar a investigação científica. A resposta é, em suma, quase nada. Deixe o livre mercado seguir o seu curso e ele trará uma produção científica maior e melhor que beneficiará também os militares. Mas, como os governos necessitam justificar-se fazendo alguma coisa, Rothbard sugere que podem reduzir os impostos sobre a investigação científica. Tal permitiria manter mais recursos à disposição das pessoas para financiar futuras descobertas científicas. Consideramos que, por razões alheias ao âmbito deste trabalho, os governos não devem tributar mais alguns dos seus cidadãos do que outros. Todos os esforços do homem, e não apenas aqueles a que chama científicos, poderiam beneficiar de manter mais recursos à mão. Como Rothbard correctamente afirma, algumas das invenções mais importantes do século 20 vieram de pessoas que não estavam directamente envolvidas na pesquisa científica institucional. Ao reduzir os impostos apenas sobre aqueles que realizam o que o governo considera ser pesquisa científica (e parte dessa pesquisa pode ser totalmente inútil), colocamos o fardo sobre uma grande quantidade de pessoas que estarão a desenvolver tecnologias revolucionárias sem que o Estado o possa saber. A sugestão deveria ter sido que o governo reduzisse os impostos para toda a sociedade, aumentando assim potencialmente a produção científica útil da nação como um todo já que abre a participação a todos.
Reacção pavloviana à automação
A última questão sobre o trabalho de Rothbard é a da automação. Esta é uma característica permanente da vida humana em sociedade. Provavelmente desde a idade da pedra, cada vez que alguém inventava uma nova tecnologia que reduzia a necessidade de trabalhadores, havia agitação social. A partir da revolução industrial, este problema agravou-se com a introdução de enormes ganhos produtivos. Trabalhadores têxteis em Inglaterra a queimar a Spinning Jenny é a imagem que salta à mente. Mas, com o benefício da retrospectiva, sabemos que a prosperidade da sociedade moderna é uma consequência directa da introdução de técnicas mais produtivas, permitindo que cada pessoa produza mais gastando o mesmo tempo. Os trabalhadores libertados estão disponíveis para produzir algo diferente que não existia antes, pois a nova tecnologia também ajuda a encontrar novas necessidades. O crescimento derivado da tecnologia tem sido exponencial no passado e não há razão para acreditar que não será assim no futuro. Infelizmente, haverá sempre pessoas por perto a tentar ganhar politicamente com os distúrbios.
Como não podem negar as lições históricas, a nova abordagem é que a tecnologia chegou a um estágio em que se tornou estranha ao homem e contribui para alienar a vida das pessoas. Novos campos do conhecimento como a IA “precisam de ser controlados pelo Estado”.
Epílogo
Esperamos que este pequeno artigo seja de alguma utilidade para compreender as questões que abordam a Ciência e a Tecnologia, particularmente para fins militares, e como Murray Rothbard as encarou numa fase inicial da sua carreira intelectual. O inventor é para a tecnologia o que o empreendedor para a economia, dentro deles bate a mesma força humana, criativa.
- Independentemente, Donald Davies teve a mesma ideia para os britânicos em 1965, mas depois de propor a ideia, o Ministery of Defense contou-lhe sobre o trabalho de Baran e os dois grupos foram reunidos. ↩︎
- A Internet foi comecializada em 1995, quando a NSFNET foi desativada ↩︎
- The Chernobyl Forum 2003-2005: Chernobyl’s legacy: Health, Environmental and Socio-economic Impacts, 2005 ↩︎
- Ironicamente. Um país que controla constantemente a informação e recorre à censura perde credibilidade mesmo quando diz a verdade. ↩︎