Passamos agora a analisar o que acontece com um aumento da massa monetária, em vez de um aumento da poupança. Este aspecto é extremamente importante. A ideia mercantilista de que o aumento da oferta de moeda aumenta a prosperidade foi exposta como um erro há séculos por Richard Cantillon.1 No entanto, os economistas modernos mainstream, incluindo os monetaristas, os keynesianos de vários tipos e os agora em voga monetaristas de mercado, adoptam plenamente a ideia de que a impressão de dinheiro é necessária para a prosperidade.
De facto, os principais bancos centrais do mundo enveredaram por uma política de expansão monetária sem precedentes, tanto antes como depois da crise financeira de 2008. Estes bancos centrais são liderados por pessoas com diplomas avançados em “economia” e têm grandes equipas de investigação com doutoramentos em economia mainstream. O resultado é uma guerra monetária mundial em que cada moeda é impressa num esforço para implementar uma expansão económica através de uma política de “mendigar ao vizinho”, outra ideia amplamente desacreditada.
A política de “mendigar ao vizinho” consiste em imprimir dinheiro para reduzir o valor da moeda nacional em relação às moedas estrangeiras. A redução do valor da moeda reduz o preço relativo das exportações e torna os produtos estrangeiros relativamente mais caros, de modo a aumentar as exportações e os bens produzidos internamente e a reduzir as importações. O problema é que também se aumenta o preço das importações e se diminui a eficiência. Em última análise, esta política não funciona: no final, a situação é pior.
O que é que acontece quando a oferta de moeda aumenta? Um dos primeiros a examinar esta questão foi Richard Cantillon, escrevendo na década de 1730, na sequência das bolhas do Mississipi e do Mar do Sul. Murray Rothbard escreveu que Cantillon deveria ter a maior honra entre os economistas:
A honra de ser chamado de “pai da economia moderna” pertence, então, não ao seu destinatário habitual, Adam Smith, mas a um galicizado comerciante, banqueiro e aventureiro irlandês que escreveu o primeiro tratado de economia mais de quatro décadas antes da publicação da Riqueza das Nações. Richard Cantillon (início da década de 1680-1734) é uma das personagens mais fascinantes da história do pensamento social e económico.2
Já escrevi noutro lugar sobre analisar as contribuições de Cantillon através de uma perspectiva moderna e contemporânea.3
O Essai sur la Nature du Commerce en Général foi concluído pouco antes de Cantillon ser assassinado em 1734. Devido às leis de censura francesas, só foi publicado em 1755, e em circunstâncias misteriosas. O livro foi muito influente ao início. Pensa-se que escreveu o Essai para explicar as bolhas do Mississipi e do Mar do Sul, mas acabou por criar todo um aparato teórico e aquilo a que hoje chamamos efeitos Cantillon.
Cantillon investigou várias causas possíveis de um aumento da massa monetária nacional, incluindo a importação de moeda de países estrangeiros e a descoberta de novas minas de ouro e prata. A sua importante percepção foi a de que o efeito desta nova moeda dependia de quem a controlava e onde era injectada na economia. O dinheiro novo tem um impacto perturbador numa economia e pode causar aquilo a que hoje chamamos o ciclo económico.
Os economistas mainstream limitam normalmente a discussão dos efeitos de Cantillon à redistribuição da riqueza que acompanha um aumento da oferta de moeda.4 Os primeiros beneficiários da moeda registam um aumento da riqueza, enquanto os que não a recebem registam uma diminuição da riqueza.5 Rouanet apresenta extensas provas empíricas do efeito de Cantillon em termos de alteração da distribuição do rendimento.6 No entanto, esta redistribuição da riqueza é apenas o primeiro passo na análise muito mais profunda de Cantillon dos efeitos de um aumento da moeda.
Por exemplo, se o aumento do dinheiro viesse de novas minas de prata, então o dinheiro estaria nas mãos dos proprietários das minas e dos próprios mineiros. Cantillon especulou que essas pessoas, agora ricas, consumiriam mais carne e vinho, em vez de pão e cerveja. Isto, por sua vez, aumentaria o preço da carne e do vinho e diminuiria o preço dos cereais. Consequentemente, estas alterações de preços levariam os agricultores a aumentar as terras dedicadas à criação de gado e de vinhas, em vez de cultivarem cereais. Trata-se de mudanças estruturais na economia e, obviamente, os proprietários de minas e os mineiros estão em melhor situação. Os camponeses que viviam do pão e da cerveja ficariam em pior situação, porque a diminuição da produção de cereais implicaria o aumento dos preços do pão e da cerveja. Cantillon teorizou ainda que os fluxos monetários, os preços e as mudanças estruturais que se baseavam neles podiam ser invertidos e que várias empresas ficariam arruinadas em consequência disso.
Os economistas mainstream rejeitam todas estas mudanças reais numa economia como efeitos de primeira ordem. Não acreditam que um aumento da oferta de moeda tenha qualquer impacto importante na economia real e, se ocorrerem pequenas alterações, estas só conduzirão a mudanças temporárias e inconsequentes na estrutura da produção e na distribuição do rendimento.
Para sublinhar a importância do local onde o novo dinheiro é injectado numa economia, Cantillon observou que, se o novo dinheiro chegasse às mãos dos empresários, a taxa de juro baixaria, mas se o novo dinheiro chegasse às mãos dos consumidores, a taxa de juro subiria. Se os empresários passassem a ter o dobro do dinheiro que tinham anteriormente, teriam menos procura de empréstimos para financiar as suas compras de matérias-primas e para pagar a sua mão de obra. Por conseguinte, a taxa de juro seria mais baixa. Se, pelo contrário, a nova moeda duplicasse a quantidade de dinheiro que os consumidores possuíam, estes aumentariam as suas compras de bens. Isto levaria os empresários a contrair mais empréstimos para satisfazer o aumento da procura de bens, o que resultaria numa taxa de juro mais elevada. Ambos os canais de aumento da moeda exerceriam pressões ascendentes sobre os preços. Em ambos os casos, o grupo que recebe o dinheiro primeiro beneficia, enquanto os que o recebem mais tarde, ou não o recebem de todo, são prejudicados pelo aumento dos preços.
Além disso, Cantillon foi o primeiro a desenvolver a teoria do mecanismo preço-espécie-fluxo. Esta teoria mostra que um país que recebe uma grande quantidade de dinheiro novo acaba por registar preços mais elevados. Alguns tipos de bens podem ser produzidos internamente ou importados de outros países. Como o dinheiro novo faz subir os preços internos, há uma maior tendência para as pessoas comprarem bens importados, pelo que o dinheiro é enviado para outros países. Desta forma, Cantillon demonstrou que as indústrias nacionais que beneficiam e se expandem devido ao aumento da oferta de moeda acabarão por ser arruinadas porque a sua capacidade expandida deixará de ser rentável face à concorrência estrangeira a preços baixos.
A forma geral de um efeito Cantillon é que há um aumento de dinheiro a entrar numa economia vindo de algum lado. Os primeiros destinatários beneficiam. Gastam-no de acordo com as suas preferências, o que faz com que certos preços subam. Os vendedores desses bens beneficiam do dinheiro novo, enquanto os outros, que apenas enfrentam preços mais elevados, são prejudicados. Os empresários respondem aos preços mais elevados aumentando a sua capacidade de produzir esses bens através da aquisição de bens de capital específicos, matérias-primas e mão de obra. À medida que a economia se move em direcção ao equilíbrio monetário, os bens de capital específicos da indústria são expostos como não rentáveis e, se for difícil reorientá-los para utilizações alternativas, o processo de ajustamento ameaça esses empresários com a falência. O ponto principal da análise mais alargada de Cantillon é que as alterações na moeda resultam em alterações nos preços relativos, o que mudará os planos de produção e resultará num padrão diferente de investimento fixo, de tal forma que a nova moeda altera a economia real e resulta em vencedores e perdedores.
A análise de Cantillon relativa à injecção de dinheiro novo foi adoptada e alargada por Ludwig von Mises e F. A. Hayek como base da teoria austríaca dos ciclos económicos (TACE7). Na teoria moderna, o aumento da oferta de moeda restringe-se geralmente a uma expansão das reservas bancárias pelo banco central e a uma expansão dos empréstimos bancários. Na TACE, esta situação reduz a taxa de juro para um nível inferior à taxa natural e dá início a uma explosão dos preços dos bens de equipamento, bem como das acções das empresas e do imobiliário. Isto, por sua vez, leva à produção de bens de capital fixo que mais tarde serão revelados como maus investimentos, levando por sua vez a falências, se não a uma “maldição dos arranha-céus“.
Adaptado de “The Skyscraper Curse: And How Austrian Economists Predicted Every Major Economic Crisis of the Last Century”.
- Richard Cantillon, Essai sur la Nature du Commerce en Général, traduzido e editado por Henry Higgs (1755; London: Cass, 1931), cap. 1. ↩︎
- Murray N. Rothbard, Economic Thought before Adam Smith: An Austrian Perspective on the History of Economic Thought (Brookfield, VT: Edward Elgar, 1995), vol. 1, p. 345. ↩︎
- Mark Thornton, “Richard Cantillon and the Origins of Economic Theory,” Journal of Economics and Humane Studies 8, nº. 1 (Março 1998): 61–74. ↩︎
- Andreas Marquart, e Philipp Bagus, Blind Robbery! How the Fed, Banks, and Government Steal Our Money (Munich: FinanzBuch Verlag, 2016). ↩︎
- Mark Thornton, “Cantillon on the Cause of the Business Cycle,” Quarterly Journal of Austrian Economics 9, nº. 3 (Fall 2006): 45–60. ↩︎
- Louis Rouanet, “Monetary Policy, Asset Price Inflation and Inequality.” Master’s Thesis, School of Public Affairs, Institut d’Etudes Politiques de Paris, 2017. ↩︎
- Do inglês ABCT: Austrian Business Cycle Theory [N. do T.] ↩︎
Artigo publicado originalmente no Mises Institute.