Os seres humanos descobriram a ética da liberdade vezes sem conta ao longo da história. Naturalmente, um sistema ético para animais racionais tem de ter em conta os aspectos dinâmicos do conflito, e não apenas cenários de soma zero. Todas as outras espécies do mundo não se caracterizam por uma vigorosa a) capacidade e b) necessidade de possuir e criar propriedade. Os homens lucram com uma divisão do trabalho mais avançada, enquanto os animais e as plantas sofrem quando competem por recursos escassos, uma vez que não podem criar mais ou apenas conceber quaisquer alternativas para grandes números. A necessidade de propriedade é agora evidente. Mas como é que podemos validar a justiça subjacente à propriedade e, claro, a sua atribuição?
A melhor resposta de que dispomos (ainda) é o desenvolvimento por Hoppe do “conceito de discurso e da ética comunicativa” de Habermas-Apel. Estes pensadores alemães escreveram sobre este conceito para justificar a democracia e até o diálogo pelo diálogo. Hoppe, um aluno de Habermas e um académico de ambos, levou o conceito um passo mais além. Assim, podemos falar correctamente da “Ética Argumentativa” de Hoppe.
Hoppe estudou e aplicou a descoberta epistemológica que Ludwig von Mises forneceu como resposta ao dilema de Kant: como é que as categorias da mente se devem ajustar à realidade. Será que os seres humanos criam a realidade ou, pelo menos, que não existe realidade, mas a nossa mente dá sentido (arbitrariamente) a um cosmos sem sentido? Será que a realidade criou a mente humana e que, por causa disso, a mente humana pode compreender a realidade à sua volta?
Esta última posição enquadra-se perfeitamente no que a Neurobiologia nos ensina sobre o cérebro humano. O nosso cérebro não é, de forma alguma, uma tabula rasa. Nascemos com um cérebro (mente) que é o resultado de milhões de anos de evolução, e mesmo que o livre arbítrio seja um facto (que é), continuamos a ter processos analógicos que nos permitem compreender conceitos que são fundamentais para a nossa sobrevivência.
Um desses conceitos é o conceito de propriedade. Intuitivamente ou racionalmente, os homens sempre souberam que a propriedade, “apropriada”1 (misturando trabalho com um recurso) ou criada, pertence ao actor. Mas um contrato de “apropriação” de uma floresta implica compreender mais do que aparenta: o capitalista é o “apropriador”, e os empregados limitam-se a desempenhar um papel limitado e aceitam receber uma recompensa por isso do seu fundo de capital. O facto de alguém ser agora dono da floresta depois de ter trabalhado nela pode ser intuitivo até certo ponto. O que não pode ser é o facto de o capitalista existir, uma vez que os contratou por telefone e não estava presente aos olhos dos nativos da zona. Essas categorias subtis de acção (contrato, fraude, salário) e o facto de a informação de um cérebro individual ser inevitavelmente limitada (nenhum ser humano é omnisciente, embora eu não possa saber, uma vez que não o sou e, portanto, tenho de lidar com categorias e generalizações). Essas categorias exigem uma reflexão sobre o sentido da acção humana e, neste caso, das relações humanas. A relação capitalista-assalariado não é evidente, como vemos. Mas a propriedade também não o é. Da forma de propriedade mais simples à mais avançada (por exemplo, acções de uma empresa ou apólices de seguro), a mente humana tem de reflectir sobre categorias básicas de acção para estabelecer a relação adequada entre proprietário e propriedade.
E o corpo humano? A natureza (antes de nós) nunca teve de lidar com a doação ou roubo de órgãos. A doação implica um contrato através da vontade das partes. O roubo implica exactamente o contrário. Para distinguir ambos num grau que satisfaça a vítima ou um juiz, tem de ser estabelecida uma propriedade adequada das partes do corpo.
Mas é a acção que cria a propriedade à nossa volta. Não será a acção capaz de determinar a propriedade de nós próprios? Um direito à autodeterminação consubstanciado (sim, literalmente) na propriedade de si próprio?
Argumentação como acção: o acto de entrar numa discussão é certamente revelador de alguns factos. Em primeiro lugar, estamos a interagir voluntariamente e de forma pacífica com o nosso interlocutor. Afinal, a argumentação não é qualquer forma de conversa: implica que pelo menos duas pessoas se envolvam voluntária e livremente nela. Um discurso para os escravos nas galés romanas pode não ser um argumento, embora seja certamente uma comunicação, claro. Mas se falamos de ética, estamos a falar de princípios igualmente válidos (a universalização dos direitos é uma parte vital da sua definição, tal como uma mesa tem de impedir que as coisas caiam no chão para ser uma mesa) para todos os seres humanos na mesma situação.
Em segundo lugar, alguns princípios éticos são revelados no decurso da argumentação. Um deles é o contrato, claro (e isto não é de modo algum tautológico, basta ter em mente o exemplo da galé romana). Mas o contrato requer propriedade. Assim, negar a propriedade às partes seria negar toda a possibilidade de argumentação. E, no entanto, quem o negasse estaria a participar num tipo de argumentação se fosse livre de o fazer ou não desde o início. Portanto, neste caso, temos um caso claro de prova por contradição do contrário.
Os seres humanos têm o direito de serem donos de si próprios, como o acto de argumentação mostra claramente: mais ninguém, além do próprio, pode ter o comando do seu próprio corpo.
Em suma, Hans-Hermann Hoppe descobriu e desenvolveu um sistema de direitos que se baseia no facto dos seres humanos agirem, dos seres humanos terem uma mente que é análoga à sua realidade circundante e que não necessita de uma dualidade “ser-dever” para nos mostrar o sistema ético adequado para os animais racionais. Somos os legítimos proprietários dos nossos corpos e dos bens que criamos através do uso da nossa mente, por nós próprios ou por contrato. Se os escravos numa galé romana podem sonhar com a liberdade num futuro próximo, também os cidadãos de um mundo estatista o podem fazer. A “Ética Argumentativa” fornece-nos um modelo baseado em factos de como desembaraçar, compreender e finalmente libertar um mundo cheio de contradições e negação da justiça.
- Ver a definição de homestead (apropriação original) neste artigo – N. do T.
Artigo publicado originalmente no Mises Institute. ↩︎