O argumento libertário contra as leis dos direitos civis parece fundamentalmente errado a muitos progressistas, porque consideram que os direitos civis são a melhor forma de promover os valores liberais, incluindo a liberdade individual. Mas os chamados valores que conduzem inexoravelmente à destruição da sociedade não são “liberais” no seu verdadeiro sentido. Em “Liberalismo”, Ludwig von Mises explica a importância de buscar o que é bom para a sociedade como um todo, e não o que parece bom para um grupo em particular.
Isto parece contra-intuitivo para os progressistas, que argumentam que, uma vez que o liberalismo se preocupa com os direitos individuais, não é necessário prestar atenção ao interesse comum ou ao que é bom para a sociedade como um todo. Argumentam que, se um só indivíduo for ofendido ou prejudicado na prossecução dos seus ideais, isso justificaria obrigar a maioria a respeitar as preferências individuais – afinal, não é esse o objectivo da protecção dos direitos individuais?
O problema com esse argumento é que, para os liberais modernos, tudo o que um indivíduo quer é o seu “direito”, pelo que o princípio de que o Estado deve proteger os direitos individuais se torna a base para a reconstrução da sociedade de acordo com os ideais progressistas. O passo seguinte no seu raciocínio é que, quando os indivíduos se “identificam” como uma determinada raça ou sexo, o seu grupo de identidade deve ter direitos especiais para proteger os membros individuais do grupo. Assim surgiu o modelo de “direitos civis” que confere protecções especiais a grupos de identidade com base na raça, sexo, religião, género ou sexualidade. Este raciocínio está errado. Como Mises argumenta:
“O liberalismo sempre teve em vista o bem do todo, não o de qualquer grupo especial. Foi isto que os utilitaristas ingleses quiseram exprimir – embora, é verdade, não muito adequadamente – na sua famosa fórmula “a maior felicidade do maior número”. Historicamente, o liberalismo foi o primeiro movimento político que visava promover o bem-estar de todos e não o de grupos especiais.”
Essa noção do bem do todo também é analisada em “Acção Humana – Um Tratado de Economia”, onde Mises argumenta que o conflito de grupos – conflito entre raças diferentes, por exemplo – é inerente à natureza humana:
“A natureza não gera paz e boa vontade. A marca característica do ‘estado de natureza’ é o conflito irreconciliável. Cada espécime é o rival de todos os outros espécimes. Os meios de subsistência são escassos e não permitem a sobrevivência de todos. Os conflitos nunca podem desaparecer… Este é um dilema que não permite qualquer solução pacífica.”
Nesta perspectiva, o bem do todo refere-se à civilização, para a qual a paz é um pré-requisito essencial. Não pode haver civilização quando os grupos estão envolvidos numa guerra sem fim.
Se os seres humanos não se propuserem a promover o interesse comum da civilização e a perseguir esse objectivo com determinação, a única alternativa é cerrar fileiras dentro dos seus diferentes grupos e lutar contra outros grupos numa revolução e num conflito intermináveis. É o que se passa actualmente no âmbito dos litígios em matéria de direitos civis. As mulheres lutam pelos interesses das mulheres, os transgénero pelos interesses dos transgénero, os judeus pelos interesses dos judeus, os muçulmanos pelos interesses islâmicos, cada grupo pelos seus próprios interesses. Assim, as batalhas continuam, com novos grupos de identidade a surgirem quase diariamente. Por exemplo, existe agora um novo grupo de homens adultos que se identificam como bebés. Querem vestir-se como bebés e querem apoio para expressar a sua identidade. Perde-se de vista o interesse de toda a sociedade numa coexistência pacífica. Os debates políticos não se centram na forma de alcançar a paz, mas sim na forma como os diferentes grupos devem ser definidos e quais os grupos que merecem uma protecção especial, o que é uma forma de agitar o conflito.
Murray Rothbard, em “Marshall, Civil Rights, and the Court”, descreve esta situação como uma “armadilha dos direitos civis”, sendo a armadilha a ideia de que a única forma de impedir um grupo de oprimir outro é criar direitos de grupo e proibir cada grupo de discriminar outros grupos:
“Por um lado, o liberalismo de esquerda, que, em nome da igualdade e dos direitos civis, quer proibir a ‘discriminação’ em todo o lado, levou o processo ao ponto de praticamente obrigar a quotas de representação para grupos alegadamente oprimidos em toda a sociedade… mas a oposição conservadora oficial, que inclui não só os neoconservadores mas também os conservadores normais, as fundações jurídicas conservadoras e os libertários de esquerda, adopta o mesmo axioma dos direitos civis e da igualdade”.
Esse caminho não pode levar à paz. Como Mises explica em “The Clash of Group Interests”, isso não é paz, mas sim a détente[1] desconfortável de pessoas preparando-se para atacar:
“Quando há paz, a razão não é, com certeza, o amor pela paz baseado em princípios filosóficos, mas o facto de que os grupos envolvidos ainda não terminaram os seus preparativos para a luta.”
A única maneira de sair desta espiral de morte é revogar todas as leis que protegem os interesses de grupos, a começar pelas leis dos direitos civis. A busca do bem do todo não pode ser alcançada criando ainda mais grupos especiais e dando aos grupos mais poder para proteger os seus interesses de “grupo especiais”. O único caminho para o bem de todos é a produtividade e a troca. Esta é a única maneira de evitar a aniquilação mútua assegurada[2]. Como Mises explica:
“O que torna possíveis as relações amigáveis entre os seres humanos é a maior produtividade da divisão do trabalho. Ela elimina o conflito natural de interesses. … Um interesse comum preeminente, a preservação e intensificação da cooperação social, torna-se primordial e oblitera todas as colisões essenciais.”
Isto mostra os fundamentos “Misesianos” do argumento contra os direitos civis.
- Détente: momento de relações diplomáticas e culturais, de apaziguamento do relacionamento e diminuindo o risco de conflito declarado [N. do T.]. ↩︎
- A tão badalada “M.A.D.”, que era um lugar-comum durante a Guerra Fria [N. do T.] ↩︎
Este artigo foi publicado originalmente no Mises Institute.