Até muito recentemente, os economistas do mercado livre não davam muita atenção às próprias entidades que estava a ser trocadas no mercado, mercado esse que defendem tão firmemente.
Envolvidos no funcionamento e nas vantagens da liberdade do comércio, do empreendimento, e do sistema de preços, os economistas tendem a esquecer das coisas que estão a ser trocadas no mercado.
Em resumo, quando compro um hula hoop por $1, aquilo que estou realmente a fazer é a trocar o meu título de propriedade do dólar, pelo de do hula hoop; o vendedor faz exactamente o contrário. Mas isto significa que as tentativas habituais dos economistas em serem wertfrei, ou pelo menos o de restringir a sua defesa dos processos de comércio e das trocas, não pode ser mantido. Pois se eu e o vendedor somos realmente livres para trocar o dólar pelo hula hoop sem interferência coerciva de terceiras partes, então isto apenas poderá ser feito se estes economistas proclamarem a justiça e a propriedade do meu título de titularidade original do dólar, e do hula hoop da do vendedor.
Em resumo, para um economista dizer que X e Y deverá ser livre para trocar o Bem A pelo Bem B sem ser perturbados por terceiras partes, ele deverá também dizer que X legitima e apropriadamente possui o Bem A e que Y legitima e apropriadamente possui o Bem B. Mas isto significa que os economistas de mercados livres devem ter uma qualquer teoria de justiça sobre os direitos de propriedade; estes dificilmente poderão dizer que X possui apropriadamente o Bem A sem asseverar uma qualquer teoria de justiça em defesa dessa titularidade.
Vamos supor, por exemplo, que quando estou prestes a comprar o hula hoop, chega a informação de que o vendedor roubou de facto o hula hoop de Z. Seguramente que nem mesmo o economista alegadamente wertfrei não poderá continuar cegamente a patrocinar a troca proposta dos títulos de propriedade entre mim e o vendedor. Pois agora descobrimos que o título de propriedade do vendedor, Y, é impróprio e injusto, e que ele será forçado a devolver a hoop a Z, o dono original. O economista apenas poderá então patrocinar a troca proposta entre eu e Z do hula hoop, em vez de com Y, pois ele tem que reconhecer Z como o verdadeiro proprietário da propriedade do hoop.
Em resumo, temos dois requerentes mutuamente exclusivos à titularidade do hoop. Se o economista concorda no patrocínio da venda apenas de Z do hoop, então está implicitamente a concordar que Z tem o direito justo ao hoop, e Y o injusto. E mesmo que o economista continue a defender a venda de Y, então ele estará implicitamente a manter uma outra teoria de títulos de propriedade: Nomeadamente, a de que o roubo se justifica. Seja o que for que decida, o economista não termina realmente quando proclama a injustiça ou o roubo e patrocina o título de propriedade de Z. Pois qual será a justificação de Z para o título de Z para o hoop? Será apenas porque ele é não ladrão?
Em anos recentes, os economistas de mercado livre R. Coase e H. Demsetz começaram a reclamar a atenção para o tema, e a realçar a importância de uma demarcação clara e precisa dos títulos de propriedade na economia de mercado. Demonstraram a importância dessa demarcação na alocação de recursos e no impedimento ou na compensação de uma indesejada imposição de “custos externos” das acções dos indivíduos. Mas Coase e Demsetz não desenvolveram qualquer teoria de justiça nestes direitos de propriedade; ou melhor, avançaram duas teorias: uma, a de que “não interessa” como é que aos títulos de propriedade são alocados, desde que sejam alocados precisamente; e, duas, que os títulos devem ser alocados de forma a minimizar os “custos sociais de transacção totais”, pois a minimização de custos é suposto ser uma forma wertfrei de beneficiar toda a sociedade.
Não há espaço aqui para uma crítica detalhada dos critérios de Coase-Demsetz. Será suficiente dizer que num conflito de títulos de propriedade entre um rancheiro e um agricultor pelo memo pedaço de terra, mesmo que a alocação do título “não interesse” para a alocação de recursos ( um ponto em si mesmo que pode ser confrontado), interessará de certo do ponto de vista do rancheiro e do agricultor. E segundo, de que é impossível medir os “custos sociais totais” se compreendermos em absoluto que todos os custos são subjectivos ao indivíduo e, dessa forma, não podem ser comparados interpessoalmente. Aqui o ponto importante é que Coase e Demsetz, juntamente com todos os economistas utilitários de mercado livre, deixam nas mãos do governo, implícita ou explicitamente, a definição e a alocação dos títulos de propriedade.
É um facto curioso que os economistas utilitários, em geral tão cépticos em relação às virtudes da intervenção do governo, ficam tão satisfeitos em deixar a base fundamental do processo de mercado – a definição dos direitos de propriedade e a alocação dos títulos de propriedade – totalmente nas mãos do governo. Presumivelmente fazem-no porque não têm uma teoria de justiça dos direitos de propriedade sua; e dessa forma, colocam o ónus da alocação dos títulos de propriedade nas mãos do governo.
Assim, se Smith, Jones e Doe possuem cada um propriedade e estão prestes a trocar os seus títulos, os utilitaristas asseguram simplesmente que se estes títulos são legais (ie, se o governo pôs o selo de aprovação sobre eles), então consideram-se esses títulos justificados. É apenas quando alguém viola a definição de legalidade (por exemplo, o caso de Y, o vendedor ladrão), que os utilitaristas estão desejosos em concordar com a perspectiva de todos e do governo da injustiça de tal acção. Mas isto significa, é claro, que, mais uma vez, os utilitaristas falharam no seu desejo em escapar em ter uma teoria de justiça sobre a propriedade. Realmente eles têm uma teoria dessas, e é tão simplista como esta: tudo aquilo que o governo fizer como legal está certo.
Tal como em muitas outras áreas da filosofia social, vemos, então, que os utilitaristas, no seu objectivo infrutífero em serem wertfrei, da abjuração “científica” de qualquer lei de justiça, realmente têm de facto uma teoria: nomeadamente, pondo o seu selo de aprovação em qualquer que seja o processo pelo qual o governo chega à sua alocação dos títulos de propriedade. Além disso, vemos que, como em muitas outras situações similares, os utilitários na sua busca vã pelo wertfrei concluem realmente ao defenderem o justo e o certo tudo aquilo que o governo decida; isto é, por defender cegamente o status quo.
Vamos considerar o selo utilitário de aprovação da alocação governamental dos títulos de propriedade. Será que este selo de aprovação poderá atingir até mesmo o objectivo limitado da alocação precisa e certa de títulos de propriedade? Suponhamos que o governo aprova os títulos existentes à sua propriedade detida por Smith, Jones, e Doe. Suponhamos, então, que uma facção do governo apela a uma confiscação desses títulos e à redistribuição dessa propriedade a Roe, Brown e Robinson. As razões para este programa podem emergir de um qualquer número de teorias sociais ou até mesmo do facto primário de que Roe, Brown e Robinson têm um poder político maior do que o trio original de donos. A reacção dos economistas de mercado livre e de outros utilitaristas é previsível: irão opor-se a esta proposta na base de que certos e definidos direitos de propriedade, sendo dessa forma benéficos socialmente, estão a ser ameaçados. Mas vamos supor que o governo, ignorando os protestos dos nossos utilitaristas, avança de qualquer maneira, e redistribui esses títulos de propriedade. Roe, Brown e Robinson são agora os proprietários legais e justos definidos pelo governo, enquanto que quaisquer reclamações a essa propriedade pelo trio original de Smith, Jones e Doe são consideradas impróprias e ilegítimas, se não mesmo subversivas. Qual será agora a reacção dos nossos utilitaristas? Deverá ser claro que, como os utilitaristas baseiam a sua teoria de justiça apenas sobre tudo aquilo que o governo define como legal, que não têm qualquer base de apoio para apelar a uma restauração da propriedade em questão aos seus donos originais. Estes podem apenas, querendo ou não, e apesar de uma qualquer relutância emocional da sua parte, em simplesmente patrocinar a nova alocação de títulos de propriedade como patrocinado e definido pelo governo. Não apenas os utilitaristas devem patrocinar o status quo dos títulos de propriedade mas também favorecer um qualquer status quo existente e independentemente do quão rápido seja a decisão do governo em mudar e redistribuir esses títulos. Além disso, ao considerarmos o registo histórico, podemos de facto dizer que ao confiarmos ao governo na guarda dos títulos de propriedade é o mesmo que pormos a proverbial raposa a guardar a capoeira.
Vemos, portanto, que a suposta defesa dos mercados livres e dos direitos de propriedade pelos utilitaristas e pelos economistas de mercado livre é de facto muito fraca. Na ausência de uma teoria de justiça que vá para lá do imprimatur existente do governo, os utilitaristas apenas podem concordar com qualquer mudança e desvio da alocação governamental após esta ocorrer, e é irrelevante o quanto arbitrária, rápida, ou politicamente motivada que essas mudanças possam ser. E como esta não fornece uma qualquer barreira firme às realocações governamentais da propriedade, os utilitaristas, numa análise final, não nos podem oferecer qualquer defesa real dos direitos de propriedade eles mesmos. Como a redefinições governamentais podem e são rápidas e arbitrárias, estas não nos podem dar qualquer certeza de longo prazo aos direitos de propriedade; e, assim, estes não nos podem sequer assegurar a própria eficiência económica e social que eles buscam. Tudo isto está implícito nas afirmações dos utilitaristas de que uma qualquer sociedade livre deverá confinar-se a quaisquer definições de títulos de propriedade a que o governo possa estar a favorecer no momento.
Vamos considerar um exemplo hipotético da falha da defesa utilitarista da propriedade privada. Suponhamos que de alguma forma o governo está convencido da necessidade de ceder ao clamor de uma sociedade de laissez faire, de mercados livres. Antes de se dissolver, porém, este redistribui títulos de propriedade, garantindo a posse de todo o território de Nova York à família Rockfeller, do Massachusetts à família Kennedy, etc. O estado dissolve-se, cessando a tributação e todas as outras formas de intervenção do governo à economia. Contudo, embora a tributação tenha sido abolida, as famílias Rockfeller, os Kennedy, etc, prosseguem na pronunciação a todos os residentes naquilo que é agora o “seu” território, exactamente aquilo que é agora chamado de “rendas” sobre todos os seus habitantes.
Parece claro que os nossos utilitaristas não poderiam ter qualquer equipamento intelectual com o qual desafiar esta nova instância; de facto, estes teriam que favorecer as holdings dos Rockfeller, os Kennedy, etc, como “propriedade privada”, igualmente merecedores do apoio como os títulos de propriedade comuns que tinham favorecido apenas há uns meses atrás. Tudo isto porque os utilitaristas não têm qualquer teoria de justiça sobre a propriedade para lá do favorecimento de um qualquer status quo que possa existir.
Considere-se, além disso, a caixa grotesca na qual o proponente utilitário se põe em relação à instituição da escravidão humana. Ao contemplar a instituição da escravatura, e o mercado “livre” que existia na compra, venda, e no aluguer de escravos, o utilitário que se apoia na definição legal da propriedade, pode apenas favorecer a escravatura na base de que os donos dos escravos compraram os seus títulos de escravos legalmente e em boa fé. Seguramente que, um qualquer favorecimento de um mercado “livre” de escravos indica a inadequação dos conceitos utilitaristas de propriedade, e da necessidade e uma teoria de justiça que forneça uma estrutura para os direitos de propriedade e uma crítica aos títulos oficiais existentes de propriedade.
PARA UMA TEORIA DE JUSTIÇA NA PROPRIEDADE
O utilitarismo não pode ser apoiado como uma estrutura para os direitos de propriedade, ou, à fortiori, para uma economia de mercado livre. Uma teoria de justiça deve ser atingida que vá para lá das alocações governamentais dos títulos de propriedade, e que possa, dessa forma, servir como uma base para criticar essas alocações. Obviamente, neste espaço apenas posso delinear aquilo que considero ser a teoria correcta de justiça nos direitos de propriedade. Esta teoria tem duas premissas fundamentais:
1. O direito absoluto de cada indivíduo à sua própria pessoa, ao seu corpo; este poderá ser chamado de o direito da posse própria; e
2. O direito absoluto na propriedade material da pessoa que encontra em primeiro lugarum recurso material não usado e que depois de alguma forma o ocupa e o transforma através do uso da sua energia pessoal.
Esta última poderá ser chamado o princípio homestead – o caso em que alguém, na frase de John Locke, “misturou o seu trabalho” com um recurso não usado. Deixemos Locke sumariar estes princípios:
Todo o homem tem a propriedade da sua pessoa. A este ninguém tem o direito, se não ele mesmo. O trabalho do seu corpo e o trabalho das suas mãos, podemos dizer, são apropriadamente seus. Tudo aquilo, pois, que ele retire do estado de que a natureza providenciou, ele misturou trabalho com este, e juntou algo seu, e dessa forma faz deste sua propriedade. Ao ser removido do estado comum natural, ele através do seu trabalho anexou algo a este que exclui o direito comum a este a outros homens.
Consideremos o primeiro princípio: o direito à posse própria. Este princípio assegura o direito absoluto de cada homem, pela virtude de ser um ser humano, a “possuir” o seu próprio corpo; isto é, o de controlar esse corpo livre de interferências coercivas. Como a natureza do homem é de tal forma que cada indivíduo deve usar a sua mente para aprender sobre si mesmo e sobre o mundo, seleccionar valores, e de escolher fins e meios de forma a sobreviver e a prosperar, o direito à posse própria dá a cada homem o direito a desempenhar essas actividades vitais sem ser dificultado e restringido por uma moléstia coerciva.
Consideremos, então, as alternativas – as consequências de negar a cada homem o direito de possuir a sua própria pessoa. Existem apenas duas alternativas; das duas uma, ou:
1. Uma certa classe de pessoas, A, tem o direito de possuir uma outra classe, B, ou
2. Toda a gente tem o direito de possuir a sua quota-parte igual de todos os outros.
A primeira alternativa implica que, enquanto a classe A merece os direitos de um ser humano, a classe B é na realidade sub humana e não merece assim esses direitos. Mas como são de facto seres humanos, a primeira alternativa contradiz-se ao negar direitos naturais a um conjunto de seres humanos. Além disso, ao permitir que a classe A possua a classe B significa que à primeira é permitido explorar e, assim, viver parasitariamente em detrimento da última; mas como a economia nos pode ensinar, o parasitismo viola o requerimento básico da sobrevivência humana: a produção e a troca.
A segunda alternativa, a que podemos chamar “comunalismo participatório” ou “comunismo”, defende que cada homem deverá ter o direito a sua quota igual sobre todos os outros. Se existem 3 biliões de pessoas no mundo, então todos têm o direito a possuir 1/ 3 biliões de cada pessoa. Em primeiro lugar, este ideal repousa num absurdo – defender que cada homem está intitulado a possuir uma parte de todos os outros e no entanto não está intitulado a ser dono de si mesmo. Segundo, podemos imaginar a viabilidade desse mundo – um mundo em que nenhum homem é livre e tomar qualquer acção sem uma aprovação prévia ou de facto uma ordem e todos os outros da sociedade. Deverá ser claro que neste tipo de mundo “comunista”, ninguém deverá ser capaz de fazer nada, e a raça humana iria rapidamente desaparecer. Mas se num mundo de propriedade própria nula e de 100% propriedade sobre os outros é o reflexo da morte da raça humana, então quaisquer medidas nessa direcção contradizem também a lei natural daquilo que é melhor para o homem e da sua vida na terra.
Finalmente, no entanto, o mundo do comunista participatório não poderia ser posto em prática. É fisicamente impossível que todos ponham marcas contínuas sobre todos os outros e, dessa forma, exercer a sua quota igual de propriedade parcial sobre todos os outros homens. Na prática, então, qualquer tentativa de instituir a propriedade universal e igual entre todos é utópica e impossível, e a supervisão e, daí, o controlo e a posse de outros devolveria necessariamente a um grupo especializado de pessoas que dessa forma se tornaria uma “classe dominante”. Assim, na prática, qualquer tentativa para uma sociedade comunista tornar-se-á automaticamente um domínio de classe, e voltaríamos à nossa primeira alternativa já rejeitada.
Concluímos, pois, com a premissa de direito absoluto universal de propriedade própria como o nosso primeiro princípio de justiça em propriedade. Este princípio, é claro, rejeita automaticamente a escravidão como totalmente incompatível com o nosso direito primário.
Viremo-nos agora para o caso mais complexo da propriedade sobre os objectos materiais. Pois mesmo que cada homem tenha o direito à propriedade própria, as pessoas não são fantasmas flutuantes; não são entidades auto subsistentes. Estas apenas podem sobreviver e florescer ao lidarem com a terra à sua volta. Devem, por exemplo, manter-se em vastas áreas; devem também, de forma a sobreviverem, transformar os recursos dados pela natureza em “bens de consumo”, em objectos mais adequados para o seu uso e consumo. A comida deverá ser cultivada e consumida, os minerais deverão ser extraídos e transformados em capital, e finalmente em bens de consumo úteis, etc. O homem, por outras palavras, deverá possuir não só a sua própria pessoa, mas também objectos materiais para o seu controlo e uso. Como deverão ser alocados, então, os títulos de propriedade destes objectos?
Vamos considerar, como o nosso primeiro exemplo, o caso de um escultor moldando uma obra de arte em barro e de outros materiais, e vamos assumir simplesmente neste momento que ele possui estes materiais enquanto debatemos a questão da justificação da sua propriedade. Examinemos a questão: quem deverá possuir a obra de arte que emergirá da moldagem do escultor? A escultura é, de facto, uma “criação” do escultor, não no sentido de que ele terá criado matéria de novo, mas no sentido em que terá transformado matéria dada pela natureza – o barro – numa outra forma dirigida pelas suas ideias e moldada pelas suas mãos e energia. Seguramente será rara a pessoa que, pondo o caso desta forma, dissesse que o escultor não tem o direito de propriedade ao seu próprio produto. Pois se cada homem tem o direito de possuir o seu próprio corpo, e se ele deverá lidar com os objectos materiais do mundo de modo a sobreviver, então o escultor tem o direito de possuir o produto que fez, pela sua energia e esforço, uma verdadeira extensão da sua própria personalidade. Ele pôs o selo da sua pessoa sobre a matéria-prima ao “misturar o seu trabalho” com o barro.
Como no caso da propriedade dos corpos das pessoas, temos de novo 3 alternativas lógicas:
1. Ou o transformador, o “criador”, tem o direito de propriedade à sua criação; ou
2. Outro homem ou conjunto de homens têm o direito de a apropriar pela força sem o consentimento do escultor; ou,
3. A solução “comunal” – cada indivíduo no mundo tem uma quota igual na propriedade da escultura.
De novo, posto rudemente, existirão poucas pessoas que não anuíssem na injustiça monstruosa da confiscação da propriedade do escultor, seja por um ou mais do que um, ou pelo mundo como um todo.
Mas o caso do escultor não é qualitativamente diferente de todos os casos de “produção”. Os homens ou o homem que extraíram o barro do chão e que o venderam ao escultor eram também produtores; também eles misturaram as suas ideias e a sua energia e o seu saber tecnológico com os materiais dados pela natureza para os transformar em bens e serviços mais úteis. Todos os produtores são, pois, intitulados à propriedade do seu produto.
A cadeia de produção material recua logicamente, então, dos bens de consumo e das obras de arte aos primeiros produtores que reuniram ou minaram o solo e os recursos dados pela natureza para os usar e transformar através dos meios da sua energia pessoal. E o uso do solo recua logicamente à propriedade original pelos primeiros utilizadores dos recursos previamente não possuídos, não usados, virginais, e dados pela natureza. Citemos de novo Locke:
Nmknjkdfnmkdv,mam.z,çlkdv,ealf,çklç,ºçlºçlºçºç
Falta tradução!!!!!!!
Se cada homem possui a sua pessoa e dessa forma o seu próprio trabalho, e se por extensão ele possui uma qualquer propriedade material que tenha “criado” ou colhido do “estado da natureza” previamente não usado, e sem proprietário, então teremos logicamente a questão derradeira: quem terá o direito à própria terra? Em resumo, se o semeador tem o direito de possuir as espigas ou as amoras que colhe, ou o agricultor o direito a possuir a sua colheita de trigo ou pêssegos, quem tem o direito de possuir a terra onde estas coisas crescem? É neste ponto que Henry George e os seus discípulos, que foram tão longe como nós na nossa análise, saíram do rumo e negaram o direito individual à posse de um próprio pedaço de terra, a base onde estas actividades decorrem. Os Georgianos defendem que, embora todos os homens deverão possuir os bens que produz ou que cria, como a Natureza ou Deus cria a própria terra, nenhum individuo tem o direito de assumir o direito de posse a essa terra.
E contudo, de novo, estamos confrontados com as nossas 3 alternativas lógicas: ou a terra pertence ao pioneiro, o primeiro utilizador, o homem que em primeiro lugar a traz à produção; ou esta pertence a um grupo de outros, ou pertence ao mundo como um todo, em que cada individuo possui uma quota-parte igual e cada acre de terra. A opção de George pela última solução não resolve o seu problema moral: pois se a própria terra deverá pertencer a Deus ou à Natureza, então porque é que é mais moral que cada acre do mundo deva ser possuído pelo mundo como um todo, do que a concessão da propriedade individual? Na prática, de novo, é obviamente impossível para cada pessoa do mundo exercer a sua propriedade da sua porção de 3 biliões de cada acre da superfície da terra; na prática, uma pequena oligarquia teria o controlo e a posse, em vez do mundo como um todo.
Mas à parte destas dificuldades da posição Georgiana, a nossa proposta de justificação pela propriedade da terra, é a mesma da justificação da propriedade original de toda a propriedade. Pois como indicámos, os produtores não “criam” realmente a matéria; ele toma a matéria dada pela natureza e transforma-a através da sua energia pessoal de acordo com as suas ideias e visão. Mas é isto precisamente aquilo que o pioneiro faz – o “homesteader” – quando toma terra ainda não utilizada na sua propriedade privada. Tal como o homem que faz aço a partir do minério de ferro transforma esse ferro a partir da sua sabedoria e com a sue energia, e tal como o homem que retira o ferro do chão faz o mesmo, também o homesteader que limpa, estaca, cultiva, ou constrói na terra. Também o homesteader transformou o carácter e a utilidade do solo dado pela natureza pelo seu trabalho e pela sua personalidade. O homesteader é tanto o legítimo proprietário da propriedade tal como o escultor ou o fabricante, ele é tão “produtor” como os outros.
E para mais, se um produtor não estiver intitulado aos frutos do seu trabalho, quem estará? Será difícil ver porque é que um recém nascido bebé Paquistanês deverá um direito moral a uma quota parte da posse de um pedaço da terra do Iowa, que alguém terá agora transformado num campo de trigo e vice versa, é claro, para um bebé do Iowa e uma terra Paquistanesa. A terra no seu estado original não está usada e não apropriada. Os Georgianos e outros comunalistas da terra podem alegar que é a população do mundo inteiro que a possuem verdadeiramente, mas se ninguém ainda a usou, não é num sentido real possuída ou controlada por ninguém. O pioneiro, o homesteader, o primeiro utilizador e o transformador da sua terra, é o homem que em primeiro lugar traz esta coisa sem valor para a produção e uso. É difícil ver a justiça de o privar da propriedade em favor de pessoas que nunca estiveram nem perto, nem dentro de 1000 milhas da terra, e que possam nem sequer saber da existência da propriedade sobre a qual é suposto terem uma reclamação. É ainda mais difícil ver a justiça de um grupo de oligarcas de fora a possuir a propriedade, em detrimento da expropriação do criador ou do homesteader que trouxe originalmente o produto à sua existência.
Finalmente, ninguém poderá produzir nada sem a cooperação de terra assente, se não for apenas como espaço de estar. Ninguém poderá produzir ou criar nada apenas com o seu trabalho; ele deverá ter a cooperação da terra e de outras matérias-primas naturais. O homem vem ao mundo apenas consigo mesmo e com o mundo à sua volta – a terra e os recursos naturais dado-lhes a ele pela natureza. Ele toma esses recursos e transforma-os pelo seu trabalho e sua mente e energia em bens mais úteis ao homem. Assim, se um indivíduo não pode possuir chão térreo original, nem poderá ele em sentido pleno possuir todos os frutos do seu trabalho. Logo que o seu trabalho se liga inextrincavelmente com a terra, ele não poderá ser privado de um, sem ser privado do outro.
O tema moral em causa aqui é ainda mais claro se considerarmos o caso dos animais. Os animais são “terra económica”, pois são recursos naturais dados pela natureza. No entanto, será que alguém pode negar a titularidade completa de um cavalo ao homem que o encontra e o domestica? Isto não é diferente das espigas e das amoras que são em geral concedidas ao semeador. Contudo também na terra, o homesteader toma a terra que previamente era “bravia” e não domesticada, e “doma-a” ao pô-la no seu uso produtivo. Misturar o trabalho com locais de terra deverá dar-lhe um título tão definido como no caso dos animais.
Dos nossos dois axiomas básicos, o direito à posse própria e ao direito de cada homem em possuir recursos naturais previamente não usados que ele apropria e transforma pela primeira vez pelo seu trabalho – todo o sistema de justificação para os direitos de propriedade pode ser deduzido. Pois se alguém possui justamente a terra e a propriedade que encontra e cria, então ele tem o direito, é claro, de trocar essa propriedade pela propriedade de alguém que similarmente a adquiriu de forma justa. Isto estabelece o direito das trocas livres de propriedade, bem como o direito de dar a propriedade a alguém que concorda em recebê-la. Assim, X pode possuir a sua pessoa e o trabalho e a quinta onde cultiva trigo; Y possui o peixe que pescou; Z possui as couves que cultivou e a terra respectiva. Mas então X tem o direito de trocar algum do seu trigo por algum peixe de Y (se este concordar), ou das couves de Z; e quando X e Y fazem um acordo voluntário para trocar trigo por peixe, então esse peixe torna-se na propriedade justamente apropriada de X, para fazer tudo aquilo que ele bem entender, e o trigo na propriedade justamente apropriada de Y, exactamente da mesma forma. E para mais, um homem pode trocar, é claro, trocar os objectos tangíveis que possua, mas também do seu trabalho, o qual também possui, é claro. Assim, Z pode vender os seus serviços de trabalho para ensinar os filhos de agricultor X em troca dos produtos da quinta de X.
Acabámos de estabelecer assim a justificação do direito de propriedade para o processo dos mercados livres. Pois a economia de mercados livres, tão complexo como parece ser na aparência, não é nada mais do que uma vasta rede de trocas voluntárias e mutuamente aceites de títulos de propriedade entre duas pessoas ou duas partes, tais como aquelas que acabámos de ver entre as trocas do agricultor do seu trigo por moeda. O trigo é comprado pelo moleiro que o processa e transforma em farinha. O moleiro vende o pão ao armazenista, que por sua vez o vende aos retalhistas, que finalmente o vende ao consumidor. No caso do escultor, este compra o barro e as ferramentas dos produtores que escavaram o barro do chão, ou daqueles que o compraram aos mineiros originais, e comprou as suas ferramentas dos fabricantes que, por sua vez, compraram as matérias primas aos mineiros de minério de ferro.
Como a moeda entra na equação é um processo complexo, mas deverá ser claro que, conceptualmente, o uso da moeda é equivalente a qualquer bem útil que é trocado por trigo, farinha, etc. Em vez de moeda, o bem trocado poderia ser tecido, ferro, ou qualquer outra coisa. A cada passo, trocas mutuamente benéficas de títulos de propriedade – em bens, serviços, ou moeda – são acordados e transaccionados.
E sobre a relação entre capital e trabalho? Aqui, também, como no caso do professor que vende os seus serviços ao agricultor, o trabalhador vende os seus serviços ao fabricante que comprou o minério de ferro ou do despachante que comprou madeira aos madeireiros. O capitalista desempenha a função de poupador de dinheiro para comprar matérias-primas, e depois paga aos trabalhadores antes da venda do produto aos clientes eventuais.
Muitas pessoas, incluindo utilitaristas defensores do mercado livre tais como John Stuart Mill, desejam conceder na propriedade e na justiça (se não são utilitaristas) do produtor em possuir e em colher os frutos do seu trabalho. Mas imobilizam-se num ponto: na transmissão hereditária. Se Roberto Clemente é um futebolista dez vezes melhor e mais “produtivo” do que Joe Smith, estes concedem na justiça de Clemente ganhar dez vezes mais; mas qual é, perguntam, a justificação para alguém cujo único mérito é ter nascido um Rockfeller, de herdar mais riqueza do alguém que nasce um Rothbard?
Existem várias respostas que podem ser dadas a esta questão. Por exemplo, o facto natural é que cada indivíduo deve, por necessidade, nascer em diferentes condições, em diferentes locais e tempos, e de pais diferentes. Igualdade de nascimento ou de criação é, pois, uma quimera impossível. Mas no contexto da nossa teoria de justiça nos direitos de propriedade, a resposta é a de nos focarmos não no recipiente – não na criança Rockfeller ou na criança Rothbard – mas concentrarmo-nos no dador, no homem que confere a herança. Pois se Smith, Jones e Clemente têm o direito ao seu trabalho e à sua propriedade e a de trocar os títulos desta propriedade pela propriedade similarmente obtida de outros, então têm também o direito de dar a sua propriedade a quem quer que seja. O ponto não é o direito de “herança” mas o direito de outorgar, um direito que deriva do título de propriedade em si mesmo. Se Roberto Clemente possui o seu trabalho e o dinheiro que recebe por aquele, então ele tem o direito de dar esse dinheiro ao bebé Clemente.
Equipados com uma teoria de justiça dos direitos de propriedade, vamos agora aplicá-la à questão frequentemente controversa de como devemos encarar os títulos existentes de propriedade.
PARA UMA CRÍTICA DOS TÍTULOS DE PROPRIEDADE EXISTENTES
Entre aquele que apelam para a adopção de um sistema de mercados livres e uma sociedade livre, os utilitaristas, como seria de esperar, desejam validar todos os títulos de propriedade existentes, definidos dessa forma pelo estado. Mas vimos a desadequação desta posição, e mais claramente no caso da escravidão, mas igualmente na legitimação que dá a quaisquer actos de confiscação ou de redistribuição governamentais, incluindo a nossa posse hipotética “privada” da área territorial de um Estado dos Rockefeller e dos Kennedy. Mas que redistribuição dos títulos existentes estaria implícita pela adopção da nossa teoria de justiça da propriedade, ou de qualquer tentativa de pôr esta teoria em prática? Não será verdade, como algumas pessoas acusam, que todos os títulos de propriedade existentes, ou pelo menos os títulos da terra, foram o resultado de concessões do governo e de redistribuição coerciva? Seriam todos os títulos de propriedade, assim, confiscados em nome da justiça? E a quem seriam entregues esses títulos?
Vamos tomar em primeiro lugar o caso mais fácil: onde a propriedade existente tenha sido roubada, reconhecida pelo governo (e dessa forma, pelos utilitaristas), bem como pela nossa teoria de justiça. Em breve, suponhamos que Smith roubou um relógio de Jones. Neste caso, não há dificuldade em intimar Smith para desistir do relógio e o devolver ao seu dono verdadeiro, Jones. Mas e quanto aos casos mais difíceis – em resumo, onde os títulos de propriedade existentes são ratificados pela confiscação Estatal de uma vítima anterior? Isto pode-se aplicar seja a dinheiro, ou especialmente a títulos rústicos, pois a terra é constante, identificável, uma quota-parte fixa da superfície da terra.
Vamos supor, primeiro, por exemplo, que o governo tomou seja terra ou dinheiro de Jones através de coacção ( seja através de tributação ou de uma redefinição forçada de propriedade) e entregou a terra a Smith ou, em alternativa, ratificou o acto directo da confiscação de Smith. O que diria agora a nossa política de justiça? Diríamos, de acordo com a perspectiva geral sobre o crime, que o agressor e o dono injusto, Smith, deve abdicar do título de propriedade (seja ele terra ou dinheiro), e de o devolver ao seu justo proprietário, Jones. Assim, no caso de um dono identificável injusto e de uma vítima identificável ou um dono justo, o caso é claro: a restauração à vítima da sua propriedade legítima. Smith, é claro, não deverá ser compensado por esta restituição, pois a compensação seria imposta injustamente sobre a própria vítima ou sobre corpo geral dos contribuintes. De facto, existe um caso ainda maior para um castigo suplementar a Smith, mas não tenho espaço para desenvolver aqui uma teoria de castigo para o crime e agressão.
Suponhamos, em seguida, um segundo caso, no qual Smith roubou um pedaço de terra de Jones mas Jones morreu; este deixa, contudo, um herdeiro, Jones II. Neste caso, procedemos como anteriormente; existe ainda o agressor identificável, Smith, e o herdeiro identificável da sua vítima, Jones II, que agora é o dono legítimo da herança do título. De novo, Smith deverá abdicar da terra e devolvê-la a Jones II.
Mas vamos supor um terceiro caso, mais difícil. Smith é ainda o ladrão, mas Jones e toda a sua família e herdeiros desapareceram, seja por acção do próprio Smith, ou pelo curso natural dos acontecimentos. Jones é intestamentado; o que deverá acontecer então à propriedade? O primeiro princípio é que Smith, ao ser o ladrão, não pode manter os frutos da sua agressão; mas nesse caso, a propriedade torna-se de ninguém e fica “para quem a agarrar”, da mesma forma que qualquer lote de propriedade não usada. O princípio “homestead” torna-se aplicável no sentido em que o primeiro utilizador ou ocupante da nova propriedade declarada não usada torna-se o dono justo e legítimo. A única estipulação é a de o próprio Smith, sendo o ladrão, não é elegível para este homesteading.
Suponhamos um quarto caso, e um em geral mais relevante para os problemas dos títulos rústicos no mundo moderno. Smith não é ladrão, nem recebeu directamente a terra através de uma garantia do governo; mas o seu título deriva do seu antepassado, que se apropriou injustamente do título da propriedade; o antepassado, Smith I, digamos, roubou a propriedade de Jones I, o dono legítimo. Qual deverá ser a disposição da propriedade agora? A resposta, na nossa opinião, depende totalmente se os herdeiros de Jones, os substitutos das vítimas identificadas, ainda existem. Vamos supor que, por exemplo, Smith VI possui “legalmente” a terra, mas que Jones VI existe ainda e é identificável. Então teríamos que dizer que, embora o próprio Smith VI não seja um ladrão e não seja punível como tal, o seu título à terra, sendo derivado somente da herança passada de Smith I, não lhe dá uma titularidade verdadeira, e que ele, também, deverá abdicar da terra – sem compensação – e devolvê-la às mãos de Jones VI.
Mas, poderá ser protestado, e então acerca dos melhoramentos que os Smiths II-VI podem ter feito à terra? Será que Smith VI merecerá compensação por estes acrescentos legítimos à terra legítima recebida por Jones I? A resposta depende da mobilidade ou da separabilidade destas melhorias. Suponhamos, por exemplo, que Smith rouba um carro de Jones e vende-o a Robinson. Quando o carro é apreendido, então Robinson, embora tenha comprado o carro em boa fé de Smith, não está intitulado como Smith a este, e assim, deverá abdicar do carro a favor de Jones sem compensação. (ele foi defraudado por Smith e deverá tentar extrair uma compensação de Smith, e não da vítima Jones). Mas suponhamos que Robinson, entretanto, fez melhorias ao carro? A resposta dependerá se estas melhorias são ou não separáveis do próprio carro. Se, por exemplo, Robinson instalou um rádio novo que não existia anteriormente, então terá certamente o direito de o retirar antes de devolver o carro a Jones. Igualmente, no caso da terra, na medida em que Smith VI melhorou simplesmente a própria terra e misturou inextrincavelmente os seus recursos com esta, não há nada que ele possa fazer; mas se, por exemplo, Smith VI ou os seus antepassados construíram novos edifícios na terra, então ele deverá ter o direito de demolir ou de retirar esses edifícios antes de devolver a terra a Jones VI.
Mas se Smith I roubou de facto a terra de Jones I, mas todos os descendentes ou herdeiros de Jones estão perdidos e não podem ser encontrados? Qual deverá ser o estatuto da terra agora? Neste caso, como Smith VI não é ele próprio um ladrão, ele torna-se no dono legítimo da terra na base do nosso princípio homestead. Pois se a terra é “não usada” e é para quem a agarrar, então o próprio Smith VI esteve a ocupá-la e a usá-la e, assim, ele torna-se o dono justo e legítimo na base homestead. Além disso, todos os seus descendentes estão clara e devidamente intitulados na base de que são seus herdeiros.
É claro, pois, que mesmo que demonstremos que a origem da maior parte dos títulos existentes da terra for a coacção e o roubo, os proprietários existentes são ainda os donos justos e legítimos se:
a. Que eles próprios não iniciem a agressão, e
b. Que não se encontrem herdeiros identificáveis das vítimas originais.
Na maior parte dos casos dos títulos de terra de hoje em dia será este provavelmente o caso. A fortiori, é claro, se simplesmente não sabemos se os títulos originais foram ou não adquiridos através de coacção, então o nosso princípio homestead dá aos proprietários da terra de agora o benefício da dúvida, e estabelece-os também como os donos justos e legítimos. Assim, o estabelecimento da nossa teoria de justiça dos títulos de propriedade não costuma levar a uma devolução por completo da terra agrícola.
Nos EUA, somos algo afortunados, pois escapámos, em grande medida, à contínua agressão aos títulos rústicos. É verdade que originalmente a Coroa Inglesa dava injustamente títulos de terra a pessoas favorecidas (por exemplo, o território aproximado do Estado de New York foi dado ao Duque de York), mas felizmente esses outorgantes estavam suficientemente interessados em receitas rápidas e subdividiam e vendiam as suas terras aos colonos actuais. Logo que os colonos compraram a sua terra, os seus títulos eram legítimos, e foram assim os títulos que herdaram ou compraram. Mais tarde, o governo dos EUA arrogou-se infelizmente no direito de reclamar toda a terra virgem como “domínio público”, e vendeu injustamente assim a terra a especuladores que não tinham ganho um título homestead. Mas eventualmente estes especuladores venderam a terra aos colonos actuais, e daí para a frente, o título da terra era justo e legítimo.
Na América do Sul e em grande parte do mundo sub desenvolvido, contudo, as coisas são consideravelmente diferentes. Pois aqui, em muitas áreas, um estado invasor conquistou as terras dos camponeses, e depois parcelaram essas terras e entregaram-nas a vários senhores da guerra como seus feudos “privados”, e daí prosseguiram na extracção de “rendas” dos camponeses desamparados. Os descendentes dos conquistadores presumem ainda ter a posse da terra lavrada pelos descendentes dos camponeses originais, pessoas com um direito claro e justo à posse da terra. Nesta situação a justiça exige a desocupação da terra por estes latifundiários “coercivos” e “feudais”, ( que estão numa posição equivalente aos nossos hipotéticos Rockfellers e Kennedys ), e a devolução dos títulos de propriedade, sem compensação, aos camponeses individuais que são os “verdadeiros” donos da sua terra.
Muito do ímpeto para a “reforma agrária” do campesinato do mundo sub desenvolvido é motivado precisamente pela aplicação instintiva da nossa teoria de justiça: a compreensão do facto de que a terra que cultivam há gerações é a “sua” terra e que a reclamação do senhorio é coerciva e injusta. É irónico que, nestes numerosos casos, a única resposta dos defensores utilitários dos mercados livres é a defesa dos títulos de terra existentes, independentemente da sua injustiça, e de dizer ao campesinato para se manter quieto e para “respeitar a propriedade privada”. Como os camponeses estão convencidos que a propriedade é sua, não é de admirar que não fiquem impressionados; mas como encontram os supostos campeões da defesa dos direitos de propriedade e do capitalismo de mercado livre como os seus inimigos mais fieis, estes são forçados, geralmente, para os únicos grupos organizados que, ao menos retoricamente, defendem as suas reclamações, e que estão dispostos a desenvolver as rectificações requeridas dos títulos de propriedade: os socialistas e os comunistas.
Em resumo, de uma simples consideração utilitária das consequências, os defensores de mercado livre utilitaristas falharam profundamente no mundo subdesenvolvido, o resultado da sua ignorância do facto de que outros, para além deles, por mais inconvenientes que sejam, têm de facto uma paixão pela justiça. É claro que, após a tomada de poder dos socialistas e comunistas, estes fazem o seu melhor para colectivizar a terra agrícola, e uma das batalhas principais da sociedade socialista é do Estado versus o campesinato. Mas até aqueles camponeses que estão conscientes da duplicidade socialista sobre a questão agrícola podem ainda sentir que pelo menos com os socialistas e os comunistas têm pelo menos uma hipótese de luta. E por vezes, é claro, os camponeses conseguem ganhar e forçar os regimes comunistas a manterem-se de fora da sua recente propriedade privada conquistada: notavelmente nos casos da Polónia e da Jugoslávia.
A defesa utilitária do status quo será pois menos viável – e, assim, o menos utilitário – naquelas situações onde o status quo é mais escandalosamente injusto. Como frequentemente acontece, bem mais do que os utilitaristas admitirão, a justiça e a utilidade genuína estão agregadas.
Para sumariar, todos os títulos de propriedade existentes podem ser considerados justos sob o princípio homestead, desde que:
a. Que não haja nunca propriedade nas pessoas. ?????
b. Que o dono da propriedade existente não roubou ele próprio a propriedade; e particularmente
c. Que a qualquer dono identificável justo (a vítima original do roubo ou o seu herdeiro), deverá ser devolvida a sua propriedade.
Ensaio publicado originalmente em no Mises Institute.