A economia, segundo Mises(2010, p. 287), é uma ciência geral que estuda a ação humana, à qual dá o nome de praxeologia, que se refere especificamente à epistemologia da economia. A ação começa com o desejo de suprimir um determinado desconforto. Neste caso não importa se a motivação da ação é psicológica, ética ou fisiológica. A tarefa da economia é lidar com os preços dos bens que são cobrados e pagos nas transações do mercado. Um aspeto importante é que o estudo da ação pode ter conexões morais ou psicológicas, sendo indiferentes para o estudo da economia. O estudo da cataláxia é todos os fenómenos do mercado, incluindo todas as raízes, ramificações e consequências, ou seja, a cataláxia é a análise das ações que conduzem ao cálculo económico. As pessoas no mercado não estão motivadas pela comida ou pelo vestuário, mas por desejos de natureza ideal. O agente não está interessado em bens materiais, mas em bens ideais. Para poder escolher, é necessário delimitar as escalas de valor. Não existem razões epistemológicas ou de natureza lógica que declarem a natureza da economia. Os socialistas consideram que o cálculo económico não é infalível, pois às vezes os capitalistas enganam-se nos seus cálculos. Pois a ação humana está voltada para o futuro que é sempre incerto. O cálculo que se efetua é o conhecimento atual, a previsão que se faz hoje de uma situação futura. Num sistema socialista, o órgão diretor não tem como base, através do seu julgamento de valor, a sua própria previsão da situação futura(Mises, 2010, p. 797).
Sempre que os seres humanos escolherem uma ação em detrimento de outra, realizam um juízo de valor com vista à satisfação das necessidades. As avaliações só ocorrem dentro de alguma unidade, sendo impossível a avaliação do valor subjetivo (Mises, 2012, p. 23). Numa economia de trocas voluntárias, o cálculo económico é baseado nos participantes da troca; na avaliação de acordo com a unidade de conta definida (Mises, 2012, p. 24).
“Uma construção imaginária é uma imagem conceitual de uma série de eventos resultantes, como consequência lógica, dos elementos de ação empregados na sua formação” (Mises, 2010, p. 291). A conclusão da ação é delimitada pela rejeição ou pela preferência. Um aspeto que é descurado é o facto de perceber se o sistema imaginário é real ou não. Na verdade, as construções imaginárias podem ser impossíveis na prática, sendo indispensáveis para a compreensão da realidade. As experiências imaginárias apenas podem resultar no auxílio do homem quando não podem ser realizadas pelos sentidos. Para conceber uma construção imaginária é necessária a abstração da ação real.
“Assim fazendo, podemos tentar entender as hipotéticas consequências da ausência dessas condições e conceber os efeitos de sua existência. Portanto, concebemos a categoria ação construindo uma situação imaginária na qual seria inconcebível agir, seja porque o indivíduo estaria plenamente satisfeito e não sente nenhum desconforto, seja porque desconhece qualquer procedimento que permitisse incrementar o seu bem-estar (seu estado de satisfação)” (Mises, 2010, p. 292).
É certo que o método das construções imaginárias pode resultar em silogismos falaciosos, quando não é interpretado corretamente. Uma economia de mercado real é uma economia não obstruída que pressupõe a existência da divisão do trabalho e da propriedade privada dos meios de produção, que resulta na troca de bens e serviços no mercado. A ausência de obstrução resulta em fatores institucionais, como por exemplo o governo quando intervém na economia está a obstruir o mercado. Entende-se o mercado como livre, quando não há interferência de fatores externos.
No contexto de mercado, a ação refere-se a comprar e vender. Quando se aborda a questão dos preços, o vendedor deseja vender ao preço mais elevado e o comprador deseja pagar menos pelos produtos. Os comerciantes estão sujeitos ao que os consumidores desejam.
As pessoas trocam os bens até não terem mais nenhum objeto para trocar. A economia de mercado é o grande local para a existência das trocas. O preço de mercado é um fenómeno real existente numa relação de troca, pela qual foram feitas as transações.
Para se compreender a economia de mercado, é necessário fazer a distinção metodológica entre a Escola Austríaca (EA) e a de tradição neoclássica, ou seja, mesmo naqueles autores que se pensa que são liberais (exceto os igualitários e sociais) e os libertarianistas há diversas diferenças metodológicas. As diferenças são 1) na Escola Austríaca – versão de Mises e Rothbard – parte da teoria da ação humana (praxeologia); na escola de tradição neoclássica é a teoria da decisão e o paradigma da racionalidade; 2) na perspetiva metodológica a EA defende o subjetivismo e o paradigma neoclássico assenta no estereótipo do individuo metodológico, objetivo; 3) paradigma dos processos sociais na EA refere-se com o empreendedor criativo e no âmbito neoclássico o homo economicus; 4) na EA existem erros empresariais puros, que poderiam ter sido evitados com perspicácia empresarial, no paradigma neoclássico não são admitidos erros, tudo é desenvolvido por paradigmas racionais de custo e benefício; 5) o ponto de referência na EA baseia-se na tendência coordenadora, não distinguindo a micro e a macro economia, visto que todos os problemas económicos podem ser estudados de forma inter-relacionada e, no paradigma neoclássico separa-se a micro da macro economia; 6) sobre a concorrência na EA é através de um processo da rivalidade empresarial e na tradição neoclássica situação ou modelo de concorrência perfeita; 7) conceito de uso na EA é subjetivo, dependendo da capacidade empresarial para descobrir novos fins alternativos; na tradição neoclássica é um objetivo constante, podendo ser conhecida por uma terceira parte; 8) na EA o responsável pela previsão é o empresário, e no paradigma neoclássico é o analista económico ou engenheiro social; 9) a previsão futura na EA não é possível porque depende do conhecimento empresarial ainda não criado, no paradigma neoclássico a previsão é o objetivo de uma procura deliberada (Huerta de Soto, 2010, pp. 15-17).
A teoria da ação dos austríacos supera a decisão individual. A ação inclui, não só um processo de decisão, mas um enquadramento referente aos fins, acima de tudo a perceção de sistema de fins e de meios.
“O importante para os austríacos não é que se tenha tomado uma decisão, mas sim que a mesma é levada a cabo sob a forma de uma ação humana ao longo de cujo processo (que eventualmente pode chegar ou não a concluir- -se) se produzem uma série de interações e atos de coordenação cujo estudo constitui, para os austríacos, o objeto de investigação da Ciência Económica” (Huerta de Soto, 2010, p. 17).
Já o subjetivismo austríaco parte da perspetiva de que os seres humanos são de carne e osso e entende o agente criativo como o protagonista de todos os processos sociais. A produção não é um facto físico natural, mas um fenómeno intelectual e espiritual (Huerta de Soto, 2010, p. 19).
Quando se fala em termos como “capitalista”, “empresário”, “proprietário”, correspondem a termos ideais. Quando, em economia, se mencionam empresários, refere-se a funções específicas. A função empresarial relaciona-se com a própria ação humana, na qual qualquer pessoa pode modificar o presente, alcançando o que deseja no futuro. Num sentido restrito, a função empresarial consiste em descobrir as oportunidades para alcançar um determinado fim, ou seja, conseguir ter um lucro ou um ganho. No entanto, para compreender a natureza da função empresarial, é importante conhecer a forma como o sujeito modifica a informação ou o conhecimento. As características deste tipo de conhecimento são: subjetivo de carácter prático; privado; disperso na mente dos homens; não articulável; surge a partir do nada; transmissível (Huerta de Soto, 2010, p. 43). “O exercício da função empresarial não exige qualquer meio” (Huerta de Soto, 2010, p. 50). Isto é, não implica qualquer tipo de custo, sendo uma atividade criativa. O carácter criativo consiste em produzir lucros, que surgem do nada, que se entendem por lucros empresariais puros.
O elemento empresarial ajuda a compreender o papel do empresário no quadro dos fins e dos meios, ou seja, é necessário um tomador de decisões antes da decisão. Para tal basta que acreditemos nas circunstâncias de uma decisão, que são conhecidas pelo tomador de decisões, de modo a prever a sua identificação. Se cada indivíduo souber o que espera, os seus planos estão inteiramente explicados, a sua alocação é a da maximização, porque os seus planos estão implícitos nos dados que constituem o seu conhecimento, referentes a atividades presentes e a atividades futuras apropriadas. No entanto, os seres humanos não operam através de conhecimento perfeito. Num mundo perfeito não há necessidade de introduzir a atividade empresarial. O conhecimento perfeito elimina a empresariedade que é baseada num mundo de desequilíbrios onde não existe informação perfeita. Os tomadores de decisões ou participantes no mercado são seres humanos que agem. Qualquer participante na economia viva e real é um empresário. A análise económica é num mundo imperfeito, neste sentido entra em cena o empresário puro. O tomador de decisões resulta num estado de alerta relativamente a oportunidades até então desconhecidas (Kirzner, 2012, p. 44). Na teoria económica, o empresário significa “o agente homem em relação às mudanças que ocorrem nos dados do mercado”. O trabalhador é o “homem em relação à utilização do fator de produção humano de trabalho” (Mises, 2010, pp. 310-311). Estes termos, empresário e trabalhador, correspondem à distribuição funcional que é diferente da distribuição histórica real.
“A economia de mercado é o sistema social baseado na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção” (Mises, 2010, p. 315). As pessoas agem por interesse próprio, satisfazendo as suas necessidades e as dos outros. Cada um é, ao mesmo tempo, um meio e um fim. É o mercado que orienta as atividades e caminhos dos indivíduos, não existindo compulsão nem coerção no mercado.
O mercado é um processo, não sendo um local, uma coisa ou uma entidade coletiva, impulsionado pelas ações de vários indivíduos que cooperam em regime de divisão de trabalho. A teoria do mercado pode ser estabelecida como manifestação das relações sistemáticas dos fenómenos observáveis, não é vista como massas de dados isolados e irredutíveis, mas como resultados que podem ser compreendidos e apreendidos. É esta especificidade que estabelece a teoria do preço: os conjuntos de gostos, possibilidades tecnológicas e disponibilidades de recursos. Estes fenómenos são observáveis no mercado e dependem uns dos outros no que se refere à procura (Kirzner, 2012, p. 13).
O mercado é composto por: consumidores, empresários, produtores e proprietários dos recursos. O processo de mercado é composto por resultados da ignorância inicial e seguidamente refere-se às mudanças sistemáticas dos planos de fluxo de informação. Do ponto de vista teórico, pode-se investigar uma série de fatores que não resultam de nenhuma ignorância do mercado. As decisões seriam perfeitamente encaixadas nesta situação e, tal processo de mercado, cessaria necessariamente, pois não existiriam mudanças de gostos ou novas possibilidades tecnológicas.
As forças que determinam o mercado são os julgamentos de valor dos indivíduos. A situação do mercado é a estrutura dos preços: “isto é, o conjunto de relações de troca estalecido pela interação daqueles que estão desejosos de vender com aqueles que estão desejosos de comprar” (Mises, 2010, p. 316). O processo de mercado resulta da ação humana, ou seja, da cooperação entre os diversos indivíduos. São os preços que informam os produtores do que podem produzir, como produzir e em que quantidade.
Numa fase inicial o homem procura assimilar tudo o que o faça preservar a energia vital, posteriormente com a sua engenhosidade constrói ferramentas que o levam a obter alimentos e aumentar a quantidade dos mesmos, satisfazendo os seus desejos mais urgentes, sendo que neste processo “o homem escolhe métodos indiretos de produção que querem mais tempo, mas que compensam este atraso por gerarem produtos mais abrangentes e de melhor qualidade” (Mises, 2010, p. 318). A poupança consiste em prolongar o período médio de obtenção de um produto, para poder ser usado e consumido. Os bens de capital dividem-se em dois: por um lado, os estágios intermédios no processo tecnológico, por outro, os bens para consumo, que permitem ao homem substituir um processo que absorva menos tempo por outro que absorva mais tempo. O cálculo traça uma linha divisória entre os bens de consumo que se pretendem utilizar de forma imediata, satisfazendo os desejos e necessidades. Distinguir os meios e os fins é uma distinção entre investir e consumir. O objetivo do investimento é, pelo menos, preservar o capital.
A direção dos assuntos económicos é levada a cabo pelos empresários que controlam a produção. Não são, nem os capitalistas, nem os empresários, nem os agricultores, que determinam o que se pode produzir, mas o consumidor.
“Se um empresário não obedece estritamente às ordens do público tal como lhe são transmitidas pela estrutura de preços do mercado, sofre perdas, vai à falência e é assim removido de sua posição eminente no leme do navio” (Mises, 2010, p. 328).
Quem determina as vendas dos produtos é o consumidor, e cada desvio, por parte dos produtores, resulta em perda de lucros, reduzindo a sua riqueza. Para que os capitalistas, agricultores e empresários preservem ou aumentem o seu dinheiro, terão de responder aos desejos do consumidor. Os consumidores determinam os preços dos bens de consumo, bem como os preços de todos os fatores de produção.
“No sentido praxeológico, o termo liberdade refere-se à situação na qual um indivíduo tem a possibilidade de escolher entre modos de ação alternativos. Um homem é livre na medida em que lhe seja permitido escolher os seus fins e os meios a empregar para atingi-los. A liberdade de um homem é rigidamente restringida pelas leis da natureza, bem como pelas leis da praxeologia. Ele não pode pretender atingir fins incompatíveis entre si” (Mises, 2010, p. 339).
A liberdade e a autonomia são garantidas por contrato. No âmbito do mercado, o indivíduo não obedece a nenhum soberano (Mises, 2010, p. 342). A liberdade do homem, neste sistema, é fruto da competição. O homem é livre, na medida em que molda os seus próprios planos.
Outra característica da economia de mercado é a desigualdade de rendimento e de renda; a liberdade é incompatível com a igualdade de rendimento. Identicamente, numa situação de divisão do trabalho, os indivíduos são responsáveis pela sua contribuição no conjunto da produção.
O lucro é decorrente da ação humana. Se não existir lucro, há a perda de satisfação. Numa economia de mercado, tudo o que é comprado e vendido é estabelecido pela moeda em dinheiro.
Onde não há livre mercado para a troca de bens e serviços, não há lugar para o dinheiro. Claro que, numa situação de economia familiar puramente doméstica, o dinheiro seria desnecessário; os meios de produção são socializados, bem como o controlo da produção baseada num organismo central. O fenómeno do dinheiro assenta numa ordem económica, na qual a divisão do trabalho e a propriedade exercem como bens de consumo e como bens de produção, pois não existe um controlo sistemático (Mises, 1997, p. 3).
O homem só realiza a troca indireta, no caso de ter algum benefício. Os bens mais negociáveis convertem-se num meio comum de troca, isto é, os bens são convertidos em mercadorias. O meio de troca que se estabelece nessa relação é o dinheiro (Mises, 1997, p. 6). Historicamente, o uso do dinheiro variou entre o ouro e a prata, baseando-se nas qualidades materiais dos metais. Em certas comunidades mais afastadas usaram-se outros metais para fazerem com que a troca se realizasse.
Existe uma incerteza no mercado; o empresário é um especulador, não sabe o que acontecerá no futuro, antecipa a ocorrência de eventos incertos, no entanto, nem todos serão capazes de antecipar o futuro. Se tal acontecesse, os preços já estariam ajustados a situações futuras. No entanto, o lucro e a perda empresarial resultam da incerteza, da composição entre a oferta e a procura. Se todos os empresários fossem capazes de antecipar corretamente o futuro, não haveria lucros nem perdas.
“A função empresarial, o empenho dos empresários por obter lucros, é a força motriz da economia de mercado. Lucro e perda são os instrumentos por meio dos quais os consumidores exercem a sua supremacia no mercado. O comportamento dos consumidores resulta nos lucros e perdas, desta forma é transferida a propriedade dos meios de produção das mãos dos menos eficientes para as mãos dos mais eficientes” (Mises, 2010, p. 359).
A função empresarial é fundamental, mas o que determina a produção depende da vontade do consumidor.
Não se entende a propriedade dos meios de produção como um privilégio, mas como uma responsabilidade social quando os capitalistas e proprietários das terras as usam de maneira a satisfazerem da melhor forma os consumidores. Nenhum investimento é seguro para sempre, logo quem não servir o consumidor está condenado ao fracasso.
O mercado não instaura ordens sociais, castas ou classes. Os empresários e os promotores não formam uma classe social integrada. Todo o indivíduo pode tornar-se um produtor ou um empresário; tem de ser aprovado pelos consumidores. No entanto, num sistema intervencionista muitas pessoas enriquecem pelo suborno e pela corrupção. Para evitar que tal aconteça, o sucesso dos produtores depende daquilo que os consumidores querem, e não das diversas intervenções no mercado.
O significado de economia é um meio complexo de atividades, no qual os dados conjuntos de meios são distribuídos entre os fins competitivos, de acordo com um plano unitário e segundo a importância relativa. A economia, no sentido puro, equivale a uma ordenação individual de meios conhecidos realizados de modo intencional, servindo uma multiplicidade de fins distintos e incomensuráveis. A cataláxia trata da ordem do mercado, que corresponde não só a trocar, mas admitir uma comunidade, convertendo o inimigo em amigo (Hayek, 1985, p. 131).
Os seres humanos vivem em paz, beneficiando-se uns aos outros, mesmo que não entrem em acordo quanto a fins específicos, que resultam na substituição dos fins concretos por fins abstratos. Os consumidores estabelecem subjetivamente os preços e os valores que se referem à procura e à oferta, que, para Ron Paul, são objetivos.
A teoria objetiva do valor considera que o valor dos bens é objetivo, isto é, as medidas de troca resultam numa entrega recíproca de bens de valor equivalente. As medidas de troca são procedidas pela medida da quantidade contida em cada um dos objetos que se trocam. A teoria desenvolvida pelos austríacos, a teoria do subjetivismo monetário, resulta no significado que o sujeito humano atribui às diferentes unidades de bem. As transações económicas resultam em critérios de valorização pessoal. A troca não se realiza numa economia de um indivíduo isolado. O processo de valorização no mercado é o mesmo, quer se trate de transformar farinha em pão ou trocar pão por vestidos. Esta valorização pessoal radica na ordem de importância subjetiva (Mises, 1997, p. 12). Os atos de troca servem diferentes propósitos e independentes de cada parceiro da transação, auxiliando as partes como meios para a consecução de diferentes fins. A cataláxia é uma ordem global superior, baseada numa organização deliberada, na qual os homens favorecem as finalidades dos outros. No entanto, na cataláxia não existem objetivos comuns concretos (Hayek, 1985, p. 133).
As relações económicas são sustentadas pelas pessoas e por organizações intencionais que se baseiam na concordância de objetos comuns. A ordem espontânea do mercado é baseada nos meios, não sendo necessária a concordância em relação aos fins. As relações económicas são determinadas pelos meios de influência e pelas ações que visam diferentes propósitos. Esse é o sentido das relações económicas, baseadas na interdependência ou congruência dos elementos da Grande Sociedade (Hayek, 1985, p. 135). Os laços que mantêm as pessoas da grande sociedade são puramente económicos.
A cataláxia é como um jogo, que produz o aumento do fluxo de bens, na perspetiva de todos os participantes de modo a satisfazer as suas necessidades.
Pela ordem do mercado, cada um é levado pelo ganho que é visível, atendendo a necessidades invisíveis, baseado em circunstâncias particulares desconhecidas, que permitem satisfazer as necessidades a um custo reduzido.
O eixo fundamental da obra “Direito, Legislação e Liberdade – Volume I: Normas e Ordem” de Hayek assenta no conceito de ordem, distinguindo-se a ordem feita daquela ordem que resulta da evolução. Para uma análise de fenómenos complexos usa-se a ordem. Do ponto de vista das ciências sociais, o conceito de ordem tem uma longa tradição, embora atualmente seja menos utilizado, devido à ambiguidade do tema e de estar associado a posições autoritárias.
“Por ‘ordem’ designaremos sempre uma condição em que múltiplos elementos de vários tipos se encontram de tal maneira relacionados entre si, a partir do nosso contato com uma parte espacial ou temporal do todo, podemos aprender a formar expectativas corretas com relação ao restante ou, pelo menos, expectativas que tenham probabilidade de se revelar corretas” (Hayek, 1985, p. 36).
Até mesmo na vida social das pessoas, a ordem é satisfazer as necessidades mais elementares.
Do ponto de vista autoritário, a ordem na sociedade baseia-se no mandar e na obediência numa estrutura hierárquica. A conotação autoritária do conceito de ordem, neste sentido, só pode ser criada por razões externas ao sistema. A propriedade dessa ordem é diferente de uma ordem espontânea. O estudo da ordem espontânea resulta através da teoria da economia e da biologia. No grego distinguia-se taxis como ordem feita, e Kosmos que é uma ordem resultante da evolução (Hayek, 1985, p. 38). A ordem espontânea refere-se a um grau de complexidade, que não se limita ao que uma mente humana possa dominar, podendo basear-se em relações abstratas, que apenas podem ser construídas na mente. Em si mesmas, as ordens espontâneas não são complexas, mas podem alcançar um grau de complexidade. Embora tais ordens não sejam abstratas, estas estão constantemente relacionadas com o sistema de relações abstratas, definidas pelas propriedades abstratas, não sendo percebíveis ou identificáveis, exceto com base na teoria que explique o seu carácter. Existe uma relação entre as ordens espontâneas e o conceito de propósito, sendo que essa ordem não foi criada por um agente externo. A ordem, no seu sentido, pode ser propositada, mesmo que a sua existência possa ser útil aos indivíduos (Hayek, 1985, p. 41).
A ordem espontânea resulta da adaptação dos elementos individuais, em circunstâncias que afetam diretamente alguns deles, mas que não são totalmente conhecidas, baseando-se nas mentes dos indivíduos. As estruturas referem-se a resultados da evolução, que resultam em situações baseadas ou influenciadas pela ordem espontânea. O que se pode caracterizar são as estruturas, que as constituem e não os elementos específicos, nem as circunstâncias próprias. Mesmo no caso de uma sociedade pode-se alterar algumas normas de conduta, conseguindo alterar o carácter geral, e não os detalhes que resultam dessa ordem. Numa ordem social, as circunstâncias específicas que cada indivíduo conhece são-lhe inerentes ao seu conhecimento. No entanto, as reações individuais correspondem a circunstâncias particulares, assentes numa ordem global – os indivíduos obedecem a tais normas que produzem uma ordem. As normas obedecidas por todos estão implícitas na produção dessa ordem, não sendo conhecidas por ninguém em particular. A propriedade das normas corresponde às ações isoladas dos indivíduos que produzem uma ordem global. Algumas dessas normas são obedecidas por todos os indivíduos, outras seguem-nas espontaneamente, por fazerem parte de uma tradição.
Uma ordem pode-se dizer com sentido, mas sem propósito, dado que não está vinculada a um propósito particular, como pode conter diferentes propósitos individuais divergentes mesmo entrando em conflito. A ordem espontânea do mercado é baseada na reciprocidade ou benefícios mútuos, que no seu conjunto, se dominam de forças económicas.
Nota: Este artigo fez parte de um capítulo da minha tese de doutoramento, estando devidamente adaptado para o Instituto Mises Portugal
Bibliografia
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Huerta de Soto, Jesús, A Escola Austríaca, 2ª edição, Tradução André Azevedo Alves, Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo, 2010.
Kirzner, Israel, Competição e atividade empresarial, 2ª edição, tradução Ana Maria Sarda, Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo, 2012.
Mises, Ludwig von, Ação Humana: Um Tratado de Economia, 3.ª edição, Tradução: Donald Stewart Jr., Revisão: Tatiana Gabbi, Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo, 2010.
Mises, Ludwig von, O cálculo económico sob o socialismo, 1ª edição, Tradução Leandro Augusto Gomes Roque, Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo, 2012.
Mises, Ludwig von, La Teoría del Dinero y del Crédito, Traducción de Juan Marcos de la Fuente, Unión Editorial, Madrid, 1997.
Paul, Ron, Mises e a Escola Austríaca: uma visão pessoal, 1ª edição, Tradução de Ricardo Bernhard, Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo, 2012.