Sempre que ocorre um desastre natural, deparamo-nos com uma vaga de economistas e comentadores políticos que afirmam que tais eventos trarão um “grande impulso à economia”.
Na CNBC, a título de por exemplo, foi dito que o Furacão Harvey iria “gerar um aumento dos salários”, e que toda reconstrução de Houston seria “óptima para a economia”. Vale a pena lembrar que os economistas desta mesma rede afirmaram que o Tsunami que devastou o Japão em Março de 2011 também seria excelente para a economia.
Já William Dudley, presidente do Federal Reserve de Nova York, foi ainda mais peremptório – “os furacões estimulam a actividade económica no longo prazo”.
Ainda nesta vaga, não nos esqueçamos também de Paul Krugman, que declarou, dias após os ataques de 11 de Setembro, que, pelo menos, haveria um consolo naquilo tudo – estes ataques estimulariam a actividade económica. Já outro economista keynesiano, Peter Morici, afirmou que o furacão Sandy, que castigou o nordeste dos EUA em 2012, traria um “futuro brilhante” para a economia.
A lógica destas pessoas é sempre a mesma – desastres e destruições produzem gastos adicionais do governo para a reconstrução e mais pagamentos das seguradoras às vítimas. Os gastos do governo para a reconstrução geram obras e aumentam a procura por maquinaria, matérias-primas, cimento, argamassa, estacas, etc., o que leva à criação de vários empregos. O mesmo processo ocorre com o dinheiro pago pelas seguradoras às vítimas, que irão utilizar esse dinheiro para reconstruir seus imóveis e comprar novos carros. Tudo isso faz a economia “crescer”.
O vidro partido
Esse raciocínio é tão antigo – e tão parvo – que foi refutado ainda no século XIX, neste caso, pelo grande Frédéric Bastiat. No seu ensaio “Aquilo que se vê e aquilo que não se vê”, o pensador alerta para as consequências negativas (as quais poucos conseguem ver) de se direccionar recursos escassos para substituir bens que já existiam e que foram destruídos. Destruir riqueza apenas para reconstruí-la não é uma atividade que torna a todos mais ricos.
Resumidamente, segundo o raciocínio keynesiano, se uma criança partir um vidro, obrigando o seu proprietário a incorrer em gastos para substituir o mesmo, este está a gerar efeitos positivos, pois a substituição que deverá ser feita estimulará o mercado dos vidros e, por consequência, toda a economia.
O proprietário da empresa de vidro terá mais dinheiro para gastar com os seus fornecedores, e os fornecedores terão, agora, mais dinheiro para gastar noutros sectores da economia. Toda a economia sairá desta situação a ganhar. A vidraça quebrada proporcionou dinheiro e emprego em várias áreas.
Porém, Bastiat chama a atenção, também, para as consequências que não são vistas (ou que não são consideradas de forma tão imediata). O padeiro ficará com menos dinheiro, fazendo com que ele deixe de comprar um fato. Se o vidro não tivesse sido partido, o padeiro teria não só o vidro, como também o seu fato (ou o equivalente em dinheiro). Depois da quebra, ele apenas terá o vidro novo. O alfaiate deixou de ganhar dinheiro. Os fornecedores do alfaiate deixaram de ganhar dinheiro.
Da mesma forma, os fornecedores de bens da padaria – plantadores de trigo, criadores de fermento, cultivadores de leite etc. – também deixarão de ganhar dinheiro, pois a padaria teve de economizar para trocar o vidro.
O que foi ganho pelo proprietário da empresa de vidro, foi perdido pelo alfaiate, pelo sector dos tecidos e pelo sector onde operam os fornecedores da padaria. Estes não poderão gastar este dinheiro noutros sectores da economia. Assim, não houve nenhuma criação líquida de emprego.
Mais – o ganho monetário do proprietário do negócio do vidro teve origem numa mera recomposição de capital destruído. Ou seja, este dinheiro foi gasto para consertar algo que foi danificado, servindo apenas para trazer algo de volta ao ponto inicial (o tal vidro que foi reparado).
Não se trata, assim, de dinheiro que o dono da padaria gastou voluntariamente em investimentos, mas sim de dinheiro que ele foi obrigado a gastar apenas para restaurar a sua situação inicial. Não houve nenhum aumento no stock de capital da economia, mas sim apenas o conserto de algo que foi anteriormente destruído.
Em suma, se o vidro não tivesse sido quebrado, o proprietário da padaria poderia ter gasto o seu dinheiro na melhoria da sua situação em vez de, meramente, restaurá-la. Isto é o que não é visto.
Substituir bens que já foram produzidos e que foram danificados é e sempre será uma despesa negativa, e nunca um investimento positivo. Da mesma forma, substituir um pneu furado ou um pára-brisas partido também não é motivo para celebração.
Se a destruição é boa, porquê esperar por furacões?
Praticando um simples, mas lógico, exercício mental de reductio ad absurdum – se desastres que fazem apenas destruir riqueza, capital produtivo e infraestrutura são bons para a economia, porquê esperar por furacões?
Imagine, o leitor, tanques desfilando pelas ruas da sua cidade e disparando contra edifícios, postes de luz, pontes e demais infraestruturas. Isso faria com que os governos e as seguradoras tivessem que gastar dinheiro para reconstruir tudo o que foi danificado.
Sim, tal medida iria empregar mão-de-obra e iria implicar a necessidade de uma grande quantidade de máquinas e equipamentos. Essas são as consequências que todos conseguem ver de imediato. Mas, e as consequências não-vistas?
Para começar, o que é que foi produzido de novo por esta reconstrução? Nada. Na melhor das hipóteses, tudo voltará a ser como era antes. No final, no melhor cenário possível, todo o stock de capital e riqueza terá simplesmente voltado à estaca zero. A economia como um todo não ficou mais rica do que era antes da destruição.
Em segundo lugar, e ainda mais importante, é necessário ter em conta todos os bens e serviços que poderiam ter sido produzidos por esta maquinaria e mão-de-obra imobilizados no esforço de reconstrução, e que não poderão ser produzidos, simplesmente, porque não há factores de produção disponíveis para tal serviço. É, igualmente, impossível mensurar os custos económicos das empresas que deixaram de ser abertas, dos empregos produtivos que deixaram de ser gerados e das tecnologias que deixaram de ser criadas pelo facto de todos os recursos escassos da economia terem sido imobilizados neste esforço de trazer a economia de volta para seu estado inicial.
Tudo isto gera um enorme custo de oportunidade — ou melhor, uma enorme perda de oportunidade.
Toda a economia sai prejudicada quando o capital tem de ser gasto duas vezes para se obter a mesma coisa – a construção e a reconstrução. Neste processo, nada de novo foi criado e nenhuma riqueza real foi gerada.
Analisando os custos
No caso específico de desastres naturais, há três custos enormes que afectam toda a economia e que anulam todos os “benefícios” das destruições glorificadas por estes economistas.
1) Os maiores gastos incorridos pelas seguradoras irão encarecer as apólices e as prestações, impactando todo o resto da economia. Na prática, os consumidores terão agora menos dinheiro para gastar em outras áreas
2) Os combustíveis aumentam de preço. No caso dos desastres naturais, em geral, além de uma quebra na oferta (os canais de distribuição são afectados por causa da destruição da infraestrutura), há também um aumento na procura derivada do aumento dos esforços de reconstrução.
Tudo isto traduz-se no encarecimento não só da gasolina e do diesel, mas também de todos os tipos de plásticos e de outros produtos produzidos por combustíveis fósseis, e de todos os bens e serviços que dependem de transporte (ou seja, praticamente toda a economia).
Preços maiores nunca são um benefício para os consumidores. E, de novo, com bens e serviços mais caros, sobra menos dinheiro para as pessoas gastarem noutros empreendimentos.
3) De onde é proveniente todo o dinheiro que o governo irá gastar para reconstruir a infraestrutura arruinada? Uma coisa é certa – não virá da conta bancária dos políticos e burocratas. O dinheiro virá ou do aumento de impostos, ou de um maior endividamento do governo.
Por sua vez, um aumento de impostos provoca um efeito directo – menos dinheiro nas mãos de pessoas e empresas. Já um aumento do endividamento significa que o governo está a pedir mais dinheiro emprestado a bancos e investidores. Como consequência, menos crédito ficará disponível para financiar empreendimentos produtivos. Obviamente, todo esse endividamento do governo terá de ser pago no futuro, e provavelmente, via mais impostos.
Novamente, ambas estas medidas significam menos dinheiro nas mãos das pessoas para gastarem em outras áreas.
Como é que isto poderá ajudar, exactamente, a economia?
Não há qualquer tipo de consolo ou lado positivo.
Os desastres naturais não têm este nome por acaso. Se estes fossem bons, seriam chamados de “benesses naturais”. Gastar capital apenas para reconstruir algo destruído não gera riqueza para todos. Destruição é e sempre será algo negativo.
Apenas economistas completamente avessos à lógica podem dizer que destruição gera crescimento económico e riqueza. Se gerasse, o Japão convidaria, com todo o gosto, as forças armadas americanas para dar um “impulso” à sua economia. Um intenso bombardeamento a Tóquio faria dos japoneses a população mais rica do mundo.
A verdade é que, seja na forma de um furacão, de um tornado, de um terremoto, de chuvas torrenciais ou mesmo de uma guerra, não há consolo ou lado positivo na destruição do capital. Destruir recursos escassos sempre será algo extremamente negativo. Os únicos que terão ganhos monetários com tudo isso serão os empreiteiros contratados para fazer as obras de reconstrução, bem como os seus funcionários, o que dificilmente poderá ser classificado como um “ganho para toda a economia”.
Ainda assim, tudo isso é um “mal menor”. Naturalmente, a maior destruição ocorrida após qualquer um desses eventos é a insubstituível perda de vidas humanas, bem como a dilaceração de famílias e a destruição do trabalho de toda uma vida – como ocorre com pessoas que perdem as suas casas e os seus estabelecimentos comerciais. Os que sobreviveram ao desastre não ficarão mais consolados ao ouvirem economistas keynesianos afirmando que, afinal, os lesados deveriam sentir-se sortudos. Tudo aquilo que mais estimavam na vida foi destruído.
Adicionalmente, a perda do rendimento gerada por essa destruição pode empurrar várias pessoas para a bancarrota. Pessoas que hipotecaram as suas casas podem ser despejadas.
Não, não há nenhum lado positivo após um desastre. Seja ele natural ou artificial.
Artigo adaptado do site Mises Brasil.