A questão chave desta discussão é esta: o tutor de uma criança devem ser os pais ou o Estado?
Uma característica essencial da vida humana é que, durante muitos anos, a criança é relativamente indefesa e que a sua capacidade de auto-subsistência só se desenvolve mais tarde. Até que estas competências estejam plenamente desenvolvidas, ela não pode agir completamente por si própria como um indivíduo responsável. Ela deverá estar sob tutela de terceiros. Esta guarda é uma tarefa complexa e difícil. Desde uma infância de completa dependência e submissão aos adultos, a criança deve crescer gradualmente até atingir o estatuto de adulto independente. A questão é sob que orientação e “propriedade” virtual deverá a criança estar: dos seus pais ou do Estado? Não existe um terceiro ou meio termo nesta questão. Uma destas partes deverá controlar e ninguém sugere que uma terceira entidade tenha autoridade para ter a guarda da criança ou educá-la.
É óbvio que a tendência natural é que os progenitores assumam a responsabilidade pela criança. Os pais são literalmente os seus produtores e esta tem com eles a relação mais íntima que qualquer pessoa pode ter com outro indivíduo. Os pais têm laços de afecto familiar com a criança, estão interessados nela como um indivíduo e são os mais propensos a estar empenhados e familiarizados com as suas necessidades e personalidade. Em conclusão, se acreditamos numa sociedade livre, onde cada um é dono de si próprio e dos seus próprios produtos, é óbvio que o seu próprio filho, um dos seus produtos mais preciosos, também está sob a sua responsabilidade.
A única alternativa lógica à “propriedade” parental da criança é o Estado retirar a criança aos pais e educá-la completamente sozinho. Para qualquer defensor da liberdade, este deve parecer de facto um passo monstruoso. Em primeiro lugar, os direitos dos pais são completamente violados, o seu próprio bem querido é-lhes apreendido para ser submetido à vontade de estranhos. Em segundo lugar, os direitos da criança são desrespeitados, uma vez que esta cresce sujeita às mãos insensíveis do Estado, com pouca consideração pela sua personalidade individual. Além disso – e esta é uma consideração muito importante – para que cada pessoa seja “educada” para desenvolver ao máximo as suas competências, precisa de liberdade para este desenvolvimento. Referimos anteriormente que viver livre de violência é essencial para o desenvolvimento do raciocínio e da personalidade do ser humano. Mas eis que aparece o Estado! A própria base do Estado está baseada na violência, na coerção. Na verdade, a própria característica que distingue o Estado de outros indivíduos e grupos é que o Estado é o único que tem poder (legal) para usar a violência. Ao contrário de todos os outros indivíduos e organizações, o Estado emite mandatos que devem ser obedecidos sob o risco de prisão ou cadeira eléctrica. A criança teria de crescer sob a autoridade de uma instituição baseada na violência e nas restrições. Que tipo de desenvolvimento pacífico poderia ocorrer sob tais auspícios?
Para além disso, é inevitável que o Estado imponha uniformidade no ensino dos seus educandos. A conformidade não só é mais adequada ao temperamento burocrático e mais fácil de aplicar; isto seria quase inevitável onde o colectivismo suplantasse o individualismo. Com a propriedade colectiva do Estado sobre as crianças a substituir a propriedade e os direitos individuais, é evidente que o princípio colectivo também seria aplicado no ensino. Acima de tudo, o que se ensinaria é a doutrina da obediência ao próprio Estado. A tirania não é realmente compatível com o espírito do homem, que necessita de liberdade para o seu pleno desenvolvimento.
Deste modo, técnicas a instigar a veneração do despotismo e outros tipos de “controle do pensamento” tenderão a emergir. Em vez de espontaneidade, diversidade e seres humanos independentes, surgiria um grupo de seguidores passivos e semelhantes a carneiros do Estado. Como estariam apenas parcialmente desenvolvidos, estariam apenas meio vivos.
Pode dizer-se que ninguém está a contemplar medidas tão monstruosas. Mesmo a Rússia Comunista não chegou ao ponto de impor um “comunismo de crianças”, embora tenha feito quase tudo o resto para eliminar a liberdade. Contudo, o problema é que este é o objectivo lógico dos estatistas na educação. A questão que foi abordada no passado e no presente é: haverá uma sociedade livre com controle parental ou um despotismo com controle estatal? Veremos o desenvolvimento lógico da ideia de apropriação e controle do Estado. Por exemplo, os Estados Unidos da América começaram na sua maior parte com um sistema de escolas totalmente privadas ou filantrópicas. Depois, no século XIX, o conceito de educação pública mudou subtilmente, até que todos foram instados a frequentar a escola pública e as escolas privadas foram acusadas de causar divisão. Em última instância, o Estado impôs a educação obrigatória ao povo, obrigando as crianças a frequentar escolas públicas ou então estabelecer padrões arbitrários para as escolas privadas. A instrução pelos pais ficou mal vista. Desta forma, o Estado tem estado em guerra com os pais pelo controlo sobre os seus filhos.
Não só tem havido uma tendência para o aumento do controle estatal, como os efeitos deste têm sido agravados pelo próprio sistema de igualdade perante a lei que se aplica na vida política. Assistiu-se ao crescimento de uma paixão pela igualdade em geral. O resultado tem sido uma tendência para considerar todas as crianças iguais entre si e merecedoras de tratamento igual, impondo uma uniformidade completa na sala de aula. Anteriormente, esta tendia a ser definida pelo nível médio da turma mas, sendo isto frustrante para os mais ineptos (que, no entanto, devem ser mantidos ao mesmo nível que os outros, em nome da igualdade e da democracia), o ensino tende cada vez mais a fixar-se nos níveis mais baixos.
Veremos que desde que o Estado começou a controlar a educação, a sua tendência evidente tem sido a de cada vez mais e mais agir de forma a promover a repressão e o obstáculo à educação, em vez do verdadeiro desenvolvimento do indivíduo. A tendência tem sido para a coerção, para a igualdade imposta ao nível mais baixo, para a diluição das matérias e até mesmo para o abandono de todo o ensino formal, para a doutrinação da obediência ao Estado e ao “grupo”, em vez do desenvolvimento da auto-independência, pela depreciação das temáticas ditas intelectuais. É a força do Estado e dos seus lacaios que explica a crença na “educação moderna” de “educação de toda a criança” e de fazer da escola uma “parte da vida”, onde o indivíduo brinca, adapta-se ao grupo, etc. O efeito desta, bem como de todas as outras medidas, é reprimir qualquer tendência para o desenvolvimento de capacidades de raciocínio e independência individual; tentar usurpar de várias formas a função “educativa” (para além da instrução formal) do lar e dos amigos e tentar moldar a “criança como um todo” de acordo com os desígnios do Estado. Assim, a “educação moderna” abandonou as funções escolares de instrução formal em favor da formação total da personalidade, tanto para impor a igualdade de ensino ao nível dos indivíduos com menor capacidade de aprendizagem, como para usurpar tanto quanto possível o papel educativo geral da família e de outras influências. Uma vez que ninguém aceita a “comunização” das crianças pelo Estado (mesmo na Rússia comunista) é óbvio que o controle do Estado tem de ser feito de forma mais silenciosa e subtil.
Para quem está interessado na dignidade da vida humana, no progresso e desenvolvimento do indivíduo numa sociedade livre, a escolha entre o controle parental e o controle estatal sobre as crianças é clara.
Não deverá então haver qualquer interferência do Estado nas relações entre pais e filhos? E se os pais agridem e mutilam a criança? Devemos permitir isso? Se não, onde devemos traçar o limite? A linha pode ser traçada facilmente. O Estado pode cumprir estritamente a função de defender todos da violência de todos os outros. Isto incluirá tanto crianças como adultos, uma vez que as crianças são potenciais adultos e futuros homens livres. A simples falha em “educar”, ou melhor, em instruir, não é motivo nenhum para interferência. A diferença entre estes casos foi colocada sucintamente por Herbert Spencer:
“Nenhuma causa para tal intervenção [estatal] pode ser apresentada até que os direitos das crianças tenham sido violados e que os seus direitos não sejam violados pela negligência da sua educação [na verdade, instrução]. Porque… aquilo a que chamamos direitos são meramente subdivisões arbitrárias da liberdade geral de exercer as capacidades; e a isto só se pode chamar violação de direitos quando na verdade diminui esta liberdade – corta um poder previamente existente para perseguir os objectivos desejados. Ora, o progenitor que é descuidado com a educação de um filho não faz isso. A liberdade de exercer as suas competências permanece intacta. A omissão da instrução não prejudica de forma alguma a liberdade da criança de fazer o que quiser da melhor forma possível e esta liberdade é tudo o que a equidade exige. Toda a agressão, recorde-se – toda a violação de direitos – é necessariamente activa; enquanto toda a negligência, descuido, omissão é necessariamente passiva. Consequentemente, por mais errado que possa ser o incumprimento de um dever parental… não constitui uma violação da lei da igualdade de liberdade e não pode, por isso, ser tido em conta pelo Estado.”1
Excerto retirado de “Educação: Gratuita e Obrigatória“, disponível gratuitamente na nossa biblioteca.
- Herbert Spencer, Social Statics: The Conditions Essential to Human Happiness Specified, and the First of Them Developed (Nova Iorque: Robert Schalkenbach Foundation, 1970), p. 294. Ou, como expressou outro escritor, no que diz respeito a um progenitor e outros membros da sociedade: “os seus associados não podem obrigá-lo a sustentar o seu filho, embora possam forçosamente impedi-lo de agredi-lo. Podem impedir actos; não podem obrigar à execução de acções.” Clara Dixon Davidson, “Relações entre pais e crianças”, Liberty, 3 de setembro de 1892. ↩︎