Uma versão actualizada e revista deste artigo está disponível como o Capítulo 2 do Legal Foundations of a Free Society (Houston: Papinian Press, 2023).
Nota introdutória (Carlos Novais)
Todas as ideologias políticas têm como base, explícita ou implicitamente, uma determinada filosofia do direito identificável pela forma como separa ou sobrepõe Ética e Moral como aqui definidas (simplisticamente os conservadores tendem a incluir preceitos morais no corpo legislativo, os progressistas vêm a acção interventiva sobre as relações económicas e contratuais como legítima e necessária, o centro e o consenso político comunga de ambas as visões apenas recusando os que aparentemente se situam fora desse consenso – não propriamente por um exercício consistente de uma doutrina):
- Ética: O que se pode “fazer/não fazer” legalmente independentemente das considerações morais sobre dever “não fazer/fazer”.
- A violação de normas Éticas pressupõe a possibilidade do uso legítimo da violência desde logo em legítima defesa ou por representantes do Estado o qual por definição assume o monopólio da violência num dado território. Constitui essa acção de violência, considerada legítima, o próprio exercício da Justiça baseada em princípios gerais como o da punição e restituição proporcional.
- A Ética, neste sentido da palavra, requer o universalismo caso contrário a interacção social pode conduzir a um estado de violência permanente, logo à partida, pelas disputas acerca da legitimidade ou não do uso da violência em diferentes casos.
- Moral: O que se deve “fazer /não fazer” independentemente das considerações éticas de legalidade sobre poder “não fazer/ fazer”.
- As considerações Morais não pressupõem a possibilidade do uso legítimo da violência e a forma de premiar/punir a acção julgada como de boa/má Moral são acções e reacções de inclusão ou exclusão via ostracismo social, associativo e proprietário.
- A Moral não requerendo universalismo pode no entanto revelar a importância do exercício consensual de normas sociais não penais (i.e., fora do âmbito do exercício legal da violência) para o equilíbrio social de uma comunidade conduzindo até a que o exercício da Justiça (o uso legal da violência) possa estar menos presente do que mais.
Exemplos de uma separação pura entre Moral e Ética: será eticamente não-crime, numa ordem libertária, consumir drogas dado não existir uma vítima de violência, mas será defensável afirmar que moralmente não o devemos fazer, pelo menos num dado enquadramento de claro prejuízo pessoal. Será eticamente não-crime, numa ordem libertária, não assistir um terceiro (a um dado perigo físico, a um infortúnio, etc.) e será defensável dizer que moralmente o devemos fazer. No limite mesmo a difamação e os atentados ao bom nome não constituirão crime numa ordem libertária, dado não existir um crime sobre a propriedade (os julgamentos sobre as pessoas são juízos morais e pertencem aos outros não ao próprio), mas em todo o caso serão considerados sempre e consensualmente como comportamentos imorais e assim a comunidade próxima poderá adoptar acções de ostracismo como a denúncia, o apontar, a não-aceitação social – mas não recorrer ao direito penal. Por outro. até podemos considerar que, em situação de fome em estágio avançado, apanhar uma maçã de uma árvore que não nos pertence constituindo um crime, contudo se devidamente contextualizado e demonstrada a ponderação, considerar como não-imoral ou não merecedor de condenação social como outros actos equiparáveis. Assim, a diferença entre um acto ser considerado legal ou não respeita “apenas” à possibilidade do uso legal da violência como legítima defesa e para repor ou compensar a vítima.
O Libertarianismo, na sua vertente de filosofia pura do direito, socorre-se, mais estritamente que as alternativas, dos conceitos universalizáveis de:
- auto-propriedade no corpo (veículo físico do nosso livre-arbítrio)
- propriedade externa honestamente adquirida (pela aquisição original por ocupação/delimitação/uso e a sua transferência voluntária por doação ou venda e no limite, em certos casos, por abandono)
O que aqui está exposto no texto de Kinsella são apenas as normas-base através do qual a ética ou justiça libertária é construída.
PS: O pensamento libertário, num sentido mais amplo como ideologia política, foi uma vez definido pelo Congressista Americano Ron Paul, como resumindo-se à tentativa de minimizar (alguns diriam até fazer desaparecer) o “intervencionismo” pelo agente institucional Estado, agente que detém ou busca o monopólio da violência num dado território, e o qual tem por essa natureza um carácter necessariamente imperativo-coercivo – no sentido libertário claro está.
O Que o Libertarianismo É
Propriedade, Direitos e Liberdade
Os libertários tendem a concordar numa ampla gama de políticas e princípios. Mesmo assim, não é fácil encontrar um consenso sobre quais são as características definidoras do pensamento libertário, ou em que ele se distingue de outras teorias políticas e sistemas.
Várias formulações são possíveis de encontrar. É casualmente referido que o pensamento libertário trata de direitos individuais, de direitos de propriedade[1], do livre mercado, do capitalismo, da justiça, ou o princípio da não iniciação de agressão. No entanto é preciso ter em conta que nenhuma delas por si só será suficiente. O capitalismo e o livre mercado descrevem as condições “cataláticas” que emergem ou são permitidas emergir numa sociedade libertária, mas não englobam outros aspectos do pensamento libertário. Os direitos individuais, a justiça e a agressão podem ser expressos em termos de direitos de propriedade. Como Murray Rothbard explicou, todos os direitos individuais constituem-se a partir de ou derivam de direitos de propriedade.[2] E assim, neste contexto, justiça é somente reconhecer a alguém algo que lhe é devido, o que depende de quais são exactamente esses direitos.[3]
O princípio da não-agressão, ele próprio, também depende do que se entende por direitos de propriedade, uma vez que a qualificação de agressão depende de quais são especificamente esses nossos direitos (de propriedade). Se alguém me bater, isso constitui uma agressão porque eu tenho o direito de propriedade sobre o meu corpo. Se eu roubar uma maçã que você possui isso constitui uma transgressão – agressão – apenas porque você é o dono dessa maçã. Ninguém pode identificar um acto de agressão sem implicitamente atribuir um direito de propriedade correspondente à vítima.
Assim, os termos capitalismo e livre mercado serão demasiado redutores, e os de justiça, direitos individuais e agressão, resumem-se a, ou são definíveis em termos de, direitos de propriedade. Mas que direitos de propriedade então? Será isso que diferencia o pensamento libertário de outras filosofias políticas – que nós somos a favor dos direitos de propriedade e todos os outros não? Certamente essa afirmação é insustentável.
Afinal, o direito de propriedade é simplesmente o direito exclusivo a controlar um dado recurso escasso.[4] Os direitos de propriedade especificam qual é a pessoa que é dona de – isto é, tem o direito a controlar – vários recursos escassos em determinada região ou jurisdição. E todas as pessoas e teorias políticas desenvolvem alguma teoria da propriedade. Nenhuma das várias formas de socialismo nega sequer os direitos de propriedade; cada versão irá especificar um determinado proprietário para cada recurso escasso.[5] Se o estado nacionaliza uma indústria, ele está a afirmar a propriedade nesses meios de produção. Se o estado taxa, está implicitamente a afirmar a propriedade nesses fundos. Se a minha terra é transferida para um empreendedor privado pelo instituto legal do “domínio eminente” [n.t.: vulgo expropriação], o empreendedor passa agora a ser o proprietário. Se a lei permite que uma vítima de discriminação processe o seu empregador para receber uma determinada quantia de dinheiro, ele é efectivamente o proprietário desse dinheiro.[6]
A protecção e o respeito por direitos de propriedade em si não é, portanto, exclusividade do pensamento libertário. O que distingue o pensamento libertário são as suas regras particulares de determinação e reconhecimento da propriedade: a sua visão relativa de quem é o proprietário de cada recurso que pode ser reclamado, e como determinar isso.
Propriedade nos Corpos
Um sistema de direitos de propriedade define um proprietário concreto para cada recurso escasso. Esses recursos obviamente incluem os recursos naturais como a terra, os frutos das árvores, e assim por diante. Contudo, os objectos encontrados na natureza não são os únicos recursos escassos existentes. Cada agente humano tem, controla, e é identificado e associado com um único corpo humano, o qual é também ele próprio um recurso escasso.[7] Ambos os corpos, humanos ou não humanos são recursos escassos e queridos para serem utilizados como meios por agentes na busca de vários objectivos.
Portanto, qualquer sistema ou teoria política deve definir os direitos de domínio sobre os corpos humanos bem como em coisas externas. Vamos considerar primeiro as regras libertárias de atribuição de propriedade no que respeita ao corpo humano, e a correspondente noção de agressão pertinente aos corpos. Os libertários em geral declaram vigorosamente o “princípio da não-agressão”. Como Ayn Rand disse, “enquanto os homens desejarem viver juntos, nenhum homem poderá iniciar – você me ouviu? Nenhum homem poderá iniciar – o uso de força física contra outros”.[8] Ou, como Rothbard colocou:
“O credo libertário repousa num axioma central: de que nenhum homem ou grupo de homens podem iniciar uma agressão contra uma pessoa ou a sua propriedade. Isso pode ser apelidado de “axioma da não-agressão”. “Agressão” é aqui definida como a iniciação do uso, ou ameaça, de violência física contra qualquer pessoa ou propriedade. Agressão é portanto sinónimo de invasão.”[9]
Por outras palavras, os libertários defendem que o único caminho para violar direitos é através da iniciação de força – isto é, cometendo agressão. (O pensamento libertário também sustenta que, enquanto a iniciação de força contra o corpo de outra pessoa não é permissível, a força utilizada em resposta a uma agressão – como a defensiva, restituidora ou retaliatória/punitiva – é justificada.)[10]
Agora, no caso do corpo, está claro o que constitui agressão: A invasão das fronteiras do corpo de alguém, comumente chamado de ataque, ou, mais geralmente, utilizar o corpo de outra pessoa sem o seu consentimento.[11] A noção de agressão interpessoal pressupõe direitos de propriedade sobre os corpos – mais particularmente, que cada pessoa é, ao menos em prima facie, o proprietário do seu próprio corpo.[12]
Os filósofos políticos não libertários têm um ponto de vista diferente. Cada pessoa tem alguns direitos limitados sobre seu próprio corpo, mas não um direito completo ou exclusivo. A sociedade – ou o estado, supostamente sendo o agente da sociedade – tem também certos direitos em cada corpo dos cidadãos. Essa escravidão parcial é implícita nas acções do estado e leis como as de cobrança de impostos, serviço militar e a proibição de drogas.
O libertário diz que cada pessoa é a proprietária plena do seu corpo: ela tem o direito de controlar o seu corpo, decidir se deve ou não ingerir narcóticos, entrar para o exército, e assim por diante. Os não-libertários que defendem uma qualquer proibição estatal, necessariamente, no fundo, defendem que o estado, ou a sociedade, é pelo menos, em parte, um proprietário parcial do corpo das pessoas submetidas a tais leis – ou até mesmo o proprietário em absoluto no caso do serviço militar ou ainda de “criminosos” não agressores [N.T.: crimes sem vítimas] encarcerados para toda a vida. Os libertários acreditam na autopropriedade. Os não-libertários – estatistas – de uma qualquer estirpe advogam assim, do ponto de vista libertário, alguma forma de escravidão.
Autopropriedade e a Prevenção de Conflitos
Sem direitos de propriedade, há sempre a possibilidade de se dar um conflito acerca de recursos (escassos). Mas com a atribuição a cada recurso de um proprietário, os sistemas legais tornam possível o uso de recursos sem conflitos, estabelecendo fronteiras visíveis que os não proprietários devem evitar. O pensamento libertário não sanciona uma qualquer regra de atribuição de propriedade.[13] Ele favorece a autopropriedade e não a propriedade por outros (escravidão).
O libertário procura regras de atribuição de propriedade porque ele valoriza ou aceita várias normas-base (“grundnorms”) como a justiça, paz, prosperidade, cooperação, minimização de conflitos e civilização.[14] A visão libertária é que a autopropriedade é a única regra de atribuição de propriedade compatível com essas normas-base; isso está implícito por elas.
Como o professor Hoppe demonstrou, a atribuição de propriedade de um dado recurso não pode ser aleatória, arbitrária, particular ou enviesada, mas sim uma norma que sirva para evitar conflitos.[15] Os títulos de propriedade têm que ser atribuídos a um dos requerentes que está competindo por eles baseado na “existência de uma ligação, objectiva e determinável de forma intersubjectiva, entre o proprietário e o recurso requerido”.[16] No caso do corpo de alguém, é a sua relação única entre a pessoa e seu corpo – o controle directo e imediato sobre o seu corpo, e o fato de que, ao menos em algum sentido, um corpo é uma dada pessoa e vice-versa – que constitui a ligação objectiva suficiente para reconhecer a essa pessoa uma reivindicação sobre seu corpo superior aos típicos defensores da escravatura.
Mais ainda, qualquer intruso que reivindicar como seu o corpo de outra pessoa não pode negar essa ligação objectiva e estatuto especial já que o intruso necessariamente o pressupõe no seu próprio caso. Assim, é porque, na sua busca pelo domínio sobre os outros e em afirmar propriedade no corpo dos outros, ele está ao mesmo tempo a pressupor a propriedade no seu próprio corpo. Ao fazê-lo, o intruso demonstra que ele atribui algum significado nessa relação, mesmo que (ao mesmo tempo) ele não atribua esse significado à relação do outro com o seu próprio corpo.[17]
O pensamento libertário reconhece que somente a regra da autopropriedade é universalizável e compatível com os objectivos de paz, cooperação e prevenção de conflitos. Nós reconhecemos que cada pessoa é prima facie o proprietário de seu próprio corpo porque, em virtude de sua relação única e conexão com seu próprio corpo – o controlo directo e imediato sobre ele – tem assim a melhor reivindicação a ele que qualquer outra pessoa.
Propriedade em Coisas Externas
Os libertários aplicam um raciocínio similar no caso de outros recursos escassos – a saber, os objectos externos no mundo que, ao contrário dos corpos, se encontraram em algum momento sem proprietário. No caso dos corpos, a ideia de agressão sendo não permissível implica imediatamente autopropriedade. No caso de objetos externos, entretanto, nós precisamos de identificar quem é o proprietário antes de sabermos o que constitui agressão.
Como no caso dos corpos, os seres humanos necessitam de poder utilizar objectos externos como meios para atingir vários fins. Porque essas coisas são escassas, há também o potencial para conflitos. E, como no caso dos corpos, os libertários apoiam a atribuição de direitos de propriedade como forma de acabar com conflitos, permitir a paz e o uso produtivo desses recursos. Portanto, como no caso dos corpos, a propriedade é atribuída à pessoa com a melhor reivindicação ou ligação a um dado recurso escasso – no qual a “melhor reivindicação” é baseada nos objectivos de permitir a paz e acabar com os conflitos nas relações humanas no uso dos recursos.
Ao contrário dos corpos humanos, os objectos externos não constituem parte da nossa identidade, não são controlados directamente pela vontade, e – significativamente – eles encontram-se inicialmente sem proprietário.[18] Aqui, o libertário percebe que a relação objectiva relevante é a apropriação original – a transformação ou ocupação de um recurso previamente sem proprietário, o homesteading lockeano, o primeiro uso ou posse original de uma coisa.[19] Sob essa abordagem, o primeiro (prévio) utilizador de uma coisa previamente sem proprietário tem prima facie a melhor reivindicação do que o segundo (posterior) reivindicador, somente pela virtude de ter sido primeiro.
Por que essa apropriação é a relação relevante para a determinação do proprietário? Primeiro, tenha-se em mente que a questão a respeito de tais recursos escassos é: quem é o proprietário do recurso? Lembremo-nos que propriedade é o direito de controlar, usar ou possuir,[20] enquanto a posse é o controle de facto – “a autoridade de facto que uma pessoa exerce sobre uma coisa corpórea”.[21] A questão não é quem tem a posse física; é quem tem a propriedade.
Logo, perguntar quem é o proprietário de um recurso pressupõe uma distinção entre propriedade e posse – entre o direito a controlar e o actual controlo. E a resposta tem que levar em conta a natureza das coisas previamente sem proprietário – a saber, que elas devem em algum ponto tornarem-se propriedade [apropriação original] por um primeiro proprietário.
A resposta deve também ter em conta os pressupostos objectivos de quem procura essa resposta: regras que permitam o uso livre de conflitos de recursos. Por esta razão, a resposta a quem é o dono ou proprietário não pode ser qualquer um que calhe ter o controlo do recurso num dado momento ou qualquer um que tenha o poder para o tirar. Para se sustentar esta visão tinha que se adoptar um sistema o-poder-determina-o-direito, onde a propriedade se resume à posse, por falta de distinção.[22] Tal sistema, longe de evitar conflitos, torna-os inevitáveis.[23]
Mas ao invés da abordagem de o-poder-ou-a-força-determina-o-direito, a partir das ideias referidas acima é óbvio que a propriedade pressupõe uma distinção prévio-posterior: quem quer que um dado sistema especifique como o proprietário de um recurso, esse alguém terá uma melhor reivindicação do que os que possam chegar posteriormente. [24] Caso contrário não será o proprietário, mas meramente o actual utilizador ou possuidor debaixo do princípio o-poder-ou-a-força-determina-o-direito, no qual não existirá propriamente propriedade, o que contradiz os pressupostos da própria investigação. Se o proprietário original não tem uma melhor reivindicação que os posteriores, então ele não é um proprietário, mas meramente um possuidor potencialmente apenas temporário, de, e não há tal coisa como propriedade propriamente dita.
Mais genericamente, as reivindicações posteriores são inferiores àquelas dos proprietários prévios, ou a quem se apropriou originalmente do recurso ou a quem pode relacionar o seu título de propriedade até ao proprietário original.[25] A importância crucial da distinção prévio-posterior para a teoria libertária é repetidamente enfatizado pelo professor Hoppe nos seus textos.[26]
Portanto, a posição libertária no que toca aos direitos de propriedade é que, na sua função de evitar conflitos sobre o uso produtivo de recursos escassos, os títulos de propriedade sobre determinados recursos são atribuídos a determinados proprietários. Como foi realçado acima, entretanto, a atribuição de títulos não pode ser aleatória, arbitrária ou particularista; ao invés disso, tem que ser baseada na “existência de uma ligação objectiva e intersubjectiva determinável entre o proprietário” e a coisa ou recurso assim reclamado.[27] Como se pode concluir pelas considerações acima apresentadas, essa ligação é constituída pela transformação física ou ocupação ou por uma sequência determinável de transferência de títulos que remeterão até ao proprietário original.[28]
Consistência e Princípio
Os libertários não são os únicos a serem, neste contexto, civilizados. A maioria das pessoas atribui em maior ou menor medida algum peso às considerações acima. Aos seus olhos, usualmente, a pessoa é a proprietária do seu próprio corpo. Um apropriador original torna-se proprietário dos recursos que ele apropria – pelo menos até que o estado dele se aproprie “por meio da lei”.[29] Essa é a principal distinção entre libertários e não libertários: os primeiros opõem-se consistentemente à agressão, definida em termos de invasão de fronteiras da propriedade, onde os direitos de propriedade são atribuídos na base da autopropriedade no caso dos corpos; e no caso de outras coisas, os direitos são entendidos na base da posse prévia ou “homesteading” [apropriação originária] e transferência contratual de um determinado título de propriedade.
Este conjunto de direitos está, com consistência, na base dos princípios libertários da interacção e cooperação pacífica – em resumo, na base de um comportamento civilizado. Um paralelo para a visão misesiana da acção humana pode ser esclarecedor aqui. De acordo com Mises, a acção humana destina-se a aliviar um determinado desconforto sentido.[30] Portanto, os meios são utilizados, de acordo com o entendimento do agente sobre as leis causais, para alcançar vários fins – e, em última análise, para a remoção de algum desse desconforto.
O homem civilizado sente-se desconfortável com a perspectiva de conflitos violentos com os outros. Por um lado, ele quer, por alguma razão prática, controlar um dado recurso escasso e usar a violência contra outra pessoa, se necessário, para alcançar esse controle. Por outro lado, ele também quer evitar o uso errado de força. O homem civilizado, por alguma razão, sente-se relutante e desconfortável com a perspectiva de uma interacção violenta com os seus semelhantes. Possivelmente tem alguma relutância em entrar em conflito violento com os outros por causa de objectos porque de alguma forma terá empatia com esses outros.[31] Mas talvez o instinto de cooperação seja um resultado da evolução social. Como Mises notou,
“Há pessoas que somente têm como fim melhorar a condição do seu próprio ego. Há outras pessoas com consciência dos problemas dos seus semelhantes, o que lhes causa um desconforto considerável, ou ainda mais desconforto que os seus próprios desejos lhe causam.”[32]
Qualquer que seja a razão, por causa desse desconforto, quando há o potencial para um conflito violento sobre um dado recurso escasso que ele deseja, o homem civilizado procura uma boa justificação para o seu controlo ao qual outras pessoas se opõem. Mas essa empatia – ou qualquer outra coisa que estimula os homens a adoptarem normas-base libertárias – dá lugar a um aumento desse desconforto, o que por sua vez dá lugar à acção ética.
O homem civilizado pode ser definido como aquele que persegue uma justificação para o uso de violência interpessoal. Quando a necessidade se torna inevitável – para a defesa da sua vida ou propriedade – o homem civilizado procura activamente essa justificação. Naturalmente, já que essa procura por uma justificação é feita por pessoas que estão inclinadas para a razão e a paz (uma justificação é antes de tudo uma actividade pacífica que necessariamente toma lugar durante uma troca de argumentos ou discurso),[33] o que elas procuram são regras que sejam justas, potencialmente aceites por todos, fundadas na natureza das coisas e universalizáveis, e que permitam uso de recursos de forma livre de conflitos.
Os princípios libertários da propriedade privada emergem como o único candidato que satisfaz esses critérios. Portanto, se o homem civilizado é aquele que procura uma justificação para o uso da violência, o libertário é aquele que leva mais a sério esse empreendimento. Ele tem uma atitude de princípio, profundo e inato, de oposição à violência, e um igualmente compromisso profundo com a paz e a cooperação.
Pelas razões acima mencionadas, o pensamento libertário é a filosofia política que favorece consistentemente as regras sociais que visam promover a paz, a prosperidade e a cooperação.[34] Ele reconhece que as regras que satisfazem normas-base da civilização são o princípio da autopropriedade, o “homesteading lockeano” (a apropriação original de recursos), aplicado tão consistentemente quanto possível.
E como argumentei noutro lugar, porque o Estado necessariamente comete agressão, o libertário que é consistente, opondo-se à agressão, é também um anarquista.[35]
NOTAS
- Os termos direitos de propriedade “privada” é por vezes utilizados pelos libertários, o que sempre achei estranho, já que os direitos de propriedade são necessariamente públicos, e não privados, no sentido de que as fronteiras ou limites de propriedade devem ser publicamente visíveis, de modo que não proprietários possam evitar transgressão. Para saber mais sobre esse aspecto das fronteiras de propriedade, consulte: Hans-Hermann Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism: Economics, Politics, and Ethics (Boston: Kluwer Academic Publishers, 1989), pp. 140–41 [Nota: livro já traduzido pelo português sob o título Uma Teoria Sobre Socialismo e Capitalismo (Ed. São Paulo, Instituto Ludwig Von Mises Brasil) que está disponível online aqui e em diante será referenciado nessa versão em português]; Stephan Kinsella, “A Libertarian Theory of Contract: Title Transfer, Binding Promises, and Inalienability” Journal of Libertarian Studies 17, no. 2 (Spring 2003): n. 32; idem, Against Intellectual Property (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 2008), pp. 30–31, 49; also Randy E. Barnett, “A Consent Theory of Contract”, Columbia Law Review 86 (1986): 303. ↩︎
- Murray N. Rothbard, “Direitos Humanos como Direitos de Propriedade“, em Ética da Liberdade (Ed. São Paulo, Instituto Ludwig Von Mises Brasil); idem, Por uma nova Liberdade – O Manifesto Libertário (Ed. São Paulo, Instituto Ludwig Von Mises Brasil). ↩︎
- “Justice is the constant and perpetual wish to render every one his due… The maxims of law are these: to live honestly, to hurt no one, to give every one his due.” The Institutes of Justinian: Text, Translation, and Commentary, trans. J.A.C. Thomas (Amsterdam: North-Holland, 1975). ↩︎
- Como o professor Yiannopoulos explica: “A propriedade pode ser definida como um direito exclusivo a controlar um bem económico … ; é o termo para um conceito que se refere aos direitos e obrigações, privilégios e restrições que regem as relações do homem com relação a coisas de valor. Pessoas há que em todos os lugares e em todos os momentos desejam a posse de coisas que são necessárias para a sobrevivência ou valiosa por definição cultural e que, como resultado da procura colocada sobre elas, se tornam escassos. As leis impostas pela sociedade organizada controlam a competição por, e garantir o gozo de, estas coisas desejadas. O que é garantido como sendo de sua propriedade é … [direitos de propriedade] confere uma autoridade directa e imediata sobre uma coisa.”
A.N. Yiannopoulos, Louisiana Civil Law Treatise, Property (West Group, 4th ed. 2001), §§ 1, 2 (primeira ênfase no original; ênfases restantes adicionadas). Ver também Louisiana Civil Code, Art. 477 (“A propriedade é o direito que confere a uma pessoa autoridade directa, imediata e exclusiva sobre uma coisa. O proprietário de uma coisa pode usar, gozar e dispor dela dentro dos limites e sob as condições estabelecidas pela lei”). ↩︎ - Para uma análise sistemática das diversas formas de socialismo, do socialismo estilo russo, estilo socialismo social-democrata, o socialismo do conservadorismo e o socialismo da engenharia social, ver Hoppe, Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo, capítulos 3-6. Reconhecendo os elementos comuns entre várias as formas de socialismo e a sua distinção do pensamento libertário (capitalismo), Hoppe define incisivamente socialismo como “uma interferência institucionalizada ou uma agressão sobre a propriedade privada ou a reclamação de propriedade privada” Ibid. , P. 12. Ver também a citação de Hoppe na nota 9, abaixo. ↩︎
- Mesmo o ladrão privado, tirando o seu relógio, está implicitamente agindo sobre a máxima de que ele tem o direito de controlá-lo – que ele é seu dono. Ele não nega os direitos de propriedade – ele simplesmente difere do libertário a respeito de quem é o dono. Na verdade, como Adam Smith observou: “Se houver uma qualquer associação de ladrões e assassinos, eles terão, pelo menos, de acordo com uma observação banal, de absterem-se de roubar e assassinar uns aos outros. Adam Smith, The Theory of Moral Sentiments (Indianapolis: Liberty Fund, [1759] 1982), II.II.3. ↩︎
- Como observa Hoppe, mesmo num paraíso com uma superabundância de bens, “cada corpo físico de um indivíduo seria ainda um recurso escasso e por isso existiria a necessidade de estabelecerem regras de propriedade, ou seja, regras relativas ao corpo das pessoas. As pessoas não estão acostumadas a pensar no seu próprio corpo como um bem escasso, mas ao imaginar a situação mais ideal que se pode esperar, como o Jardim do Éden, torna-se possível perceber que o corpo de alguém é realmente o protótipo de um bem escasso para o qual o uso de direitos de propriedade, ou seja, direitos de propriedade exclusivos, de alguma forma têm de ser estabelecidos, para evitar conflitos”.
Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo. Ver também Stephan Kinsella & Patrick Tinsley, “Causation and Aggression“, Quarterly Journal of Austrian Economics 7, no. 4 (Winter 2004): 111–12 (discutindo o uso de corpos de outros seres humanos como meios). ↩︎ - Ayn Rand, “Galt’s Speech,” em For the New Intellectual, citado em The Ayn Rand Lexicon, verbete “Physical Force”. Ironicamente, os objectivistas acusam muitas vezes os libertários de terem um conceito de agressão descontextualizado – isto é, que “agressão” ou “direitos” não têm sentido a menos que estes conceitos sejam incorporados num quadro filosófico maior do objectivismo – apesar da definição directa por Galt de agressão como a iniciação de força física contra os outros. ↩︎
- Rothbard, Por Uma Nova Liberdade. Ver também idem, A Ética da Liberdade: “O axioma fundamental da teoria libertária é que cada pessoa deve ser autoproprietário, e que ninguém tem o direito de interferir em tal autopropriedade”, e “O que … a violência agressiva significa é que um homem invade a propriedade de outra pessoa sem o consentimento da vítima. A invasão pode ser contra a propriedade de um homem na sua pessoa (como no caso de agressão corporal), ou contra sua propriedade em bens tangíveis (como no roubo ou na invasão) ”. Hoppe escreve: Se … uma acção executada invade sem consentimento ou altera a integridade física do corpo de outra pessoa e coloca este corpo a fazer o que não é do agrado desta pessoa, esta acção … é chamado de agressão … Ao lado do conceito de acção, propriedade é a categoria mais básica em ciências sociais. Por uma questão de facto, todos os outros conceitos a serem introduzidos neste capítulo – agressão, contrato, capitalismo e socialismo – são definíveis em termos de propriedade: agressão sendo agressão contra a propriedade, sendo o contrato um relacionamento não-agressivo entre os proprietários, o socialismo uma política institucionalizada de agressão contra a propriedade, e o capitalismo sendo uma política institucionalizada do reconhecimento da propriedade e do contratualismo. Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo. ↩︎
- Ver Stephan Kinsella, “A Libertarian Theory of Punishment and Rights“, Loyola of Los Angeles Law Review 30 (1997): 607–45; idem, “Punishment and Proportionality: The Estoppel Approach“, Journal of Libertarian Studies 12, no. 1 (Spring 1996): 51–73. ↩︎
- Os termos e as formulações que se seguem podem ser considerados como aproximadamente sinónimos, dependendo do contexto: agressão; iniciação da força; “trespass”; invasão; a alteração na integridade física não consentida (ou sem serem convidados) (ou uso, o controle ou a posse) do corpo ou propriedade de outra pessoa. ↩︎
- “Prima facie” porque alguns direitos sobre o próprio corpo são indiscutivelmente perdidos ou perdidos em determinadas circunstâncias, como por exemplo, quando se comete um crime, autorizando a vítima a, pelo menos, usar a força defensiva contra o corpo do agressor (o que implica que o agressor não é, nessa medida, o proprietário de seu corpo). ↩︎
- Sobre a importância do conceito de escassez e a possibilidade de conflito para o surgimento de regras de propriedade, consulte Hoppe, Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo e a discussão dos mesmos em Stephan Kinsella, “Thoughts on the Latecomer and Homesteading Ideas; or, Why the Very Idea of ‘Ownership’ Implies that only Libertarian Principles are Justifiable,” Mises Economics Blog (Aug. 15, 2007). ↩︎
- “Grundnorm “ era uma expressão do filósofo jurídico Hans Kelsen para uma norma fundamental hipotética ou regra que serve de base ou fonte final para a legitimidade de um sistema jurídico. Ver Hans Kelsen, General Theory of Law and State, trans. Anders Wedberg (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1949). Eu empreguei este termo para referir as normas fundamentais pressupostas por pessoas civilizadas, e.g., no discurso argumentativo, que por sua vez implicam normas libertárias. Que as normas-base libertários são, de fato, necessariamente pressupostos por todas as pessoas civilizadas, na medida em que eles são civilizados – a saber, durante a justificação argumentativa – é mostrado por Hoppe na sua defesa dos direitos libertários pela ética argumentativa. Sobre isso, consulte Hoppe, Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo, capítulo 7; Stephan Kinsella, “New Rationalist Directions in Libertarian Rights Theory“, Journal of Libertarian Studies 12, no. 2 (Fall 1996): 313–26 [NT: versão traduzida aqui]; idem, “Defending Argumentation Ethics,” Anti-state.com (Sept. 19, 2002). Para a discussão de por que as pessoas (de uma forma ou outra) dão valor dessas normas subjacentes, ver Stephan Kinsella, “The Division of Labor as the Source of Grundnorms and Rights“, Mises Economics Blog (April 24, 2009), e idem, “Empathy and the Source of Rights“, Mises Economics Blog (Sept. 6, 2006). Ver também idem, “Punishment and Proportionality”:
“As pessoas que são civilizados estão … preocupadas com a justificação da punição. Elas querem punir, mas elas também querem saber que essa punição é justificada – elas querem legitimamente serem capazes de punir … As teorias da punição preocupam-se em justificar a punição, oferecendo a homens decentes que estão relutantes em agir imoralmente uma razão pela qual eles podem punir outros. E isso é útil, é claro, também por oferecer a homens morais orientação e a garantia de que eles podem lidar adequadamente com aqueles que procuram prejudicá-los.” ↩︎ - Ver Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo. Ver também Kinsella, “A Libertarian Theory of Punishment and Rights“, pp. 617–25; idem, “Defending Argumentation Ethics”. ↩︎
- Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo. ↩︎
- Para uma elaboração desse ponto ver Stephan Kinsella, “How We Come To Own Ourselves” Mises Daily (Sept. 7, 2006) [NT: versão traduzida aqui]; idem, “Defending Argumentation Ethics”; Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, capítulos 1, 2, and 7. Ver também Hoppe, “The Idea of a Private Law Society,” LewRockwell.com (August 1, 2006): “Fora do Jardim do Éden, no reino de escassez generalizada, a solução [para o problema da ordem social – a necessidade de regras para permitir que os conflitos sejam evitados] é fornecida por quatro regras inter-relacionadas. … Em primeiro lugar, cada pessoa é o verdadeiro proprietário de seu próprio corpo físico. Quem mais senão Crusoe, deve ser o proprietário do corpo de Crusoe? caso contrário, não constituiria isso um caso de escravidão, e a escravidão não é só injusta, como anti-económica” ↩︎
- Para uma discussão mais aprofundada da diferença entre corpos e bens apropriados para fins de direitos, consulte Kinsella, “A Libertarian Theory of Contract” pp. 29 e segs.; e idem “Como nos tornamos proprietários de nós mesmos.” ↩︎
- Sobre a natureza de apropriação de recursos escassos sem dono, ver as ideias de Jasay e de Hoppe citadas e discutidas em Kinsella, “Thoughts on the Latecomer and Homesteading Ideas“, e nota 24 abaixo. Em particular, ver Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo; e Anthony de Jasay, Against Politics: On Government, Anarchy, and Order (London & New York: Routledge, 1997), pp. 158 et seq., 171 et seq., et pass. De Jasay é também extensamente discutido no meu “Book Review of Anthony de Jasay, Against Politics: On Government, Anarchy, and Order“, Quarterly Journal of Austrian Economics 1, no. 3 (Fall 1998): 85–93. O argumento de De Jasay pressupõe o valor da justiça, eficiência e ordem. Tendo em conta estes objectivos, ele defende três princípios da política: (1) na dúvida, abster-se de acção política; (2) o que é viável presume-se como livre; e (3) deixemos a exclusão operar. Em conexão com o princípio (3), “deixemos a exclusão operar”, De Jasay oferece alguns comentários perspicazes sobre a natureza da apropriação ou apropriação de bens sem proprietário. De Jasay equaciona a propriedade com os seus donos “excluírem” os outros de a usar, por exemplo, colocando cercas em bens imóveis (terrenos) ou encontrar ou criar (e manter) bens que se movem (objectos tangíveis, corpóreos). Ele conclui que uma vez que uma coisa apropriada não tem outro proprietário, prima facie, ninguém tem o direito de se opor ao primeiro possuidor a reclamar a posse. Assim, o princípio significa “deixemos a propriedade operar”, ou seja, ele afirma que os títulos de propriedade de bens apropriados ao estado de natureza ou adquirida, em última análise através de uma sequência de transferências até à tal apropriação devem ser respeitados. Isto é consistente com a defesa de Hoppe da teoria “natural” da propriedade. Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo. Para uma discussão sobre a natureza da apropriação, ver Jörg Guido Hülsmann, “The A Priori Foundations of Property Economics“, Quarterly Journal of Austrian Economics 7, no. 4 (Winter 2004): 51–57. ↩︎
- Ver a nota 4 acima e o texto que a acompanha. ↩︎
- Yiannopoulos, Property, § 301 (ênfase adicionada); ver também Louisiana Civil Code, Art. 3421 (“A posse é a detenção ou o gozo de uma coisa corpórea, bens móveis ou imóveis, que alguém detém ou exerce por si próprio ou por outro que mantém esse exercício sob o nome dele.” [ênfase adicionada]) ↩︎
- Ver, nessa conexão, a citação de Adam Smith na nota 6 acima. ↩︎
- Esta é também, a propósito, a razão pela qual a posição de “ocupação” mutualista na posse da terra é anti-libertária, conforme discutido no meu artigo “A Critique of Mutualist Occupancy”.
Colocando o restante desta nota no original.
As mutualist Kevin Carson writes: For mutualists, occupancy and use is the only legitimate standard for establishing ownership of land, regardless of how many times it has changed hands. An existing owner may transfer ownership by sale or gift; but the new owner may establish legitimate title to the land only by his own occupancy and use. A change in occupancy will amount to a change in ownership. . . . The actual occupant is considered the owner of a tract of land, and any attempt to collect rent by a self-styled [“absentee”] landlord is regarded as a violent invasion of the possessor’s absolute right of property. Kevin A. Carson, Studies in Mutualist Political Economy (Self-published: Fayetteville, Ark., 2004, http://mutualist.org/id47.html), chap. 5, sec. A (emphasis added). Thus, for mutualism, the “actual occupant” is the “owner”; the “possessor” has the right of property. If a homesteader of land stops personally using or occupying it, he loses his ownership. Carson contends this is compatible with libertarianism: [A]ll property rights theories, including Lockean, make provision for adverse possession and constructive abandonment of property. They differ only in degree, rather than kind: in the “stickiness” of property. . . . There is a large element of convention in any property rights system—Georgist, mutualist, and both proviso and nonproviso Lockeanism—in determining what constitutes transfer and abandonment. Kevin A. Carson, “Carson’s Rejoinders,” Journal of Libertarian Studies 20, no. 1 (Winter 2006): 133 (emphasis added). In other words, Lockeanism, Georgism, mutualism are all types of libertarianism, differing only in degree. In Carson’s view, the gray areas in issues like adverse possession and abandonment leave room for mutualism’s “occupancy” requirement for maintaining land ownership. But the concepts of adverse possession and abandonment cannot be stretched to cover the mutualist occupancy requirement. The mutualist occupancy view is essentially a use or working requirement, which is distinct from doctrines of adverse possession and abandonment. The doctrine of abandonment in positive law and in libertarian theory is based on the idea that ownership acquired by intentionally appropriating a previously unowned thing may be lost when the owner’s intent to own terminates. Ownership is acquired by a merger of possession and intent to own. Likewise, when the intent to own ceases, ownership does too—this is the case with both abandonment of ownership and transfer of title to another person, which is basically an abandonment of property “in favor” of a particular new owner. See Kinsella, “A Theory of Contracts,” pp. 26–29; also Louisiana Civil Code, Art. 3418 (“A thing is abandoned when its owner relinquishes possession with the intent to give up ownership”) and Art. 3424 (“To acquire possession, one must intend to possess as owner and must take corporeal possession of the thing”; emphasis added).
The legal system must therefore develop rules to determine when property has been abandoned, including default rules that apply in the absence of clear evidence. Acquisitive prescription is based on an implicit presumption that the owner has abandoned his property claims if he does not defend it within a reasonable time period against an adverse possessor. But such rules apply to adverse possessors—those who possess the property with the intent to own and in a sufficiently public fashion that the owner knows or should know of this. See Yiannopoulos, Property, § 316; see also Louisiana Civil Code, Art. 3424 (“To acquire possession, one must intend to possess as owner and must take corporeal possession of the thing”; emphasis added) and Art. 3476 (to acquire title by acquisitive prescription, “The possession must be continuous, uninterrupted, peaceable, public, and unequivocal”; emphasis added); see also Art. 3473. The “public” requirement means that the possessor possesses the proper openly as owner, adverse or hostile to the owner’s ownership—which is not the case when, for example, a lessee or employee uses an apartment or manufacturing facility under color of title and permission from the owner. Rules of abandonment and adverse possession are default rules that apply when the owner has not made his intention sufficiently clear—by neglect, apathy, death, absence, or other reason. (In fact, the very idea of abandonment rests on the distinction between ownership and possession. Property is more than possession; it is a right to possess, originating and sustained by the owner’s intention to possess as owner. And abandonment occurs when the intent to own terminates. This happens even when the (immediately preceding) owner temporarily maintains possession but has lost ownership, as when he gives or sells the thing to another party (as I argue in Kinsella, “A Theory of Contracts,” pp. 26–29).) Clearly, default abandonment and adverse possession rules are categorically different from a working requirement, whereby ownership is lost in the absence of use. See, e.g., Louisiana Mineral Code, § 27 (http://law.justia.com/louisiana/codes/21/87935.html) (“A mineral servitude is extinguished by: . . . prescription resulting from nonuse for ten years”). Loss of ownership is not l ost by nonuse, however, and a working requirement is not implied by default rules regarding abandonment and adverse possession. See e.g., Louisiana Civil Code, Art. 481 (“The ownership and the possession of a thing are distinct. . . . Ownership exists independently of any exercise of it and may not be lost by nonuse. Ownership is lost when acquisitive prescription accrues in favor of an adverse possessor”; emphasis added). Carson is wrong to imply that abandonment and adverse possession rules can yield a working (or use or occupancy) requirement for maintaining ownership. In fact, these are distinct and independent legal doctrines. Thus, when a factory owner contractually allows workers to use it, or a landlord permits tenants to live in an apartment, there is no question that the owner does not intend to abandon the property, and there is no adverse possession (and if there were, the owner could institute the appropriate action to eject them and regain possession; see Yiannopoulos, Property, §§ 255, 261, 263–66, 332–33, 335 et pass.; Louisiana Code of Civil Procedure (http://tinyurl.com/lacodecivproc), Arts. 3651, 3653 & 3655; Louisiana Civil Code, Arts. 526 & 531). There is no need for “default” rules here to resolve an ambiguous situation. (For another critique of Carson, see Roderick T. Long, “Land-Locked: A Critique of Carson on Property Rights,” Journal of Libertarian Studies 20, no. 1 (Winter 2006): 87–95.) A final note here: I cite positive law here not as an argument from authority, but as an illustration that even the positive law carefully distinguishes between possession and ownership; and also between a use or working requirement to maintain ownership, and the potential to lose title by abandonment or adverse possession, to illustrate the flaws in Carson’s view that an occupancy requirement is just one variant of adverse possession or default abandonment rules. Furthermore, the civilian legal rules cited derive from legal principles developed over the ages in largely decentralized fashion, and can thus be useful in our own libertarian efforts to develop concrete applications of abstract libertarian principles. See Stephan Kinsella, “Legislation and the Discovery of Law in a Free Society,” Journal of Libertarian Studies 11, no. 2 (Summer 1995): 132–81; also idem, “Knowledge, Calculation, Conflict, and Law,” pp. 60–63 (discussing Randy Barnett’s views on the distinction between abstract legal rights and more concrete rules that serve as guides to action). ↩︎ - Ver Kinsella, “Thoughts on the Latecomer and Homesteading Ideas”. ↩︎
- Ver o Louisiana Code of Civil Procedure, Art. 3653:
“Para obter uma sentença reconhecendo a propriedade de bens imóveis … o requerente deve:
– Provar que ele adquiriu a propriedade de um proprietário anterior ou pela prescrição aquisitiva, se o Tribunal verificar que o réu está em posse dos mesmos; ou
– Provar que o seu título é melhor que o do réu, se o Tribunal verificar que o último não está na posse dele.
Quando os títulos das partes estão, em sequência, conectados até um autor comum, ele se presumirá ser o proprietário anterior.”
Ver também o Louisiana Civil Code, Arts. 526, 531–32; Yiannopoulos, Property, §§ 255–79 e 347 et pass. ↩︎ - Ver, e.g., Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo; idem, The Economics and Ethics of Private Property: Studies in Political Economy and Philosophy (Boston: Kluwer, 1993), pp. 191–93; ver também a discussão destes e outros assuntos relacionados em Kinsella, “Thoughts on the Latecomer and Homesteading Ideas“; idem, “Defending Argumentation Ethics”; e idem, “How We Come To Own Ourselves“.
Ver também o argumento de de Jasay (nota 17, acima) no qual desde que uma coisa apropriada não tenha outro dono, prima facie ninguém tem o direito de opor-se ao primeiro possuidor alegando a posse. A ideia “deixe a exclusão operar” de de Jasay, juntamente com a ênfase hoppeana da distinção anterior-posterior, lança luz sobre a natureza do próprio homesteading (NT.: apropriação original). É, com frequência, perguntado sobre que tipos de actos constituem ou são suficientes para o homesteading (ou “embordering” como Hoppe, às vezes, se refere a ele); que tipo de “trabalho” deve ser “misturado com” uma coisa; e a que propriedade o homesteading se estende? O que “conta” como homesteading “suficiente”? Podemos ver que que a resposta a estas perguntas está relacionada com a questão de qual é a coisa em disputa. Em outras palavras, se B reivindica a posse de uma coisa possuída (ou possuído anteriormente) por A, então o próprio enquadramento da disputa ajuda a identificar qual é a coisa em disputa, e o que conta como posse dela. Se B reivindica a posse de um determinado recurso, ele deseja o direito de controlá-lo, em certa medida, de acordo com sua natureza. Então, a questão torna-se, se alguém anteriormente já o controlava (o que está em disputa), de acordo com a sua natureza; ou seja, se alguém já o apropriou, de modo que B é apenas um retardatário?
Isto está relacionado com o princípio de Jasay “deixa a exclusão operar”, que repousa sobre a ideia que se alguém é realmente capaz de controlar um recurso de tal forma que os outros são excluídos, então esta exclusão deve “ser válida ou operar.” É claro que a natureza física de um determinado recurso escasso e a maneira como os seres humanos usam tais recursos irá determinar a natureza das acções necessárias para “controlá-los” e excluir outros. Ver também a discussão de Rothbard da “unidade tecnológica relevante” em “Law, Property Rights, and Air Pollution” [NT: versão traduzida aqui]; também B.K. Marcus, “The Spectrum Should Be Private Property: The Economics, History, and Future of Wireless Technology” e idem, “Radio Free Rothbard”.
Como Hoppe explica em “The Idea of a Private Law Society”, “cada pessoa é o verdadeiro proprietário de todos os bens fornecidos pela natureza em que ele tenha percebido ser escasso e colocado em uso por meio de seu corpo, antes de qualquer outra pessoa. Na verdade, quem mais, se não o primeiro utilizador, deve ser o seu proprietário? O segundo ou terceiro? Se assim fosse, porém, a primeira pessoa não iria executar o seu acto de apropriação original, e assim a segunda pessoa tornar-se-ia a primeira, e assim por diante. Ou seja, ninguém jamais iria ter permissão para realizar um acto de apropriação original e a humanidade morreria instantaneamente. Alternativamente, o primeiro utilizador juntamente com todos os retardatários tornar-se-iam proprietários de parte dos bens em questão. Assim o conflito não irá ser evitado, o que se deve fazer se os vários co-proprietários têm ideias incompatíveis sobre o que fazer com os produtos em questão? Esta solução também seria antieconómica, pois reduziria o incentivo a utilizar bens percebidos como escassos pela primeira vez.” Ver também, nesse contexto, Anthony de Jasay, Against Politics, ainda discutido e citado em Kinsella, “Thoughts on the Latecomer and Homesteading Ideas“, como também em Kinsella, “Book Review of Anthony de Jasay, Against Politics”. ↩︎ - Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e Capitalismo. ↩︎
- Para uma teoria da transferência de contratos, ver: Williamson M. Evers, “Toward a Reformulation of the Law of Contracts“, Journal of Libertarian Studies 1, no. 1 (Winter 1977): 3–13; Rothbard, “Direitos de Propriedade e Teoria de Contratos“, capítulo 19 in idem, A Ética da Liberdade; Kinsella, “A Libertarian Theory of Contract“. ↩︎
- As leis estatais e disposições constitucionais oferecem com frequência uma existência ilusória sobre os vários direitos pessoais e de propriedade, mas em seguida, retira-os de volta ao reconhecer o direito do estado de regulamentar ou infringir esse direito desde que operando “segundo a lei” ou sendo “não arbitrário”. Ver, por exemplo, Constituição da Rússia, Art. 25 (“O lar é inviolável. Ninguém tem o direito de entrar em uma casa, contra a vontade das pessoas que vivem lá, com excepção dos casos estabelecidos por lei federal ou por decisão judicial”) e Art. 34 (“Toda a pessoa terá o direito de utilizar livremente as suas capacidades e propriedade para uso empresarial ou qualquer outra actividade económica não proibida pela lei”); Constituição da Estónia, Art. 31 (“os cidadãos estónios, terão o direito de se envolver em actividades comerciais e de constituir associações com fins lucrativos. A lei pode determinar as condições e os procedimentos para o exercício desse direito.”); Declaração Universal dos Direitos Humanos, Art. 17 (“Toda a pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros … Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”); Art. 29 (2) (“No exercício dos seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática”). ↩︎
- Ludwig von Mises, Human Action, 4th ed. (Irvington-on-Hudson, N.Y.: Foundation for Economic Education, 1996), pp. 13–14, et pass. [NT: versão traduzida aqui]. ↩︎
- Para a discussão sobre o papel da empatia na adopção de normas-base libertárias, ver a nota 14, acima. ↩︎
- Mises, Human Action, p.14. ↩︎
- Como explica Hoppe, “justificação — prova, conjectura, refutação — é uma justificação argumentativa.” Hoppe, The Economics and Ethics of Private Property, p. 384; ver também ibid, p. 413, e também Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo. ↩︎
- Por essa razão, o nome cooperativismo proposto por Hanz Helitt para a filosofia da liberdade, tem seu apelo. Ver Henry Hazlitt, Foundations of Morality, p. xii. ↩︎
- Ver Stephan Kinsella, “What It Means To Be an Anarcho-Capitalist”; e também Jan Narveson, “The Anarchist’s Case” em Respecting Persons in Theory and Practice (Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 2002). ↩︎