Neste artigo vou tentar expor de forma simples e sucinta, não só a inutilidade, mas também a perversão de um Banco Central imprimir moeda. Muitos têm sido os defensores desta medida incluindo influentes economistas mundiais. No entanto, basta uma análise atenta para verificarmos a destrutividade de tal medida.
Podia abordar o aspecto imoral de desvalorizar salários, rendimentos e poupanças – pois pensar em aumentar o suprimento de dinheiro sem pensar no consequente aumento generalizado dos preços (fenómeno vulgarmente e erradamente denominado por inflação[1]), seria algo completamente desprovido de lógica no raciocínio, mas vou debruçar-me apenas nos aspectos económicos.
Comecemos pela questão inicial. Para onde é dirigido o dinheiro recém-criado? Existem diversos processos de expansão monetária. Um deles é a impressão de moeda para financiamento directo dos estados. Nesta injecção de dinheiro novo, compete-nos analisar a sua movimentação. Sendo esse dinheiro dirigido de um banco central para os estados, é de seguida redireccionado segundo critérios arbitrários para políticas governamentais e para empresas «amigas» dessas políticas (onde se incluem potencialmente os bancos). As consequências deste jogo não são positivas, são danosas e graves.
Uma das consequências básicas deste acto, é, com todos os outros dados económicos inalterados, o aumento global dos preços dos bens e serviços. Os únicos beneficiários são os recebedores em primeira instância. Quando efectivamente o novo dinheiro se tiver espalhado pela sociedade, o seu valor terá sido diluído pelo já referido aumento de preços.
Um segundo aspecto incontornável é a base deste negócio. Moeda imprimida é trocada por títulos de dívida estatal – moeda recém-criada por títulos de dívida recém-criados, ou moeda recém-criada por títulos de dívida já em mercado. Clarificando a sequência lógica neste ponto, terá forçosamente que ocorrer (mais cedo ou mais tarde) um aumento de impostos para o pagamento dessa dívida. Ou seja, a maioria da população que sentiu o aumento da oferta monetária diluída pelo aumento de preços, sofrerá neste ponto, um empobrecimento. A esta equação falta ainda somar a parcela dos juros sobre essa mesma dívida. Nesta fase os lucros afunilam-se para uma elite ainda mais restrita – os Bancos Centrais.
Analisemos agora processos de criação de dinheiro de natureza diferente ao já descrito. Tomemos como exemplo a política monetária do BCE. Podemos, neste caso, referir três instrumentos basilares: mudanças no compulsório, operações de mercado aberto e linhas de crédito permanentes.
- Mudanças no compulsório – por compulsório, entendem-se as reservas que os bancos são obrigados a manter junto do BCE e que se baseiam nos seus depósitos em conta-corrente. Ao alterar o valor das reservas compulsórias, os bancos podem expandir os créditos ou ser forçados a contraí-lo. Normalmente este processo não é utilizado e o compulsório mantém-se nos 2%.
- Operações de mercado aberto – este mecanismo refere-se à iniciativa do BCE na compra ou venda de títulos directamente (processo pouco utilizado) ou na sua utilização em transacções (processo frequente).
- Linhas de crédito permanentes – O BCE mantém permanentemente um serviço de crédito disponível para o sistema bancário. A sua política de crédito divide-se em linhas de crédito de depósito e em linhas de crédito marginal. No crédito de depósito, os bancos podem depositar dinheiro no BCE pelo período de um dia e receber juros sobre o valor depositado (com uma taxa de juros nivelada pelo limite superior da taxa de juros praticado pelo mercado inter-bancário). No crédito marginal, os bancos podem adquirir directamente um empréstimo do BCE a preços punitivos (com uma taxa de juros nivelada pelo limite superior da taxa de juros praticado pelo mercado inter-bancário).
Acrescento neste ponto, se é que é preciso, que toda esta política do BCE constitui um aumento constante da oferta monetária com todas as suas consequências já descritas. Sobre a dívida pública, embora o BCE não financie directamente os estados, a criação de dinheiro também é em parte dirigida para eles por intermédio de linhas de crédito constantes disponibilizadas pelo mercado bancário com a consequência, também já descrita, do agravamento da dívida estatal.
É apresentado neste artigo o exemplo do BCE (Banco Central Europeu). Se analisássemos o funcionamento do FED (Reserva Federal dos Estados Unidos da América), veríamos a sua profunda semelhança com os mecanismos do BCE. De referir que a única diferença assinalável é o facto de o FED financiar directamente o governo americano (através da compra de títulos do tesouro ao sistema bancário). No caso do BCE, esse acto é impedido (pelo menos, por enquanto) pelos seus estatutos (porém, com o decorrer desta crise, foram abertas excepções).
Todos estes movimentos são defendidos em torno do crescimento económico e do crescimento do emprego mas, passado o devido tempo, mal toda a economia se tenha moldado à nova quantidade de moeda, o crescimento ilusório desaparecerá e o desemprego voltará aos níveis anteriores. Pior, mal o aumento da carga tributária ocorra (e podem ter a certeza que ocorrerá no caso do aumento do endividamento dos estados), com todos os restantes dados económicos inalterados, a economia ficará mais pobre e o desemprego será superior aos valores anteriores a estas iniciativa monetárias.
No final, será evidente [2] que tudo isto mais não terá sido do que processos de redistribuição de quase toda a comunidade para uma minoria muito restrita e de um empobrecimento global da economia. Na prática, não passará de uma calamidade.
- Inflação. Sobre este termo, julgo ser importante clarificar o seu verdadeiro significado. Inflação, significa o aumento do suprimento de dinheiro numa economia e não o aumento de preços. O aumento de preços ou, se preferirmos, a inflação dos preços, é a principal consequência do aumento de moeda numa economia. ↩︎
- Neste contexto, o termo «evidente» é discutível, pois tantas vezes repetido este erro, e este fenómeno continua a não ser percebido pela maioria da população. ↩︎