Este artigo foi adaptado de uma palestra proferida no Albuquerque Mises Circle, no Novo México, em 14 de setembro de 2024.
Ao longo da sua história, o liberalismo – a ideologia actualmente designada por “liberalismo clássico” ou “libertarianismo” – tem sofrido da impressão de que é sobretudo contra as coisas. Isto não está totalmente errado. Historicamente, o liberalismo surgiu como uma ideologia reconhecível, em grande parte, por oposição ao mercantilismo e ao absolutismo na Europa Ocidental. Com o tempo, esta oposição estendeu-se também ao socialismo, ao proteccionismo, ao imperialismo, à guerra agressiva e à escravatura. Neste sentido, os liberais lutaram durante séculos contra uma vasta gama de males morais e económicos que espalharam a pobreza, a injustiça e a miséria.
No entanto, ser “contra” as coisas nunca foi suficiente em si mesmo e os liberais nunca se contentaram em sê-lo. O liberalismo, como é óbvio, há muito que está intimamente associado aos chamados valores “burgueses”, à propriedade privada, à autodeterminação local e – apesar das afirmações em contrário – às instituições religiosas. Actualmente, porém, estas instituições que há muito sustentam o liberalismo e a sociedade livre encontram-se num estado avançado de decadência. Estas são as instituições que tornaram possível a sociedade e a vida cívica sem o controlo do Estado.
O declínio destas instituições não aconteceu por acaso. O poder do Estado moderno é o resultado de longas guerras do Estado contra igrejas independentes, contra laços familiares e contra a auto-determinação local. O Estado nunca sofreu rivais, pelo que qualquer organização que concorra pelos “corações e mentes” da população deve ser tornada impotente.
Assim, descobrimos que o desafio em causa é mais do que simplesmente opormo-nos ao Estado. Pelo contrário, é necessário construir, reforçar e sustentar instituições que possam oferecer alternativas ao Estado em termos de organização e apoio à sociedade humana.
Afinal de contas, é seguro dizer que a maioria das pessoas que encontramos hoje em dia se habituou a recorrer ao Estado para satisfazer uma série crescente de necessidades e desejos. Entre elas contam-se as pensões, os cuidados de saúde, a escolaridade, a investigação científica e a segurança pública, para citar apenas algumas.
Graças ao declínio da família, é até possível imaginar que, para muitos milhões de cidadãos, as suas relações mais significativas e duradouras são com organismos governamentais.
Neste ambiente, se tivermos alguma esperança de substituir as instituições do Estado por algo melhor, terá de haver instituições privadas que possam ser apresentadas de forma plausível como substitutos das instituições do Estado que tantos pensaram proporcionar conforto, segurança e necessidades básicas.
Sem estas instituições privadas, a tarefa do liberalismo de proporcionar um mundo de instituições livres, privadas e prósperas é muito mais difícil – ou mesmo impossível.
As Sociedades São Compostas por Instituições
Como observa o historiador libertário Ralph Raico, os liberais fazem uma distinção fundamental entre o Estado e a “sociedade”. A sociedade é simplesmente as instituições que não são o Estado. Ou, como diz o filósofo David Gordon, “os liberais acreditam que as principais instituições da sociedade podem funcionar com total independência do Estado”.
Todas estas instituições fora do Estado são aquilo a que chamamos “o sector privado”. Muitas vezes associamos a frase apenas a empresas comerciais, mas também é apropriado falar de igrejas, famílias e quaisquer organizações comunitárias não estatais como “o sector privado”.
A ideia de que as instituições da sociedade, o sector privado, podem funcionar sem um Estado é um facto histórico estabelecido. Desde os primórdios da civilização humana, mesmo na ausência de Estados, as pessoas criaram instituições e relações destinadas a proporcionar ordem, segurança e redes de protecção social. Como descrito pelo historiador de Yale Paul Freedman, muitas sociedades têm sido mantidas juntas por algo diferente de “governo no sentido em que o entendemos”. Em vez disso, elas podem ser mantidas juntas com o que Freedman chama de “redes e laços sociais informais”. Estes incluem “parentesco, família, lei de vingança (ex: código de honra nos ciganos pelas famílias e amigos das vitimas), religião”.
Mas também podemos encontrar instituições mais formais e recentes, concebidas especificamente para prestar serviços que outrora tinham sido prestados por Estados e impérios.
O Papel das “Corporações”
Durante a Idade Média, e até à era do Absolutismo, por exemplo, os europeus, confrontados com instituições estatais fracas e limitadas, criaram aquilo a que os académicos chamam “Corporações”. Não eram as corporações que hoje associamos às sociedades anónimas. Estas organizações eram, nas palavras do historiador económico Avner Greif, “associações permanentes voluntárias, baseadas em interesses, auto-governadas e criadas intencionalmente. Em muitos casos, eram auto-organizadas e não estabelecidas pelo Estado”.
Estas incluíam a própria Igreja, mas também as ordens monásticas, as universidades, as cidades-estado italianas, as comunas urbanas, as milícias e as corporações de mercadores. Todas procuravam activamente proteger os seus próprios interesses comerciais nas várias instituições jurídicas da Europa.
Além disso, independentemente da sua origem, estas corporações tendiam a considerar os seus próprios interesses como distintos dos interesses do príncipe ou do poder civil. As corporações funcionavam assim como mais um travão institucional ao poder do Estado. Como Raico demonstrou, o poder político descentralizado da Europa – e as protecções da propriedade privada que o acompanham – nasceu de um ambiente jurídico complexo de contratos, direitos e outras considerações legais impostas aos príncipes e às autoridades civis pelas exigências destes grupos empresariais. Assim, a Europa passou a albergar filosofias políticas e jurídicas que respeitavam a ideia do “meu e teu” em vez da ideia de que tudo pertence ao príncipe ou à colectividade.
Citando Raico:
“Os príncipes viam-se muitas vezes de mãos atadas pelas cartas de direitos (…) que eram obrigados a conceder aos seus súbditos. No fim de contas, mesmo nos Estados relativamente pequenos da Europa, o poder estava disperso por propriedades, ordens, cidades, comunidades religiosas, corporações, universidades, etc., cada um com as suas próprias liberdades garantidas.”
Não é de surpreender que a ascensão do Estado moderno esteja intimamente ligada à luta do Estado contra estas instituições. Como demonstrou o historiador do Estado Martin van Creveld, para consolidar o poder, o Estado teve primeiro de enfraquecer gravemente ou destruir as igrejas, a nobreza, as cidades e as corporações. Afinal de contas, estas organizações competiam com o Estado. Muitas vezes, forneciam as suas próprias redes de segurança económica e a ordem civil através dos tribunais e das milícias locais. Criavam um sentido de comunidade e de objectivo social à parte da ideia de nação ou de Estado. Prestavam serviços económicos essenciais, como no caso da Liga Hanseática, que oferecia rotas comerciais seguras e serviços de arbitragem para os comerciantes.
Estes sistemas políticos policêntricos constituíam obstáculos à consolidação do poder do Estado e, como observou o economista Murray Rothbard, o processo de abolição das instituições não estatais acelerou-se durante o início do período moderno. Em França, no século XVI, o processo estava em pleno andamento.
Rothbard escreve:
“Os legalistas franceses do século XVI [isto é, aqueles que serviam o rei absolutista] derrubaram sistematicamente os direitos legais de todas as corporações ou organizações que, na Idade Média, se tinham interposto entre o indivíduo e o Estado. Deixou de haver autoridades intermediárias ou feudais. O rei é absoluto em relação a estes intermediários, e fá-los ou desfá-los à sua vontade.”
Este processo era necessário para acabar com as bolsas de independência e de resistência ao Estado. Em tempos anteriores, o Estado tinha de obter a adesão de uma variedade de organizações que podiam oferecer uma resistência real ao seu domínio. Como observou Alexis de Tocqueville no século XIX: “Ainda não há cem anos, na maior parte das nações europeias, numerosas pessoas e corporações privadas eram suficientemente independentes para administrar a justiça, criar e manter tropas, cobrar impostos e, frequentemente, até fazer ou interpretar a lei.”
Isto também resume essencialmente o que tem sido a luta entre o Estado e o sector privado durante séculos. Tudo o que antes era privado, separado, descentralizado ou não estava sob o controlo do Estado central tem de ser subjugado.
Criar uma Relação Estado-Cidadão Directa
No entanto, mesmo após a abolição da sua independência legal medieval, as igrejas, as organizações fraternas e as famílias continuaram a ser instituições fundamentais para a solidariedade local, a independência regional e o alívio da pobreza.
Além disso, as empresas familiares alargadas constituíam um “locus” separado de poder fora do Estado, e muitas destas famílias procuravam conscientemente manter-se economicamente independentes. A visão do historiador marxista Eric Hobsbawm sobre a “família burguesa” não é exactamente elogiosa, mas capta, no entanto, parte do papel central da família na sociedade do século XIX: “A ‘família’ não era apenas a unidade social básica da sociedade burguesa, mas a sua unidade básica de propriedade e de empreendimento”.
Mas mesmo esta competição institucional informal com o Estado não podia ser tolerada. No século XIX, a oposição do Estado às instituições independentes foi levada ao nível seguinte com o Estado-providência. Foi na Alemanha que, pela primeira vez, o nacionalista conservador Otto von Bismarck introduziu um verdadeiro Estado-providência burocrático. Raico recorda-nos que o Estado-providência foi um esforço deliberado de Bismarck para acabar com a independência financeira da população em relação ao Estado.
Além disso, o economista Antony Mueller conclui que o Estado-providência estabeleceu “um sistema de obrigações mútuas entre o Estado e os seus cidadãos”. Isto solidificou ainda mais a ideia de que o Estado devia ter uma relação directa com os indivíduos, sem obstáculos institucionais locais, culturais ou religiosos. Foi esta necessidade política de – como disse um dos conselheiros de Bismarck – “ligar o povo ao trono com correntes de gratidão”, que levou à introdução do Estado-providência.
Este representou também uma forma poderosa de contornar a unidade familiar como amortecedor institucional entre o Estado e os indivíduos. É certo que o alívio da pobreza existiu no passado. Mas era quase sempre administrado ao nível do agregado familiar. O Estado, antes do Estado-providência de Bismark, ainda não tinha ultrapassado completamente a unidade familiar para lidar directamente com os indivíduos.
Não é de surpreender que, mais de um século depois de Bismark, a família como instituição tenha entrado em declínio acentuado e, a menos que seja novamente reforçada, deixe de oferecer qualquer contrapeso ou resistência institucional ao poder do Estado.
Escolas Públicas
Talvez nenhuma instituição tenha feito mais para envolver directamente os indivíduos do que as escolas públicas.
A ascensão das escolas públicas e a substituição do ensino privado e do ensino doméstico foi uma das maiores conquistas do Estado no último século – grande no sentido em que contribuiu muito para destruir o sector privado.
Historicamente, o ensino público foi durante muito tempo orientado para promover a uniformidade cultural, a assimilação e uma ideologia pró-governo nos alunos. As escolas privadas, por outro lado, foram muitas vezes fundadas especificamente com o objectivo de oferecer uma alternativa às escolas do regime. Têm-se concentrado frequentemente no ensino de uma cultura e de um currículo diferentes dos oferecidos pelo Estado. Muitas vezes, estas instituições encorajam, directa ou indirectamente, o cepticismo em relação às normas culturais e ideológicas impostas pelas escolas públicas.
Escusado será dizer que os governos nunca se mostraram entusiasmados com a existência de tais instituições.
A Guerra Contra as Escolas Cristãs Privadas
No início do século XX, a educação pública americana reflectia uma versão diluída do cristianismo protestante. Mas os elementos religiosos existiam, em grande parte, para oferecer uma patina de moralidade religiosa por detrás do que era, antes de mais, uma educação ideológica política. O papel mais importante das escolas era transformar os alunos em bons cidadãos da política americana.
As escolas religiosas privadas, porém, não jogavam necessariamente este jogo. Tanto os grupos luteranos como os católicos davam frequentemente mais ênfase à educação religiosa, ajudando mesmo a perpetuar os valores dos grupos de imigrantes que povoavam as escolas. As escolas luteranas ensinavam frequentemente o uso da língua alemã e da religião luterana. Para muitos, isso era feito à custa da assimilação cultural e da “lealdade” aos governos americanos. Pior ainda eram as escolas católicas, que ensinavam pontos de vista religiosos e culturais considerados pela maioria protestante como ainda mais estranhos do que os dos luteranos.
A oposição a estas escolas aumentou ainda mais com o jingoísmo da Primeira Guerra Mundial. Assim, não foi por acaso que algumas das maiores ameaças ao ensino privado surgiram durante a década de 1920.
No seu livro Public Vs. Private: The Early History of School Choice in America, Robert Gross apresenta a história desse período:
“Na década de 1920, os protestantes conservadores organizaram as campanhas mais concertadas desde as origens dos sistemas de escolas públicas para proibir o ensino privado. Em mais de uma dúzia de estados tentaram, mas não conseguiram, proibir a frequência de escolas privadas, enquanto no Oregon promulgaram com sucesso uma lei que obrigava os alunos a frequentar exclusivamente as escolas públicas.”
Esta lei “obrigava as crianças com idades compreendidas entre os oito e os dezasseis anos a frequentar a escola pública… Os pais que não cumprissem a lei enfrentavam pesadas multas e prisão”.
A lei do Oregon, no entanto, não iria durar muito. Foi derrubada pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos em 1925.
Os argumentos apresentados pelos advogados do Estado do Oregon eram os típicos argumentos “façam-no pelas crianças”. De acordo com o Estado, não se pode confiar nos pais para educar correctamente os seus filhos. Mais especificamente, uma vez que as crianças da escola de hoje são os eleitores de amanhã, argumentou o Estado, este tem um interesse público primordial em garantir que os alunos recebam uma educação adequada. (O que é correcto, como é óbvio, deve ser determinado pelo governo).
A resposta, aparentemente, poderia ser encontrada ao obrigar os pais a enviar os seus filhos para as escolas públicas (presumivelmente de maior qualidade e mais competentes).
Declínio da Família
A vitória do Estado em tornar as instituições governamentais (ou seja, as escolas) centrais na vida da maioria das crianças reflecte-se ainda mais na instituição que é suposto ser central na vida das crianças: a família.
A tendência de declínio da família é clara há décadas. Em 1992, o sociólogo David Popenoe publicou um estudo exaustivo sobre o estado das famílias intitulado “American Family Decline, 1960-1990”.
No seu estudo, Popenoe reconhece que muitos factores do declínio da família são anteriores à década de 1960. Entre eles, o aumento das taxas de divórcio e a diminuição da fertilidade. No entanto, a situação acelerou de facto entre os anos 60 e os anos 90. Um aspecto fundamental é a queda da taxa de fertilidade. No final dos anos 50, a mulher americana média tinha 3,7 filhos ao longo da sua vida. Em 1990, segundo Popenoe, a média era de 1,9. Em 2023, era inferior a 1,8.
Qualquer que seja a conclusão a que se chegue sobre qual o número “correcto” de filhos a ter, Popenoe observa que este facto ilustra uma tendência real de desinteresse pela educação dos filhos. Os dados dos inquéritos também confirmam este facto e, como diz Popenoe, assistimos a “uma diminuição dramática, e provavelmente sem precedentes históricos, dos sentimentos positivos em relação à paternidade e à maternidade”.
A relevância da taxa de fertilidade para os nossos propósitos é que ilustra um interesse decrescente na vida familiar em geral, o que se traduz numa falta de estabilidade e duração da vida familiar, como vemos noutros indicadores, como o divórcio.
De facto, nas últimas décadas, continuamos a assistir a um recuo generalizado do casamento. Popenoe constatou que, entre 1960 e 1990, a proporção de mulheres com idades compreendidas entre os 20 e os 24 anos que nunca se casaram mais do que duplicou, passando de 28% para 63%; para as mulheres com idades compreendidas entre os 25 e os 29 anos, o aumento foi ainda maior, passando de 11% para 31%
Estas tendências mantiveram-se, embora a um ritmo menos dramático, nos 30 anos que se seguiram ao estudo de Popenoe. As tendências ilustram que as famílias estão a ser desinstitucionalizadas de várias formas. Isto é, a vida familiar tem uma duração mais curta e envolve geralmente relações mais instáveis que são menos centrais para a vida das pessoas.
Ou, como diz Popenoe, “mudança familiar é declínio familiar”. Este facto é ilustrado de várias formas. É mais provável que as crianças saiam de casa antes dos dezoito anos em famílias não intactas. Isto é especialmente verdade para as mulheres jovens. As taxas de casamento entraram em declínio profundo e estão actualmente nos níveis mais baixos de sempre. O casamento foi substituído, em muitos aspectos, por casais que coabitam, mas os casais não casados deste tipo tendem a registar relações mais curtas.
O número de adultos norte-americanos que vivem em união de facto diminuiu de 67% para 53% entre 1990 e 2019.
Poderíamos citar uma série de outras estatísticas, e as pessoas podem discordar quanto ao facto de os casos individuais serem ou não positivos, em diversas circunstâncias. Mas há uma conclusão que é difícil de contestar: estas tendências tornam claro que a família é muito menos relevante e menos importante como instituição social do que no passado. E, como tal, está mal equipada para oferecer qualquer tipo de resistência significativa aos esforços actuais do Estado para reduzir a pó todas as instituições não-estatais.
Popenoe resume o que significa ser institucionalmente forte. Escreve: “Num grupo forte, os membros estão intimamente ligados ao grupo e seguem largamente as normas e os valores do grupo. As famílias tornaram-se claramente mais fracas neste sentido”.
Qual é a razão para isso? Muitos dados sugerem que se trata, na sua esmagadora maioria, de uma questão ideológica. Ouvimos falar muito do facto de as pessoas dizerem que não têm dinheiro para constituir família. No entanto, as taxas de casamento e de fertilidade estão actualmente muito abaixo do que eram durante a Grande Depressão. Ou podemos notar que as taxas de fertilidade são actualmente mais baixas do que eram em 1942, quando o mundo estava envolvido numa das guerras mais sangrentas e destrutivas da história.
Assim, é difícil levar a sério qualquer afirmação de que, por qualquer medida objectiva, o mundo é demasiado perigoso ou demasiado incomportável para justificar a família e o casamento.
Em vez disso, o cenário mais provável é simplesmente o facto de as pessoas não acreditarem que o casamento e a maternidade são importantes. Análises históricas robustas demonstraram este facto. Por exemplo, num estudo de 2021, em coautoria com Enrico Spolaore, o maior determinante das taxas de fertilidade na Europa durante um período de 140 anos foi a difusão das ideologias francesas anti-fertilidade.
A família e o casamento diminuem porque as pessoas não acreditam que são importantes.
O Ocaso das Instituições Não-Estatais
O declínio da família é apenas a mais recente prova de como os esforços do Estado para neutralizar as instituições não-estatais têm sido extremamente bem-sucedidos. Os obstáculos institucionais ao poder do Estado são sombras do que foram no passado. Há muito que desapareceram as comunas independentes, as cidades livres, as milícias locais e os mosteiros e igrejas independentes. Na história mais recente, mesmo as organizações fraternas e as instituições de caridade locais tornaram-se cada vez mais invisíveis e cada vez mais dependentes do dinheiro dos impostos do governo central. A observância religiosa está em profundo declínio. As organizações eclesiásticas, como as escolas e as paróquias, estão consequentemente muito reduzidas. As famílias são menos coesas e menos permanentes.
Em contrapartida, as relações económicas e institucionais mais duradouras que muitas pessoas mantêm são com o seu governo nacional. A grande maioria dos impostos é paga aos governos centrais. A maior parte dos cuidados de saúde e das pensões provém dos governos nacionais. Actualmente, os Estados – e não as igrejas ou as famílias proeminentes locais – dominam financeiramente as universidades, os hospitais e o combate à pobreza.
Tudo isto é vantajoso para o Estado, uma vez que significa que menos indivíduos podem confiar na família ou noutras redes locais para segurança económica ou social. Significa menos lealdades a qualquer comunidade, excepto a vagamente definida e essencialmente imaginária “comunidade” nacional.
Os Indivíduos Não São Suficientes
Em resposta a tudo isto, alguns poderão dizer: “Oh, não precisamos de organizações ou instituições. Só precisamos de individualistas convictos!” É uma boa ideia, mas não há provas de que isso funcione por si só como contrapeso ao poder do Estado. Historicamente, os liberais há muito que compreenderam que a oposição ao poder do Estado não pode ser eficaz se se basear meramente na oposição de indivíduos difusos que não partilham interesses práticos, religiosos, familiares ou económicos pré-existentes e duradouros e sentimentos de causa comum.
Pelo contrário, a resistência ao Estado tende a centrar-se em torno de alguma lealdade cultural ou institucional local. Historicamente, isso assumiu muitas vezes a forma de redes locais de famílias e seus aliados. Tocqueville observou que estes grupos proporcionavam um nexo pronto para organizar a oposição aos abusos do governo. Ele escreve:
“Enquanto o sentimento de família se mantivesse vivo, o antagonista da opressão nunca estava sozinho; olhava à sua volta e encontrava os seus clientes, os seus amigos hereditários e os seus parentes. Se este apoio faltasse, ele era sustentado pelos seus antepassados e animado pela sua posteridade.”
Sem estas instituições, ou outras semelhantes, concluiu Tocqueville, a oposição política ao Estado torna-se ineficaz. Mais concretamente, sem instituições através das quais se possa construir, na prática, a resistência ao poder do Estado, mesmo a ideologia anti-regime não tem forma de ser posta em prática.
Tocqueville prossegue:
“Que força pode ter conservado a opinião pública, quando nem vinte pessoas estão ligadas por um laço comum; quando nem um homem, nem uma família, nem uma corporação, nem uma classe, nem uma instituição livre, tem o poder de representar essa opinião; e quando cada cidadão – sendo igualmente fraco, igualmente pobre e igualmente dependente [sic] – tem apenas a sua impotência pessoal para se opor à força organizada do governo?”
O liberal franco-suíço Benjamin Constant chegou a conclusões semelhantes, observando que as instituições sociais locais fornecem frequentemente um contrapeso cultural ao poder do Estado através da solidariedade e da organização. Constant escreve: “Os interesses e as memórias que nascem dos costumes locais contêm um germe de resistência que a autoridade só sofre com arrependimento e que se apressa a erradicar. Com os indivíduos, a autoridade tem mais facilidade; o seu enorme peso rola sobre eles sem esforço, como sobre a areia.”
O Que Deve Ser Feito?
Assim, se quisermos opor-nos de forma significativa ao poder do Estado, é necessário encorajar, fazer crescer e sustentar instituições e organizações sobre as quais os Estados não podem tão facilmente fazer rolar o seu enorme peso. Quando as pessoas apoiam uma paróquia local, criam uma família, constroem um negócio, criam organizações de ajuda mútua ou promovem a independência cívica local, estão a fazer um trabalho que é absolutamente fundamental para combater o poder do Estado. Embora seja sempre bom falar mal do poder do Estado – e opormo-nos às suas inúmeras formas de violência e empobrecimento – isso não é suficiente. Temos também de falar bem das instituições não estatais e de as reforçar no nosso trabalho diário e na nossa vida quotidiana.
Artigo publicado originalmente no Mises Institute.