A seguinte é uma entrevista que realizei com o brilhante filósofo Dr. David Gordon, descrito como o crítico semioficial da comunidade libertária. Dificilmente haveria alguém melhor para nos ajudar a compreender a «praxeologia» e os fundamentos do pensamento austro-libertário da escola de von Mises, Rothbard, Block e Hoppe, entre outros. Siga os links para aceder aos úteis recursos para a compreensão da definição de alguns termos filosóficos e materiais mencionados por David.
R: David, você dividiu duas escolas de pensamento em filosofia e economia — a escola alemã, que eu acho que vem do círculo de Viena, muito influenciada pelos empiristas britânicos, como Locke e Hume; e a escola austríaca, liderada por Ludwig von Mises, que foi influenciado por Menger e Böhm-Bawerk. Mises era um certo racionalista; pelo menos, usava a linguagem de Immanuel Kant para mostrar que precisamos de algum tipo de dualismo quando nos envolvemos nas ciências empíricas e físicas (que usam o método científico e o método histórico). Ou seja, para obter conhecimento do mundo, também devemos usar o pensamento racionalista. Nesse sentido, diria que o pensamento de Mises remete a Aristóteles ao afirmar esses axiomas irrefutáveis que podemos determinar racionalmente por nós mesmos?
G: Sim, o que você diz me parece ser o que Mises pensava. Os empiristas acreditam que obtemos conhecimento extraindo os nossos conceitos do mundo; por exemplo, você olha para várias mesas e observa o que elas têm em comum e chega ao conceito de «mesa». Mas Mises observou que isso não funciona para certos conceitos e, nisso, ele foi muito influenciado por Kant. Ele observou que as pessoas seriam incapazes de determinar o que são «acções» apenas olhando para o mundo. Poderíamos ver movimentos de vários tipos, mas não seríamos capazes de ver acções a menos que tivéssemos o conceito de acção. Então, ele pensou que havia alguns tipos de acções que eram mais importantes, aquelas que não podiam ser derivadas da experiência, mas, pelo contrário, eram necessárias para que certos tipos de experiência fizessem sentido.
R: É importante ter em mente que o cerne do pensamento misesiano está nesses conceitos. No entanto, algumas pessoas criticaram Mises pela discussão sobre o a priori. Por favor, defina a priori e o que é a posteriori?
G: Bom, este é um termo muito controverso. Temos de distinguir entre conceitos a priori e julgamentos ou proposições. Um conceito a priori é do tipo que já mencionámos — não é derivado da experiência e é pressuposto para compreender um certo tipo de experiência. Mas uma proposição a priori, que é o que suscita a maior parte da controvérsia, é aquela que se pode saber que é verdadeira sem testá-la pela experiência ou por qualquer outra coisa. É apenas algo que se compreende imediatamente, assim que se entende que o seu significado é verdadeiro. Por exemplo, 2 + 2 = 4; eu não sei isto pegando em duas maçãs e juntando-as, e depois repetindo isto e fazendo uma generalização – isso não prova que está correcto. Parece que posso pegar em 2 + 2 = 4, expandir e perceber que é verdade; essa é a verdade a priori. É algo que pode ser conhecido independentemente da experiência. No entanto, não se pode saber que isso é verdade porque um professor de matemática de confiança disse isso. Nesse caso, não se sabe que é verdade porque se pensou nisso, está-se apenas a confiar na palavra de outra pessoa. Essa proposição a priori é uma que se poderia saber ou que poderia ser conhecida apenas pensando nela.
(No entanto, torna-se mais complicado; por exemplo, conhecido por quem? É conhecido por alguém ou por si? Existem várias teorias sobre isso.)
R: Em resumo, a visão de Mises era que o empirismo não é suficiente porque precisamos do conceito de acção para dar sentido às nossas experiências. É um bom resumo do pensamento de Mises?
G: Gosto muito do que dizes, porque é exactamente essa a sua visão — precisamos desses conceitos para compreender a experiência. Na verdade, se parares por aí, não precisas de dizer que existem proposições a priori. Podes simplesmente dizer que todo o nosso conhecimento acaba por ser hipoteticamente verdadeiro ou ainda por testar. Por isso, alguém poderia defender de forma bastante consistente a teoria de que existem conceitos a priori, mas não proposições a priori. Também se poderia defender o contrário, ou seja, que todos os nossos conceitos provêm da experiência. Dado que temos esses conceitos, vemos que existem certas relações entre eles e simplesmente compreendemos que são verdadeiras. Mises defendia ambas as visões e pensava que existiam tanto conceitos a priori como proposições a priori verdadeiras.
Sintético ou analítico a priori?
R: Acho que o debate sobre se Mises estava realmente a falar de um a priori «analítico» ou «sintético» não é importante. Só precisamos de compreender que temos esses conceitos que podemos determinar como verdadeiros antes de testar a questão, e que estes são axiomas irrefutáveis. Isso estaria correcto?
G: Sim, concordo plenamente consigo. Acho que se deu demasiada importância às teorias analíticas e sintéticas. Algumas pessoas dirão (e não acho que estejam erradas) que a economia austríaca consiste em verdades sintéticas a priori, mas o próprio Mises, em Acção Humana, nunca diz isso. Muitos dizem: «Claro que ele diz isso», mas ele nunca diz isso. Mises parece pensar que elas são analíticas. No entanto, no seu último livro, The Ultimate Foundation of Science, ele apresenta um argumento: se negarmos que existem verdades sintéticas a priori, isso não é em si uma proposição sintética a priori? Mas, mesmo aqui, ele não se compromete a dizer que as verdades da economia são sintéticas a priori.
Acho que devo explicar um pouco o que esses termos significam. Em termos de proposições analíticas e sintéticas, conforme introduzidas por Kant, o que Mises queria dizer com essas verdades é um pouco diferente do que a Escola de Viena de Pensamento Económico queria dizer.
O que significa «analítico»?
Kant pensava que a proposição analítica é aquela em que o predicado está contido no sujeito. Suponha que eu diga que todos os solteiros são homens. Bem, faz parte do conceito de solteiro que um solteiro é um homem solteiro de uma certa idade; os solteiros são homens, portanto «homem» está contido neste conceito de solteiro. Essa é uma proposição analítica.
O que significa «sintético»?
Numa proposição sintética, o predicado não está contido no sujeito. Portanto, todas as proposições são analíticas ou sintéticas, porque ou o predicado está contido no sujeito ou não está. Os positivistas lógicos têm uma definição bastante diferente. A divisão que fazem é: proposições analíticas ou empíricas. A proposição analítica é a definição de uma verdade lógica ou parte de uma definição. É semelhante, mas não exactamente igual no seu conceito. Mas, para eles, uma proposição empírica é apenas aquela que pode ser verificada pela observação sensorial; por exemplo, agora estou a falar consigo no Skype. Talvez existam observações que possam verificar que isso não é verdade. Talvez a nossa ligação tenha sido interrompida; nesse caso, isso não seria verdade. Mas a principal falha na divisão do positivista lógico entre analítico e empírico é que não é garantido que todas as proposições sejam analíticas ou empíricas, enquanto que, na visão de Kant, todas são analíticas ou sintéticas. Na visão do positivista, ainda há espaço lógico para proposições que não são definições e não são verificáveis pela experiência sensorial, mas que ainda assim podem existir! A tese de Kant era que não existem tais proposições.
R: Penso que o empirismo lógico (ou positivismo lógico) hoje parece ter descambado para uma espécie de cientismo1. Com isto quero dizer que muitos pensadores, como Richard Dawkins, tendem a apontar para o método científico como se fosse a única forma de obter conhecimento sobre o mundo. Mas essa mesma afirmação, «o método científico é a única forma de obter conhecimento», não pode ser determinada como verdadeira pelo método científico. Na verdade, eles assumem e utilizam os conceitos que estamos agora a descrever constantemente no seu trabalho e no seu pensamento quotidiano, todos nós fazemos isso. Penso que há algo muito intuitivo no dualismo misesiano. Quando explico este conceito às pessoas, elas dizem: «Sim, eu já sabia disso». Elas parecem entender que é assim que obtêm conhecimento. Você acha que é esse o caso?
G: Penso que você tem alguns pontos excelentes aí. Não é científico dizer que a ciência física é a única maneira de conhecer as coisas; isso seria uma tese filosófica sobre a ciência. Se a ciência física fosse a única maneira de conhecer as coisas, não seríamos capazes de saber isso, porque essa não é uma proposição da ciência física. Uma coisa que Mises enfatizou é que não devemos limitar a ciência às ciências físicas. Ele disse, como você sugere, que nas ciências físicas perguntamos: «Como sabemos do que a matéria é composta?» ou «O que vai acontecer com as estrelas e os planetas?» A maneira de descobrir é observar as coisas; não temos essa compreensão interna de como a matéria se move. Não podemos dizer, apenas olhando para certos elementos físicos, o que eles vão fazer. Teríamos apenas que observar e ver o que acontece. Mas com o conceito de acção humana, é diferente.
Cada um de nós é um actor, não no sentido de alguém que actua em filmes ou peças, mas alguém que, como actor humano, faz coisas a cada instante e está sempre a agir. Temos uma compreensão da acção a partir de dentro, todos sabemos que somos actores e, portanto, podemos partir dessa base. Mais importante ainda, podemos construir um corpo de conhecimento, apenas pensando sobre o que está envolvido no conceito de acção. O objectivo da praxeologia, que é o termo para essa ciência da acção, é que podemos inferir algumas verdades muito surpreendentes sobre economia que as pessoas não saberiam sem algo difícil de entender, como matemática complexa. Podemos pegar em algumas verdades muito simples e chegar a algo grandioso e muito valioso. E essa é a base sobre a qual Mises operava. Mas os positivistas e Karl Popper diziam: «Está a perguntar quais são os critérios para a ciência? As proposições científicas não podem ser classificáveis.» Mas eles não estavam a levar em conta todas as ciências, particularmente a economia. Mises mostrou que a economia tem um método distinto de proceder. Se quiser falar sobre os critérios para uma afirmação científica, deve levar em consideração a economia também.
R: Então, nesse sentido, Mises estava apoiando-se em Frege ao dizer que temos a lógica, temos a matemática, que é uma ciência lógica, e ele estava a dizer que a economia é composta por ambas e é uma ciência lógica. Mas Mises também reconheceu que devemos usar o empirismo na economia também. Isso está correcto?
G: Sim. Um erro fundamental, cometido particularmente por Popper e seus seguidores, diz respeito à visão misesiana do conhecimento empírico. Não se segue que tudo o que entendemos por «conhecimento empírico» é algo que pode ser questionado ou é algo que apenas é uma hipótese, algo que sempre requer mais testes. Podemos saber que certas coisas são verdadeiras sobre o mundo — somos actores — e estas não são apenas hipóteses ou suposições. Frequentemente vejo estudantes a cometer este erro. É claro que Mises estava muito interessado nos fundamentos filosóficos da economia e era muito mais informado em filosofia do que quase qualquer outro economista, mas não devemos confundir a economia austríaca com a filosofia. Existe o problema do cepticismo com a filosofia. Algo muito céptico poderia ser: como posso saber agora que não sou um cérebro em uma cuba e que todas as coisas que estou a experimentar e que penso estar a experimentar não são reais? Há um cientista conectando várias coisas ao meu cérebro para que eu tenha que experimentá-las. Outro problema céptico é que, mesmo que eu saiba que existe um mundo lá fora que posso experimentar nos meus próprios pensamentos, como posso saber que você está a pensar? Talvez eu seja a única mente. Estes são problemas filosóficos muito interessantes, mas não são problemas da economia austríaca.
Suponha que alguém diga: «Vamos ter uma recessão no próximo ano?» Não seria uma boa resposta dizer: «Bom, você está a falar de uma recessão, mas ainda nem estabelecemos que existem outras pessoas, como pode falar de uma recessão?» Nas ciências, e a economia é uma das ciências, tomamos como certo que o mundo existe, que as pessoas existem, tomamos como certo o mundo comum do senso comum porque, na física, não diríamos: «Temos todas estas ondas electromagnéticas e várias coisas a aparecer nos nossos instrumentos, mas como sabemos que os instrumentos realmente existem? Como sabemos que alguma coisa realmente existe?» Por isso, quando os estudantes veem estes termos filosóficos como «a priori», tendem a colocar a fasquia muito alta e perguntam: «Como é que Mises pode estabelecer que as pessoas realmente existem?» Mas Mises não estava a tentar fazer isso, estava apenas a ter uma visão básica e de senso comum das coisas. Sabemos que agimos e o que se segue a partir daí no mundo normal do senso comum.
R: Acho que é por isso que os economistas austríacos ou os filósofos que seguem Mises e o seu dualismo epistemológico são acusados de fazer afirmações metafísicas ou coisas desse tipo. Mas Mises não estava a tentar mostrar que o universo existe necessariamente ou algo do género, estava apenas a tentar usar a ciência lógica para determinar esses axiomas irrefutáveis que usamos como conceitos, que nos ajudam a dar sentido aos dados que adquirimos com os nossos sentidos. Da mesma forma, aprender uma língua permite-nos compreender e comunicar com os outros.
G: Sim, acho que é exactamente isso. Sabemos que os conceitos se aplicam ao mundo porque estamos no mundo, nós próprios somos actores, e por isso sabemos que existem acções. Não existe apenas, como diriam os positivistas, um conceito implícito em certas definições, mas isso não conhecemos realmente acerca do mundo verdadeiro. Deixe-me dar um exemplo de uma crítica positivista a Mises. Uma das proposições que se obtém na praxeologia é que escolhemos sempre a nossa preferência mais valorizada; se preferisse outra coisa a falar comigo agora, estaria a fazer isso em vez de falar comigo, portanto, se está a falar comigo, essa é a sua preferência mais valorizada. Felix Kaufmann sugeriu que estamos apenas a definir a preferência mais valorizada como aquela que escolhemos. Mas Mises não está a definir a sua preferência mais elevada como aquela que realmente escolhe, apenas ter uma preferência no sentido comum. Por exemplo, há pessoas na filosofia que dizem que podem haver casos como fraqueza de vontade, precisão e em que se quer fazer algo que é a sua preferência mais valorizada, mas é-se vencido pela fraqueza e escolhe-se outra coisa: «Eu realmente não quero injectar heroína em mim, mas estou dominado a fazê-lo». Mas Mises apontou que isso é apenas uma pessoa a mudar de preferência, de injectar-se heroína várias vezes.
R: Voltando ao tema dos conceitos axiomáticos, Rothbard parecia discordar de Mises, que via esses conceitos como uma «lei do pensamento». Rothbard disse: «Eu ficaria mais no campo aristotélico, vendo-os como uma lei da realidade, no sentido de que há algo de objectivo neles», e achava que Mises os via de forma muito subjectiva. Roderick Long escreveu sobre isso e quis refinar o pensamento de Wittgenstein, mostrando como Wittgenstein procurou transcender esse debate, dizendo que, se a nossa capacidade de aplicar a lógica ou a matemática, ou a praxeologia, nesse caso, entrasse em colapso, não seria um estilo particular de pensamento que perderíamos, mas sim a capacidade de pensar em si. Isso faz sentido?
G: Bem, se eu tenho pensamentos, espero que eles não se desintegrem completamente! Conheço Roderick muito bem; acho que o ponto que ele estava a defender pode ser ilustrado com esta pergunta: «Os nossos conceitos aplicam-se à realidade?» Ele acha que, se fazemos essa pergunta, estamos a assumir que existe algum tipo de separação entre a imagem que temos dos conceitos dentro das nossas mentes e a realidade lá fora, mas ele diz que não é o caso de os conceitos serem de alguma forma constitutivos do mundo em que estão, porque não podem ser separados do mundo. Por exemplo, a lógica não é um conjunto de leis psicológicas do nosso pensamento (como devemos pensar), mas sim algo que se aplica ao mundo; não são coisas separadas. Ele acha que existe uma espécie de «gramática conceptual» que adquirimos através do estudo da praxeologia, e acho que essa é uma forma muito útil de pensar sobre o assunto, muito semelhante ao que Mises pensava. Precisamos de ter certos conceitos para compreender a realidade, mas isso não significa que exista alguma realidade que exista separada dos conceitos que não compreendemos, algum tipo de mundo luminal que existe sem esses conceitos. Não, este é o mundo ao qual os nossos conceitos se aplicam — é o mundo. Há um filósofo alemão muito interessante, Sebastian Müller, que diz que essa também era a visão de Kant; ele não estava a postular algum outro mundo com conceitos aplicados que não conhecemos, essa é a maneira como compreendemos as coisas.
Agora, Rothbard, ele era um aristotélico, como você diz, vendo os conceitos como abstraídos do mundo. Mas ele achava que, quando fazemos isso, quando abstraímos e obtemos os conceitos, não estamos limitados apenas a certas proposições contínuas — aquelas que podem ser verdadeiras, mas não precisam ser. Suponha que eu diga, novamente, que estou a falar consigo agora no Skype; isso poderia ser falso, eu poderia ter esquecido a chamada e saído, dado que sou um homem idoso e muito distraído e às vezes faço essas coisas. Mas Rothbard achava que havia certas proposições que podíamos compreender sobre o mundo que são necessárias, que não poderiam ser falsas e, por isso, ele falava mais sobre verdades necessárias do que sobre verdades a priori, e isso resume a diferença aqui. No entanto, essas duas visões são muito semelhantes no que obtêm do axioma da acção humana; apenas têm um argumento filosófico ligeiramente diferente.
R: Roderick Long aponta para Rand, dizendo que ela concordaria mais com Aristóteles e Rothbard. A sua visão era que há uma unidade nessas coisas e, portanto, ter tanto o conceito quanto a capacidade de obter dados do mundo ao nosso redor é um todo, uma unidade, e não algo que é dividido, como as pessoas em certa época pensavam que o corpo e a alma eram duas partes de um todo. Rand diz que é mais como um computador; temos todos os componentes e peças para que ele execute uma função, assim como precisamos ter tanto a nossa ciência lógica quanto os nossos dados empíricos. Acha que há uma falha nesse raciocínio?
G: Rand tinha uma visão muito incomum sobre a ideia de conceitos. Veja bem, ela achava que todas as propriedades de um objecto faziam parte do conceito, de modo que, se eu tenho um conceito de mesa, não é apenas uma mesa como um item de mobília onde colocamos coisas, é uma espécie de boa regra prática de definição. Mas o conceito inclui todas as propriedades de todas as mesas, então, se pudéssemos incluir as propriedades na definição, todas as proposições seriam necessárias (mas Rand abriu uma excepção para o livre arbítrio humano). Suponha que eu diga que a luz viaja a 186.000 milhas por segundo ou algo assim. Isso faz parte da definição e do conceito de luz, que ela tem essa velocidade. Portanto, se eu puder imaginar um mundo possível em que a luz pudesse viajar mais rápido ou mais devagar, Rand diria que é assim que determinamos se isso faz parte do conceito de luz. Muitos filósofos chamariam isso de distinção entre necessidade lógica e necessidade metafísica, mas os randianos não aceitam isso. Agora, não acho muito difícil mostrar que a visão deles é logicamente falsa; apenas me parece uma visão muito implausível que nada no mundo físico poderia ter sido diferente, que as leis da natureza física são aquelas que se mantêm com necessidade absoluta. Acho que seria um erro a economia austríaca sobrecarregar-se com esse tipo de linguagem metafísica.
R: Quais diria que são os melhores argumentos contra o a priori, tal como definido por Mises e aplicado por economistas e filósofos austríacos como o senhor? E como responderia a esses argumentos?
G: Provavelmente, a melhor crítica à verdade a priori é a derivada do filósofo Willard Quine, que foi muito influente. O seu argumento básico foi aplicado à verdade analítica e sintética, mas também se aplicaria ao a priori e ao a posteriori; ele disse que não temos nenhuma maneira real de chegar a definições não circulares de analítico e sintético. Poderíamos dizer que uma afirmação analítica é verdadeira apenas pelo significado e pelo termo. Tudo bem, mas o que é algo que é verdadeiro pelo seu significado e, se não temos alguma forma de compreender, acabamos por ter um processo de pensamento circular; não podemos dizer que algo é verdadeiro pelo seu significado se é analítico, porque não temos uma forma fixa de compreender isso. Relacionado a esse pensamento, ele achava que todas as proposições que temos estão conectadas de alguma forma, de modo que não estamos a testar uma proposição individual pela experiência, mas sim todo o corpo de conhecimento que é testado pela experiência. Por exemplo, se eu não compreendo algo, não é que eu tenha de rejeitar uma proposição em particular, eu ajustaria várias coisas nesta estrutura de crenças mentais para restaurar a coerência. Não é que cada proposição seja testada separadamente, há algumas que não podem ser falsas e outras que são; portanto, todas são proposições e confrontam o mundo juntas para que possamos ajustar uma à outra. Portanto, não se pode fazer uma separação estrita entre a priori e a posteriori, que significa apenas aquilo que é conhecido pela experiência e aquilo que é verdadeiro e nunca pode ser revisto. Quine discordou e declarou que todas são proposições, pelo menos em princípio, e revisíveis — há algumas que são muito improváveis de serem revistas, enquanto outras são, mas tudo pode ser revisto.
A minha resposta a isso seria voltar ao ponto que fiz sobre a economia austríaca e a praxeologia — não é uma disciplina filosófica, é parte da ciência. Sabemos, num sentido muito comum da linguagem, que agimos e várias outras verdades, temos compreensão delas; aparentemente, estas não serão provadas falsas pela experiência futura. Por exemplo, digamos que Quine estava certo e que existem proposições que consideramos verdadeiras, mas que podem vir a ser falsas noutra parte do universo ou num momento futuro. Então, um dos seus alunos pergunta: «Acha que algum dia poderá acontecer que dois mais dois não seja igual a quatro?» A minha resposta seria: não por muito tempo! Se Quine estiver certo (e não estou convencido de que esteja), ainda podemos dizer, do ponto de vista da economia austríaca, que sabemos, para todos os efeitos práticos, que existe uma verdade e, com base nessa verdade, podemos pensar dedutivamente sobre o que ela envolve, e é assim que procedemos na economia austríaca; não julgamos se isso está certo, apenas temos de olhar para o que está envolvido na economia austríaca para ver se isso nos diz verdades importantes sobre o mundo.
R: Então, não estamos realmente a dizer que o conceito axiomático a priori da acção humana é necessário, ou seja, que tem de ser verdade em todos os mundos possíveis necessariamente. Estamos simplesmente a dizer que é tudo o que podemos determinar agora. É algo que simplesmente não podemos rever — ao tentar rever o conceito de acção humana, o que é que se é? É um ser humano a agir; seria uma contradição performativa para um cientista tentar desafiar a acção humana, a praxeologia. Está correcto?
G: Sim, parece-me correcto. Não estou comprometido em rejeitar a visão de que os axiomas são verdadeiros em todos os mundos possíveis onde existem pessoas, mas acho que não precisamos de adoptar essa visão, como você diz.
R: Considerações finais: que leitura recomendaria a alguém que quisesse aprender mais e desenvolver uma boa compreensão do a priori miseseano, e não apenas repetir palavras como «a priori sintético» sem realmente compreender os fundamentos filosóficos?
G: Acho que Hans-Hermann Hoppe tem um panfleto muito bom sobre os princípios básicos da praxeologia intitulado Economic Science and the Austrian Method. Eu diria que, claro, o que tem de ler se quiser compreender é a primeira parte de Acção Humana, cerca das primeiras 130 páginas de Acção Humana. Muitas pessoas acham isto difícil, mas se quiser ajuda para compreender, tenho um curso online disponível no Mises Institute, que é uma série de palestras que dei sobre esta primeira parte, intitulada «Human Action: Part One».
R: Estou muito grato por ter falado consigo hoje. Acho que ainda não entendi tudo, mas estou numa situação muito melhor do que antes de falar consigo.
G: Muito obrigado por me receber, foi um grande prazer conversar consigo. Parece extremamente bem informado e desejo-lhe muito sucesso no futuro.
R: Vindo de si, isso é muito encorajador! E só quero dizer ao público que não consigo ver o Dr. David Gordon neste momento, por isso não tenho como determinar se ele é realmente uma cabeça num frasco, mas tenho a certeza de que o tempo o dirá.
G: Pelo menos sou um frasco!
Entrevista publicada originalmente em The Libertarian Alliance.
- Ou “cientifismo” (N. do T.) ↩︎