[Javier Milei – A Causa da Liberdade, de Philipp Bagus ,Tradução Mário Dias Correia, Prefácio Javier Milei, Edições D. Quixote, Alfragide, 2025. – Co-Editado pela Oficina da Liberdade]
Em 2023, Javier Milei ganhou as eleições presidenciais na Argentina, no entanto, as suas aparições públicas surgem em 2015 em vários canais de TV e nas redes sociais, nomeadamente nos seus vídeos, que descobri nessa altura, enquanto fazia o meu doutoramento em filosofia sobre o anarco-capitalismo de Murray Rothbard. O economista alemão Philipp Bagus escreveu uma biografia sobre Milei, com a tradução portuguesa, editada em 2025, a obra que tem 226 páginas, faz uma introdução à escola austríaca de economia e ao pensamento, à ação política e económica deste autor e político. O leitor fica com a ideia sobre os fundamentos económicos e filosóficos da Escola Austríaca que influenciou Milei, claro que os autores que se destacam são Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Murray Rothbard, Jesús Huerta de Soto e Hans-Hermann Hoppe – ou seja, estão aqui representadas várias gerações desta escola. A obra foi escrita para o grande público. Tendo a vantagem de ser um livro acessível e claro. Bagus, como professor de economia política em Madrid, conhece bem os fundamentos da escola a que pertence e transmite da melhor maneira aos seus leitores. A obra que fora escrita para o público alemão compara, em diversos aspetos, Milei com o “milagre económico alemão” no pós-2ª Guerra Mundial (pp. 196-202), recorrendo o autor à diversa literatura para defender os seus argumentos – este aspeto acontece nos diversos capítulos, no entanto, tem uma postura crítica sobre a literatura usada.
A divisão do livro contém: o “preâmbulo” (pp. 11-13) – que se refere a aspetos gerais da economia e política Argentina; “prefácio” (pp. 15-23) – escrito por Milei, que explica a trajetória do seu pensamento económico; “introdução” (pp. 25-28); 1) “ele surgiu do nada” (pp. 29-54) – que diz que é um otimista, pois a existência corresponde a uma festa sem fim (p. 36); o COVID teve um papel importante, na distinção entre o povo que empobrece e a classe política, ou casta, que enriqueceu, e teve várias festas, enquanto a população foi severamente confinada (p. 42); é destacado o apoio que teve pelos judeus do seu país (p. 45); 2) “coincidências únicas” (pp. 55-75) – é apresentada a história política e económica da Argentina desde o século XIX até chegar a Milei, explicando a sua caminhada até ao poder; 3) “marketing libertário” (pp. 77-82) – o seu pensamento e o marketing é profundamente antipolítico (p. 78); defende o rácio da reserva de 100% para os bancos, ou seja, para impedir a criação da moeda a partir do nada (p. 80); por fim termina o capítulo considerando que muitos jovens aderem aos ideais do libertarianismo, fazendo com que eles se afastam do status quo estatista e do politicamente correto (p. 82); 4) “génio retórico” (pp. 83-96) – é definido o liberalismo em Alberto Benegas Lynch (Jr.): “é o respeito incondicional pelo projecto de vida dos outros, que se baseia no princípio da não agressão e no direito à vida, à liberdade e à propriedade”; é criticada a ideia de justiça social, nomeadamente com argumento próximos de Milton Friedman (p. 86), mas poderia também ter complementando com os argumentos de Hayek sobre esta matéria, pois seriam filosoficamente mais poderosos (pp. 84-85); a crítica económica à exploração pelo marxismo é essencial, sendo revistos os argumentos de Eugen von Böhm-Bawerk (pp. 88-91); sendo distinguidas a aquisição da riqueza e propriedade, pelos meios políticos e pelos meios económicos, os primeiros referem-se ao uso da força e exploração, os meios económicos referem-se às trocas voluntária, a produção e a doação dos bens (p. 92); 5) “o paleolibertarianismo” (pp. 97-124) – neste capítulo foram discutidas diversas ideias do libertarianismo, que incluem o Estado mínimo ou minarquismo, o neoliberalismo, que é distinto na Escola de Chicago e no ordoliberalismo alemão e as visões do anarco-capitalismo, este último termo tem fundamentos diversos entre os autores; Bagus distingue entre a liberdade e a igualdade (pp. 103-104), afastando-se do liberalismo do século XVIII e XIX, nomeadamente em Thomas Paine e John Stuart Mill, que conciliavam a liberdade e a igualdade. “Este construtivismo de esquerda anda de mãos dadas com a autodeterminação ética. Não são os valores e as normas tradicionais, nem sequer a Igreja, que têm a autoridade. O indivíduo determina por si próprio o que é bom e o que é mau. Esta autodeterminação ética acaba em relativismo moral” (p. 105) – embora o autor enverede pela defesa da liberdade, especialmente na individual, alicerça-a na autoridade tradicional, evitando cair no relativismo e aproximando o libertarianismo de diversas correntes filosóficas e políticas conservadoras. Ou seja, mesmo que a esquerda (ou as várias esquerdas) defenda a igualdade, aceita a autodeterminação ética do indivíduo para se revelar contra a autoridade. Sem estar a fazer uma defesa da esquerda, que também defende a liberdade, mas alicerçada primeiramente na igualdade e no coletivismo. Bagus referindo-se ao libertarianismo de direita ou paleolibertarianismo, que entende combinarem o libertarianismo do mercado livre com certos valores culturais, pois a liberdade por si só não tem os alicerces necessários, sendo necessárias as instituições estabelecidas, pois existem princípios universais de justiça, de ética e de leis morais objetivas, sendo essa a razão de defenderem a lei natural (p. 110) – Rothbard, que inspira Milei, parte da defesa do jusracionalismo, embora o libertarianismo não seja incompatível com o jusnaturalismo de inspiração tomista – este debate ainda existe, sendo na minha opinião um dos debates mais interessantes do libertarianismo atendendo às especificações da filosofia do direito; Milei defende o populismo de direita, que se alicerça em a) expondo a aliança entre o grande capital, os média e a política e b) retirar os parasitas, afastando-os da população honesta e trabalhadora (p. 117); Bagus está certo quando define Milei como um “liberal-libertário”, pois quer reduzir e eliminar impostos, privatizar tudo o que for possível, reduzir e desregulamentar as empresas públicas, instaurar a livre concorrência monetária e acabar com o banco central, pois o seu objetivo é o comércio livre, mas a realidade é acompanhada de restrições e constrangimentos (p. 118). O seu populismo significa que é popular, ou seja, populista no sentido rothbardiano, também se insurge, tal como Rothbard com a população que mais sofre com o Estado – quem trabalha honestamente; também se opõe à agenda globalista, por isso defende o lema “Argentina primeiro”, rejeitando a livre imigração, entendendo que os imigrantes são parasitas, pois beneficiam as estruturas e fundos do Estado, sem o terem financiado; é um defensor da família tradicional (pp. 121-124); 6) “a guerra cultural” (pp. 125-155) – significa o poder das ideias (p. 128), em substituição do poder hegemónico, ou seja, o deslocamento para as ideias liberais da liberdade, que se aplica a questões morais; este capítulo descreve os diversos aspetos da filosofia da esquerda (nomeadamente a escola de Frankfurt), com influência no debate público; a defesa de Milei assenta na nova direita (distinta da visão da nova direita – Nouvelle Droite – de Benoist que é amplamente antiliberal), contendo a família tradicional, a propriedade privada, a liberdade religiosa, a liberdade educativa e o capitalismo (p. 152) ; 7) “a escola austríaca” (pp. 157-194) – é dos capítulos mais interesses do livro por explicar os fundamentos económicos desta escola de pensamento económico, entendo que os fundamentos filosóficos poderiam ser mais desenvolvidos, mas é um capítulo muito importante para os leitores portugueses conhecerem os fundamentos doutrinários desta tradição na história das ideias económicas; 8) “um milagre económico argentino” (pp. 195-202) – comparando o milagre económico da Alemanha no pós 2ª Guerra Mundial com o caso argentino; 9) “ o que podemos aprender com Milei” (pp. 203-208) – é acima de tudo a ideia da guerra cultural pode ser ganha (p. 204) contra a hegemonia da esquerda; “epilogo” (pp. 209-2012); “expressão de agradecimento” (p. 213); “referências” (pp. 215-220); “índice onomástico” (pp. 221-224); “o que é a oficina da liberdade?” (pp. 225-226).
Entre os vários aspetos positivos desta obra, não é apenas a defesa dos argumentos de Milei e da escola austríaca, mas a capacidade de em poucas palavras o autor ter desenvolvido argumentos sobre temas diversos como as guerras culturais, baseados (em Milei), mas em escritos específicos de Agustín Laje, Axel Kaiser e Nicolás Marqués. A problemática da guerra cultural, que tem uma longa tradição académica, de discussão pública e de ideias, é um dos destaques desta obra. Esta guerra cultural significa lutar pela batalha de ideias, pensamento, de modo a influenciar as massas para pensarem e agirem de modo diferente, ou seja, há uma oposição às várias esquerdas – que têm sido dominantes no pensamento político, filosófico, na academia e nos média.
A obra tem um problema que é apologético, não tendo o distanciamento devido ou não abordando os problemas da escola austríaca e particularmente de Milei. No entanto, é uma obra importante para todos os que têm interesse em conhecer o pensamento e as influências políticas e económicas de Milei e da escola austríaca.

