Não é segredo que o êxodo demográfico do Douro é generalizado e continuará a assolar a região, com a queda das taxas de natalidade e a falta de atractividade económica tanto para trabalhadores como para investidores, constituindo pouco espanto que as pessoas recebam alguns dos salários mais baixos de todo o país. O vinho do Porto é o coração e a alma do sector enológico da nação, mas as leis que o regulam acabam por prejudicar, e não beneficiar, os pequenos produtores de vinho, incapazes de competir com as grandes casas e quintas, que recebem subsídios e outros privilégios do Estado central.
Uma longa e árdua história caracteriza o povo trabalhador do Douro, vendendo a sua força de trabalho por migalhas porque o Estado ou expropria ou criminaliza de forma directa actividades empresariais, enquanto estrangula a iniciativa privada com mecanismos burocráticos. Porque a verdade é que o legado do corporativismo salazarista continua a assombrar o sector até aos dias de hoje. Já afirmei noutros locais as semelhanças prevalentes entre os dois regimes, mas o objectivo de hoje é analisar uma das leis fundamentais que regem a produção de álcool com denominação de origem DOC: o Decreto-Lei n.º 97/2020, de 16 de Novembro.
Não possuímos propriedade; esta é regulada pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), criado em 1933. Os proprietários não apenas estão proibidos de produzir vinho da sua escolha, como também do volume que produzem, do preço a que podem vender os seus produtos, da forma de armazenamento e vinificação segundo protocolos, e a lista é interminável – convido os leitores a consultarem a lei na íntegra. Na prática, a terra onde se encontram as vinhas de muitos humildes produtores não é usada livremente, nem podem empregar capital como melhor entendem, sendo obrigados a obedecer às directivas de funcionários públicos sem as qualificações nem o conhecimento de cada terreno.
O que temos no Douro é um sistema cartelizado, imposto verticalmente por um sistema político corrupto, que restringe a concorrência e impede a entrada de novos agentes, deixando a região com uma grave falta de inovação, de marcas (devido a restrições monopolistas), marketing e, acima de tudo, métodos produtivos. O sector depende excessivamente de mão de obra manual e práticas obsoletas, como a ausência de viticultura de precisão. Não é segredo que as vendas de Vinho do Porto diminuíram 25% desde 2005 (de 10 milhões de caixas para 7,2 milhões em 2023) devido à incapacidade de competir nos mercados globais e ao marketing deficiente caracterizando este ramo de negócios.
É ilegal vender vinho sem que a rotulagem seja especificamente aprovada pelo Estado, enquanto as exportações a granel fora da RDD e da EG são proibidas. Devido à regulamentação excessiva, as uvas são misturadas ilegalmente, o que tem levado a pedidos de maior fiscalização, e não o contrário, já que a origem destes problemas é a intervenção burocrática em si. A solução passa pela arbitragem privada para combater estes esquemas fraudulentos.
Os que operam nos mercados negros podem estar a transgredir as leis, mas é um crime sem vítimas, porque, eticamente falando, se as trocas de mercado são voluntárias, a chamada “comercialização ilicitamente” não passa de uma contradição. Lembro-me de uma notícia que rebentou em maio na qual 7000 litros de vinho licoroso foram apreendidos. Nenhum indivíduo foi prejudicado durante a produção deste vinho; o produtor estava simplesmente a satisfazer as exigências do mercado e, com toda a razão, a evitar o Estado! Que absurdidade. Não se paga (neste caso, 6200 euros) ao Estado e é-se marcado como Caim, condenado a vaguear pela terra como um fora da lei injustamente acusado. Nada de ilícito ocorreu.
Nada de sensato no imposto especial de consumo e na expropriação de vinho licoroso, como se fossem comissários soviéticos a espalhar medo e violência, independentemente de o produto cumprir ou não as normas, normas que o pobre homem, aliás, bem conhecia e sabia que o impediriam de continuar no activo. Foi-lhe roubado um valor de 42 mil euros, mas ele é o rosto público dos pequenos agricultores e produtores expulsos do mercado por grandes grupos de interesse, que conseguem cumprir com as regras de produção e armazenagem
Falando de forma clara, temos um planeamento ao estilo soviético no Douro, como se observa nos artigos 34-37 da lei, onde as trocas entre comerciantes não podem exceder 20%, alterações à fórmula determinam a quantidade que se pode vender e, pior ainda, a capacidade de vendas anual depende inteiramente do inventário existente.
O que escrevo poderá ser desagradável, mas estas são verdades difíceis que precisam de ser assimiladas. Não duvido que alguns se orgulhem das suas origens, mas face à crise económica actual, muitos pouco se preocupam com a qualidade dos vinhos; desejam apenas ganhar um salário para pôr comida na mesa das suas famílias e pagar as contas. Apenas ao corrigir e abolir este sistema cartelizado é que o Douro poderá prosperar sem intervenção estatal. Subsidiar desincentiva a produção e desperdiça recursos valiosos. Caso contrário, continuaremos a premiar produtores ineficientes e a penalizar os eficientes, que ajudam a manter a imagem da região. As casas de comércio com mais capital e afiliação política mantêm a concorrência afastada, excluindo rivais mais pequenos, mas mais eficientes que ameaçam o seu oligopólio.
Devido a esta estrutura oligopólica excessivamente restritiva, os salários são artificialmente mantidos baixos, uma vez que a abundância de mão de obra e a inexistência de mercado competitivo implicam que os trabalhadores manuais e de baixa qualificação recebam os salários mínimos legais. A escassez artificial de oportunidades leva muitos a emigrar em busca de melhores condições. Da mesma forma, os pequenos produtores têm dificuldade em encontrar mão de obra, poder de negociação limitado e pouca atractividade para trabalhar longas horas no campo por baixos salários.
Não devemos também esquecer que o IVDP limita a quantidade de vinho que pode ser produzida e vendida no mercado, através do sistema de “benefício”, criando dependência dos pequenos produtores para subsídios, enquanto as grandes casas mantêm margens elevadas porque recebem mais quotas devido às classificações das vinhas — medidas em hectares segundo um sistema de pontos que lhes dá vantagens competitivas e diversifica o seu vinho. Por exemplo, a Classe A, com mais de 1200 pontos, receberia cerca de 1900 litros por hectare, enquanto a Classe F — com pontos entre 201 e 400 — recebe 586 litros por hectare.
Há dois meses entrou em vigor uma nova lei dos sociais-democratas, com bênção dos socialistas – o Decreto-Lei n.º 106/2025, de 15 de Setembro – e, embora tenha eliminado o requisito de stock de 75 000 litros, o Estado, para se compensar, alargou o âmbito de actuação do IVDP, que passa agora a deter o poder discricionário para decidir sobre a rotulagem, menções tradicionais, estágio, condições de vinificação e metodologia analítica. Pior ainda, passa também a decidir os teores alcoólicos de cada vinho. Ao controlar o teor alcoólico, o IVDP passa a controlar também a categoria e classificação, a fixação de preços e as exportações, bem como a reputação dos vinhos, levando a que os produtores percam ainda mais autonomia e a que os custos de conformidade voltem a aumentar, prejudicando de forma desproporcional os pequenos produtores. Isto não é descentralização, é um reforço do poder estatal!
A solução é simples: o mercado de trabalho deve tornar-se menos rígido, pois a concorrência permitiria aumentar a procura, subsequente aumentado salário de uma maneira brutal, e os preços das uvas devem ser determinados não por sistemas de quotas, mas pelo mercado livre, exclusivamente pela soberania dos consumidores. Tirando os direitos feudais que as grandes casas de comércio exercem, haverá mais inovação, diversificação e investimento em avanços tecnológicos.
Só então o Douro poderá libertar-se das correntes do “sovietismo” e abraçar a prosperidade. E chamar o fim do IVDP! Como Hayek já nos tinha alertado em O Caminho para a Servidão, somos uma geração que se esqueceu da importância da propriedade privada. E devemos recuperá-la, porque sem ela não temos liberdade.
