É frequentemente afirmado que o “comércio livre” está para a “imigração livre” assim como o “proteccionismo” está para a “imigração restrita”. Ou seja, alega-se que, embora não seja impossível alguém combinar proteccionismo e imigração livre, ou comércio livre e imigração restrita, essas combinações são ambas intelectualmente inconciliáveis e, portanto, erróneas. Assim, na medida em que as pessoas procuram evitar erros, essas posições deveriam ser a excepção e não a regra. Os factos, na medida em que são relevantes para o assunto, parecem ser consistentes com esta alegação. Como indicou a 1ª volta das eleições presidenciais republicanas de 1996, por exemplo, a maioria dos defensores do comércio livre é a favor de políticas de imigração relativamente (ainda que não totalmente) livres e não discriminatórias, enquanto que a maioria dos proteccionistas é defensora de políticas de imigração altamente restritivas e selectivas.
Apesar das aparências em contrário, argumentarei que esta tese e a sua alegação implícita estão fundamentalmente erradas. Em particular, demonstrarei que o comércio livre e a imigração restrita não só são políticas perfeitamente compatíveis, como também mutuamente reforçadoras. Ou seja, não são os defensores do comércio livre e da imigração restrita que estão errados, mas sim os proponentes do comércio livre e da imigração livre. Ao retirar assim a “culpa intelectual” da posição a favor do comércio livre e da imigração restrita, e colocá-la onde ela realmente pertence, espero promover uma mudança no estado actual da opinião pública e facilitar um realinhamento político substancial.
O Argumento a Favor do Comércio livre
Desde os tempos de Ricardo que o argumento a favor do comércio livre é logicamente inatacável. Para garantir a completude argumentativa, seria útil resumir brevemente esse argumento. A reafirmação será feita na forma de uma reductio ad absurdum da tese proteccionista tal como foi proposta mais recentemente por Pat Buchanan.
O argumento central avançado a favor do proteccionismo é o da protecção do emprego interno. Como é que os produtores americanos, que pagam aos seus trabalhadores 10 dólares por hora, podem competir com os produtores mexicanos que pagam 1 dólar ou menos por hora? Não podem, e os empregos americanos serão perdidos a menos que sejam impostas tarifas de importação para proteger os salários americanos contra a concorrência mexicana. O comércio livre, diz-se, só é possível entre países que têm taxas salariais iguais e, assim, que competem “em condições de igualdade”. Enquanto isso não acontecer —como entre os E.U.A. e o México—, a arena de jogo deve ser nivelada através de tarifas. Quanto às consequências de uma política de protecção do emprego interno, Buchanan e outros proteccionistas afirmam que esta conduzirá a prosperidade e força internas. Apoiando a sua alegação, são citados exemplos de países de comércio livre que perderam a sua posição de destaque na economia internacional, como a Inglaterra do século XIX, bem como de países proteccionistas que ganharam tal preeminência, como os Estados Unidos do século XIX.
Qualquer suposta prova empírica da tese proteccionista deve ser rejeitada liminarmente como contendo uma falácia post hoc, ergo propter hoc. A inferência retirada dos dados históricos não é mais convincente do que se alguém concluísse, a partir da observação de que os ricos consomem mais do que os pobres, que é o consumo que torna uma pessoa rica. De facto, os proteccionistas como Buchanan tipicamente falham em entender o que realmente está envolvido na defesa da sua tese. Qualquer argumento a favor do proteccionismo internacional é simultaneamente um argumento a favor do proteccionismo inter-regional e inter-local. Assim como existem diferentes taxas salariais entre os E.U.A. e o México, o Haiti ou a China, por exemplo, essas diferenças também existem entre Nova Iorque e o Alabama, ou entre Manhattan, o Bronx e Harlem. Assim, se fosse verdade que o proteccionismo internacional poderia tornar uma nação inteira mais próspera e forte, também teria de ser verdade que o proteccionismo inter-regional e inter-local poderia tornar regiões e localidades mais prósperas e fortes. Na verdade, poderia ir-se ainda mais longe. Se o argumento proteccionista fosse correto, equivaleria a uma condenação de todo o comércio e à defesa da tese de que todos seriam mais prósperos e fortes se nunca trocassem bens e serviços com ninguém e permanecessem em isolamento autossuficiente. Certamente, neste caso, ninguém perderia o seu emprego, e o desemprego devido à concorrência “injusta” seria reduzido a zero. Ao deduzir assim a implicação final necessária do argumento proteccionista, a sua total absurdidade é revelada, pois essa suposta “sociedade de pleno emprego” não seria próspera nem forte; seria composta por pessoas que, apesar de trabalharem do amanhecer ao anoitecer, estariam condenadas à miséria, ou até mesmo a morrer à fome.
O proteccionismo internacional, embora obviamente menos destrutivo do que uma política de proteccionismo interpessoal ou inter-regional, resultaria no mesmo efeito e constituiria uma receita garantida para o declínio económico da América. Sem dúvida, alguns empregos e indústrias americanas seriam salvos, mas isso teria um custo. A qualidade de vida e o rendimento real dos consumidores americanos de produtos estrangeiros seriam forçosamente reduzidos. O custo para todos os produtores dos E.U.A. que utilizam os produtos da indústria protegida como factores de produção seria aumentado, e esses produtores tornar-se-iam menos competitivos a nível internacional. Além disso, o que poderiam os estrangeiros fazer com o dinheiro que ganhavam com as suas exportações para os E.U.A.? Poderiam comprar produtos americanos com ele, ou poderiam deixá-lo no país e investi-lo, e se as suas exportações fossem paradas ou reduzidas, comprariam menos produtos americanos ou investiriam quantias menores. Assim, como resultado de salvar alguns empregos americanos ineficientes, um número muito maior de empregos americanos eficientes seria destruído ou impedido de surgir.
Assim, é um disparate afirmar que a Inglaterra perdeu a sua antiga preeminência devido às suas políticas de comércio livre. Perdeu a sua posição apesar da sua política de comércio livre, e devido às políticas socialistas que mais tarde foram instauradas. Da mesma forma, é um disparate afirmar que a ascensão dos E.U.A. à preeminência económica durante o século XIX foi devida às suas políticas proteccionistas. Os E.U.A. atingiram essa posição apesar do seu proteccionismo, e devido às suas incomparáveis políticas internas de capitalismo laissez-faire. De facto, o declínio económico actual da América, que Buchanan deseja reverter, é o resultado não das suas supostas políticas de comércio livre, mas do facto de que a América, ao longo do século XX, adoptou gradualmente as mesmas políticas socialistas que arruinaram a Inglaterra no passado.
Comércio e Imigração
Dando por concluída a defesa do comércio livre, desenvolveremos agora o argumento a favor de restrições à imigração combinadas com políticas de comércio livre. Mais especificamente, iremos construir uma argumentação sucessivamente mais forte para as restrições à imigração: desde a afirmação inicial, mais fraca, de que o comércio livre e as restrições à imigração podem ser combinados e não se excluem mutuamente, até à afirmação final, mais forte, de que o princípio subjacente ao comércio livre, na verdade, requer tais restrições.
Desde já, é importante sublinhar que nem a política de imigração mais restritiva, nem a forma mais exclusiva de segregacionismo, têm algo a ver com uma rejeição do comércio livre ou a adopção do proteccionismo. O facto de uma pessoa não querer associar-se ou viver num bairro composto por mexicanos, haitianos, chineses, coreanos, alemães, católicos, muçulmanos, hindus, etc., não implica que essa pessoa não queira participar no comércio com eles à distância. Além disso, mesmo que fosse verdade que o rendimento real de uma pessoa aumentaria como resultado da imigração, não se segue que a imigração deva ser considerada “boa”, pois a riqueza material não é a única coisa que conta. Na verdade, aquilo que constitui “bem-estar” e “riqueza” é subjectivo, e uma pessoa pode preferir parâmetros de qualidade de vida materiais mais baixos e uma maior distância em relação a certas outras pessoas, do que parâmetros de qualidade de vida materiais mais elevados e uma menor distância. É precisamente a total voluntariedade da associação e separação humana —a ausência de qualquer forma de integração forçada— que torna possível relações pacíficas —o comércio livre— entre pessoas racial, étnica, linguística, religiosa ou culturalmente distintas.
A relação entre o comércio e a migração é uma de elasticidade substitutiva (em vez de exclusividade rígida): quanto mais (ou menos) se tem de um, menos (ou mais) se necessita do outro. Ceteris paribus, as empresas deslocam-se para zonas de baixos salários, e os trabalhadores movem-se para zonas de altos salários, criando assim uma tendência para a equalização das taxas salariais (para o mesmo tipo de trabalho), bem como para a alocação optimizada do capital. Com as fronteiras políticas a separarem zonas de salários altos e baixos, e com políticas comerciais e de imigração à escala nacional (isto é, abrangendo o território da nação) em vigor, essas tendências normais —de imigração e exportação de capital— são enfraquecidas com o comércio livre e reforçadas com o proteccionismo. Desde que os produtos mexicanos —os produtos de uma zona de baixos salários— possam entrar livremente numa zona de salários elevados, como os E.U.A., o incentivo para que os mexicanos se mudem para os E.U.A. é reduzido. Em contraste, se os produtos mexicanos forem impedidos de entrar no mercado americano, o incentivo para que os trabalhadores mexicanos se mudem para os E.U.A. será aumentado. Da mesma forma, quando os produtores norte-americanos podem comprar e vender livremente a produtores e consumidores mexicanos, as exportações de capital dos E.U.A. para o México são reduzidas; no entanto, quando os produtores norte-americanos são impedidos de o fazer, a atractividade de deslocar a produção dos E.U.A. para o México aumenta.
Da mesma forma que a política de comércio externo dos E.U.A. afecta a imigração, também a sua política de comércio interno a afeta. O comércio livre interno é aquilo a que normalmente se chama capitalismo laissez-faire. Ou seja, o governo nacional segue uma política de não interferência nas transacções voluntárias entre partes internas (cidadãos) relativamente à sua propriedade privada. A política do governo consiste em ajudar a proteger os seus cidadãos e as suas propriedades privadas contra agressões, danos ou fraudes internas (exactamente como no caso do comércio e agressão externa). Se os E.U.A. seguissem uma política rigorosa de comércio livre interno, a imigração proveniente de regiões de baixos salários, como o México, seria reduzida; enquanto que quando adoptam políticas de assistência social, a imigração vinda de áreas de baixos salários é incentivada.
“Fronteiras Abertas”, Invasão e Integração Forçada
Na medida em que uma zona de altos salários como os E.U.A. adoptasse um comércio livre irrestrito, tanto internacionalmente como internamente, a pressão migratória de países de baixos salários manter-se-ia baixa ou reduzir-se-ia e, consequentemente, a questão de como lidar com a imigração seria menos urgente. Por outro lado, na medida em que os E.U.A. adoptassem políticas proteccionistas contra os produtos de zonas de baixos salários, e políticas de assistência social interna, a pressão migratória manter-se-ia alta ou até aumentaria, e a questão da imigração assumiria grande importância no debate público.
Obviamente, as principais regiões de altos salários do mundo —América do Norte e Europa Ocidental— encontram-se actualmente nesta última situação, em que a imigração se tornou uma preocupação pública cada vez mais urgente. À luz da crescente pressão migratória das regiões de baixos salários do mundo, foram propostas três estratégias gerais para lidar com a imigração: imigração irrestrita, imigração condicionada e imigração restrita. Embora a nossa principal preocupação seja com as duas últimas alternativas, algumas observações sobre a posição da imigração irrestrita são adequadas, nem que seja para ilustrar o seu fracasso intelectual.
De acordo com os defensores da imigração irrestrita, os E.U.A., como zona de altos salários, beneficiariam invariavelmente da imigração livre; portanto, deveriam adoptar uma política de fronteiras abertas, independentemente de quaisquer condições existentes, ou seja, mesmo que os E.U.A. enveredassem pelo proteccionismo e assistência social internos. No entanto, certamente uma proposta como esta parece uma fantasia para uma pessoa razoável. Suponha-se que os E.U.A., ou melhor ainda, a Suíça, declaravam que não haveria mais controlos fronteiriços, que qualquer pessoa que pudesse pagar a viagem poderia entrar no país e, como residente, ela teria direito a todas as provisões “normais” de assistência social. Pode haver alguma dúvida sobre o quão desastrosa tal experiência seria no mundo actual? Os E.U.A., e a Suíça ainda mais rapidamente, seriam invadidos por milhões de imigrantes do terceiro mundo, pois a vida nas ruas públicas americanas e suíças é confortável em comparação com a vida em muitas áreas do terceiro mundo. Os custos da assistência social disparariam, e a economia estrangulada desintegrar-se-ia e colapsaria, à medida que os fundos de subsistência —o abastecimento de capital acumulado e herdado do passado— fosse saqueado. A civilização nos E.U.A. e na Suíça desapareceria, tal como uma vez aconteceu com Roma e a Grécia.
Dado que a imigração irrestrita deve ser vista como uma receita para o suicídio nacional, a posição típica entre os defensores do comércio livre é a alternativa da imigração livre condicionada. De acordo com esta visão, os E.U.A. e a Suíça teriam primeiro de regressar ao comércio livre irrestrito e abolir todos os programas de assistência social financiados por impostos, e só então deveriam abrir as suas fronteiras a todos os que quisessem entrar. Até lá, enquanto o estado de assistência social ainda estiver em vigor, a imigração teria de ser sujeita à condição de que os imigrantes fossem excluídos dos benefícios sociais internos.
Embora o erro envolvido nesta visão seja menos óbvio e as consequências menos dramáticas do que os associados à imigração irrestrita, ela é, contudo, errónea e prejudicial. Certamente, a pressão migratória sobre a Suíça e os E.U.A. seria reduzida se esta proposta fosse seguida, mas não desapareceria. De facto, com políticas de comércio livre, tanto internas como externas, os salários na Suíça e nos E.U.A. poderiam até aumentar em relação a outras localizações (com políticas económicas menos avançadas). Assim, a atractividade dos dois países poderia até aumentar. Em qualquer caso, alguma pressão migratória permaneceria, e deste modo alguma forma de política de imigração teria de existir. Será que os princípios subjacentes ao comércio livre implicam que esta política deve ser uma de “imigração livre condicionada”? Não, não implicam. Não há analogia possível entre o comércio livre e a imigração livre, nem entre o comércio restrito e a imigração restrita. Os fenómenos de comércio e imigração diferem num aspecto fundamental, e o significado de “livre” e “restrito” associado a cada um dos termos é categoricamente diferente. As pessoas podem deslocar-se e migrar; os bens e serviços, por si só, não podem.
Em suma, enquanto que alguém pode migrar de um lugar para outro sem que ninguém queira que ele o faça, os bens e serviços não podem ser enviados de lugar para lugar a menos que tanto o remetente quanto o destinatário estejam de acordo. Por mais trivial que esta distinção possa parecer, ela tem consequências importantes. Assim, “livre” associado ao comércio significa comércio por convite apenas de domicílios e empresas privadas; e “comércio restrito” não significa a protecção de domicílios e empresas de bens ou serviços não convidados, mas sim invasão e abolição do direito dos domicílios e empresas privadas oferecerem ou recusarem convites para a sua própria propriedade. Pelo contrário, “livre” associado à imigração não significa imigração por convite de domicílios e empresas individuais, mas sim invasão indesejada ou integração forçada; e “imigração restrita” significa, ou pelo menos pode significar, a protecção de domicílios e empresas privadas contra invasões indesejadas e integração forçada. Assim, ao defender o comércio livre e a imigração restrita, segue-se o mesmo princípio: exigir um convite tanto para as pessoas quanto para os bens e serviços.
Por outro lado, o defensor do comércio livre e dos mercados livres que adopta a posição de imigração livre (condicionada) envolve-se numa incoerência intelectual. Comércio e mercado livre significa que os proprietários privados podem receber ou enviar bens de e para outros proprietários sem interferência do governo. O governo permanece inactivo em relação ao processo de comércio externo e interno, porque existe um destinatário disposto (pagante) para cada bem ou serviço enviado e, portanto, todas as deslocações, como resultado de acordos bilaterais entre remetente e destinatário, devem ser consideradas mutuamente benéficas. A única função do governo é manter o processo de troca (protegendo os cidadãos e a propriedade interna).
No entanto, em relação ao movimento de pessoas, o mesmo governo terá de fazer mais para cumprir sua função de protecção do que meramente permitir que os eventos sigam o seu curso, porque as pessoas, ao contrário dos produtos, possuem livre-arbítrio e podem decidir migrar sem o consentimento dos demais. Consequentemente, os movimentos populacionais, ao contrário das alocações de produtos inanimados, não são eventos mutuamente benéficos per se, porque nem sempre —necessariamente e invariavelmente— são o resultado de um acordo entre um destinatário e um remetente específicos. Pode haver alocações (de imigrantes) sem destinatários internos que as desejem ou permitam. Nesse caso, os imigrantes são invasores estrangeiros e a imigração representa um acto de invasão. Certamente, a função básica de protecção de um governo inclui a prevenção de invasões estrangeiras e a expulsão de invasores estrangeiros. Assim como certamente, para o fazer e submeter os imigrantes ao mesmo requisito que as importações (de terem sido convidados por residentes internos), esse governo não pode permitir legitimamente o tipo de imigração laisser-passer defendida pela maioria dos defensores do comércio laissez-faire. Imaginem só mais uma vez que os E.U.A. e a Suíça abriam as suas fronteiras a qualquer um que quisesse vir – com a condição única de que os imigrantes seriam excluídos de todos os serviços sociais, os quais seriam reservados apenas para os cidadãos americanos e suíços. Para além do problema sociológico de criar então duas classes de residentes internos e desse modo causar severas tensões sociais, existem poucas dúvidas acerca do resultado desta experiência no mundo presente. O resultado seria menos drástico e menos imediato do que sob o cenário da imigração livre incondicionada, mas também iria trazer uma invasão estrangeira em massa e ultimamente levar à destruição das civilizações americana e Suíça. Então, de modo a cumprir a sua principal função enquanto protector dos seus cidadãos e da sua propriedade interna, o governo de uma zona de altos salários não pode seguir uma política de imigração laissez-passer, mas deverá em vez disso adoptar medidas restrictivas.
O Modelo Anarcocapitalista
A partir do reconhecimento de que os defensores do comércio e mercado livre não podem defender a imigração livre sem entrarem em inconsistência e contradição, e, portanto, que a imigração deve — logicamente — ser restrita, resta apenas um pequeno passo para o reconhecimento de como restringi-la. De facto, todos os governos de áreas de altos salários actualmente restringem a imigração de uma forma ou de outra. A imigração não é “livre” em lado nenhum, seja incondicional ou condicionalmente. No entanto, as restrições impostas à imigração pelos E.U.A. e pela Suíça, por exemplo, são bastante diferentes. Que restrições devem então existir? Ou, mais precisamente, que restrições à imigração é que um defensor do comércio e mercado livre é logicamente obrigado a apoiar e promover? O princípio orientador da política de imigração de um país de altos salários parte do entendimento de que a imigração, para ser livre no mesmo sentido em que o comércio é livre, deve ser uma imigração convidada. Os detalhes podem ser obtidos a partir da elucidação e exemplificação adicional do conceito de convite vs invasão e integração forçada.
Para esse fim, é necessário assumir primeiro, como um ponto de referência conceptual, a existência daquilo que os filósofos políticos descrevem como uma anarquia de propriedade privada, anarcocapitalismo, ou anarquia ordenada: todos os terrenos são propriedade privada, incluindo todas as ruas, rios, aeroportos, portos, etc. Em relação a algumas parcelas de terra, o título de propriedade pode ser irrestrito, ou seja, o proprietário pode fazer com sua propriedade o que quiser, desde que não cause danos físicos à propriedade de outros. Em relação a outros territórios, o título de propriedade pode ser mais ou menos restrito. Tal como acontece actualmente em algumas situações, o proprietário pode estar vinculado por cláusulas contratuais sobre o que pode fazer com sua propriedade (pactos restritivos, zoneamento voluntário), que podem incluir, por exemplo, uso residencial em vez de comercial, proibição de edifícios com mais de quatro andares, proibição de venda ou aluguer a casais não casados, fumadores ou alemães.
Claramente, numa sociedade deste tipo, não existe nada que se assemelhe a liberdade de imigração ou a um direito de passagem de um imigrante. O que existe é a liberdade de proprietários de terras privadas independentes admitirem ou excluírem outros das suas próprias propriedades de acordo com os seus títulos de propriedade restritos ou irrestritos. A admissão em alguns territórios pode ser fácil, enquanto que noutros pode ser quase impossível. Além disso, a admissão à propriedade de uma parte não implica “liberdade de circulação”, a menos que os proprietários dos outros terrenos nas redondezas tenham concordado com esses movimentos. Haverá tanta imigração ou não-imigração, inclusividade ou exclusividade, dessegregação ou segregação, não discriminação ou discriminação, quanto os proprietários individuais ou associações de proprietários desejarem.
A razão para citar o modelo de uma sociedade anarcocapitalista é que, por definição, nesta sociedade não existe integração forçada (imigração não convidada) possível (permitida) dentro da sua estrutura. Neste sistema, não existe diferença entre o movimento físico de bens e a migração de pessoas. Assim como cada movimento de produtos reflecte um acordo subjacente entre o remetente e o destinatário, também todos os movimentos de imigrantes para e dentro de uma sociedade anarcocapitalista são o resultado de um acordo entre o imigrante e um ou uma série de proprietários internos dispostos a recebê-los. Assim, mesmo que o modelo anarcocapitalista acabe por ser rejeitado — e se, por questões de realismo, for assumida a existência de um governo e de “bens e propriedades públicas” (além das privadas) — ele deixa claro o que a política de imigração de um governo teria de ser se, e na medida em que, este governo derivasse a sua legitimidade da soberania do “povo” e fosse visto como o resultado de um acordo ou “contrato social” (como é o caso de todos os governos modernos, pós-monárquicos, claro). Um governo “popular” que assumisse como a sua principal tarefa a protecção dos seus cidadãos e das suas propriedades (a produção de segurança interna) certamente procuraria preservar, em vez de abolir, esta característica de oposição à integração forçada do anarcocapitalismo!
Para perceber o que isso envolve, é necessário explicar como uma sociedade anarcocapitalista é alterada pela introdução de um governo e como isso afecta o problema da imigração. Como numa sociedade anarcocapitalista não existe governo, não há uma distinção clara entre cidadãos internos (cidadãos nacionais) e estrangeiros. Esta distinção aparece apenas com o estabelecimento de um governo. O território sobre o qual o poder de um governo se estende passa a designar-se então de país nativo, e todos os que residem fora deste território passam a chamar-se estrangeiros. As fronteiras (e passaportes) estatais, distintas das fronteiras de propriedades (e títulos de propriedade) privadas, passam a existir, e a imigração assume um novo significado. A imigração passa a ser a imigração de estrangeiros através das fronteiras estatais, e a decisão de admitir ou não uma pessoa já não cabe exclusivamente aos proprietários de terras privadas ou associações desses proprietários, mas sim ao governo como produtor de segurança interna. Agora, se o governo exclui uma pessoa quando existe um residente interno que deseja admitir essa mesma pessoa na sua propriedade, o resultado é a exclusão forçada; e se o governo admite uma pessoa enquanto não existe um único residente interno que queira tê-la na sua propriedade, o resultado é a integração forçada.
Além disso, associado ao estabelecimento de um governo vem o estabelecimento da propriedade e dos bens públicos, ou seja, de propriedades e bens colectivos de todos os residentes internos controlados e administrados pelo governo. Quanto maior ou menor for a quantidade de propriedade pública-governamental, maior ou menor será o problema potencial de integração forçada, respectivamente. Considere uma sociedade socialista como a antiga União Soviética ou a Alemanha de Leste, por exemplo. Todos os factores de produção, incluindo toda a terra e recursos naturais, são propriedade pública. Assim, se o governo admitir um imigrante não convidado, ele admite-o potencialmente em qualquer lugar do país; pois sem a propriedade privada dos terrenos, não existem limitações sobre as migrações internas, excepto aquelas decretadas pelo governo. No socialismo, portanto, a integração forçada pode alastrar-se por todo lado e ser assim imensamente intensificada. (De facto, na União Soviética e na Alemanha de Leste, o governo podia alojar um estranho na casa ou apartamento privado de outra pessoa. Esta medida — e a consequente integração forçada em grande escala — foi justificada pelo “facto” de que todas as casas privadas foram construídas em terrenos públicos.)
Os países socialistas certamente não serão áreas de altos salários, ou se são, pelo menos não permanecerão assim durante muito tempo. O problema deles não é a imigração, mas sim a pressão para a emigração. A União Soviética e a Alemanha de Leste proibiam a emigração e matavam pessoas por tentarem deixar o país. No entanto, o problema da extensão e intensificação da integração forçada persiste fora do socialismo. Certamente, em países não socialistas como os E.U.A., a Suíça e a República Federal da Alemanha, que são destinos de imigração predilectos, um imigrante admitido pelo governo não poderia simplesmente deslocar-se para qualquer lugar. A liberdade de movimento do imigrante seria severamente restringida pela extensão da propriedade privada, especialmente de terrenos privados. No entanto, ao circular em estradas públicas ou através de meios de transporte públicos, e ao permanecer em terras, parques e edifícios públicos, um imigrante pode potencialmente cruzar-se com qualquer residente interno, ou até mesmo mudar-se para o bairro de alguém e instalar-se praticamente à sua porta. Quanto menor for a quantidade de propriedade pública, menos grave será o problema. Mas enquanto existir qualquer propriedade pública, o problema não poderá ser totalmente evitado.
Correcção e Prevenção
Um governo popular que deseja proteger os seus cidadãos e a sua propriedade interna contra a integração forçada e invasores estrangeiros tem dois métodos para o fazer: um correctivo e um preventivo. O método correctivo é destinado a melhorar os efeitos da integração forçada caso o evento já tenha ocorrido (e os invasores já tenham entrado). Como já indicado, para alcançar este objectivo, o governo deverá reduzir a quantidade de propriedade pública o máximo possível. Além disso, independentemente da combinação de propriedade privada e pública, o governo deverá defender—em vez de criminalizar—o direito de qualquer proprietário privado de admitir e excluir outros da sua propriedade. Se praticamente toda a propriedade fosse de posse privada e o governo ajudasse a fazer cumprir os direitos de propriedade privada, então os imigrantes não convidados, mesmo que conseguissem entrar no país, provavelmente não avançariam muito para além da fronteira.
Quanto mais completa for a implementação desta medida correctiva (quanto maior for a porção de propriedade privada), menos haverá a necessidade de medidas de protecção, como a defesa de fronteiras. O custo de protecção contra invasores estrangeiros ao longo da fronteira E.U.A.–México, por exemplo, é comparativamente alto, porque não existe propriedade privada do lado americano por longas extensões. No entanto, mesmo que o custo da protecção das fronteiras possa ser reduzido através da privatização, ele não desaparecerá enquanto existirem diferenças substanciais de rendimentos e salários entre os dois territórios. Assim, para cumprir a sua função de protecção básica, um governo de uma área de altos salários deve também aplicar medidas preventivas. Em todos os portos de entrada e ao longo das suas fronteiras, o governo, enquanto o responsável pelos seus cidadãos, deve verificar se todas as pessoas recém-chegadas possuem um bilhete de entrada—um convite válido de um proprietário interno—e todos aqueles que não possuírem tal bilhete terão de ser expulsos às suas próprias custas.
Convites válidos são contratos entre um ou mais destinatários privados internos (residenciais ou comerciais) e a pessoa que chega. Na qualidade de admissão contratual, a parte que convida pode dispor apenas da sua própria propriedade privada. Assim, a admissão implica negativamente—de forma semelhante ao cenário de imigração condicionalmente livre—que o imigrante é excluído de toda a assistência social financiada publicamente. Positivamente, implica que a parte convidante assume responsabilidade legal pelas acções do seu convidado durante a sua estadia. O convidante é responsabilizado até ao limite total da sua propriedade por quaisquer crimes que o convidado cometa contra a pessoa ou propriedade de terceiros (tal como os pais são responsabilizados pelos crimes dos seus filhos enquanto estes ainda são membros do agregado familiar). Esta obrigação, que implica praticamente que os convidantes terão de ter um seguro de responsabilidade civil para todos os seus convidados, termina assim que o convidado tenha deixado o país ou assim que outro proprietário interno tenha assumido a responsabilidade pela pessoa em questão (ao admiti-la na sua propriedade).
O convite pode ser privado (pessoal) ou comercial, temporariamente limitado ou ilimitado, relativo apenas a habitação (acomodação, residência) ou a habitação e emprego (mas não pode haver um contrato válido que envolva apenas emprego e nenhuma habitação). Em qualquer caso, no entanto, como uma relação contratual, todo o convite pode ser revogado ou terminado pelo convidante; e, após a anulação, o convidado—seja turista, empresário visitante ou residente estrangeiro—será obrigado a deixar o país (a menos que outro cidadão residente forme um contrato de convite com ele).
O convidado pode alterar o seu estatuto legal de não-residente ou residente estrangeiro (que está constantemente sujeito ao risco potencial de expulsão imediata) apenas se adquirir a cidadania. De acordo com o objectivo de tornar toda a imigração convidada-contratual (como o comércio), o requisito fundamental para a cidadania é a aquisição de propriedade, ou mais precisamente, a compra de bens imóveis e propriedade residencial.
Em contraste, seria inconsistente com a própria ideia de imigração por convite conceder cidadania de acordo com o princípio jus soli, como nos E.U.A., segundo o qual uma criança nascida de um não-residente ou residente estrangeiro num país anfitrião adquire automaticamente a cidadania deste país. Na verdade, essa criança adquire, como a maioria dos outros governos de áreas de altos salários reconhece, a cidadania dos seus pais. Se ao invés disso o governo do país anfitrião conceder cidadania a esta criança, isso implicará o não cumprimento da sua função de protecção básica e, na verdade, equivalerá a um ato invasivo perpetrado pelo governo contra os seus próprios cidadãos. Em vez disso, tornar-se cidadão significa adquirir o direito de permanecer num país permanentemente, e um convite permanente não pode ser assegurado senão através da compra de propriedade residencial a partir de um cidadão residente. Apenas ao vender bens imóveis a um estrangeiro é que um cidadão indica que concorda com a permanência de um convidado, e apenas se o imigrante tiver adquirido e pago por bens imóveis e habitação residencial no país anfitrião é que ele assumirá um interesse permanente no bem-estar e prosperidade do seu novo país. Além disso, encontrar um cidadão disposto a vender propriedade residencial e preparado e capaz de pagar por isso, embora seja um requisito necessário para a aquisição da cidadania, pode não ser também um requisito suficiente. Se (e na medida em que) a propriedade interna em questão estiver sujeita a cláusulas restritivas, os obstáculos a serem superados por um potencial cidadão podem ser significativamente mais difíceis de ultrapassar. Na Suíça, por exemplo, a cidadania pode exigir que a venda de propriedade residencial a estrangeiros seja ratificada por uma maioria ou até mesmo por todos os proprietários locais directamente afectados.
Conclusão
A julgar pela política de imigração necessária para proteger os seus próprios cidadãos contra invasões estrangeiras e integração forçada—e para tornar todos os movimentos populacionais internacionais convidativos e as migrações contratuais—o governo suíço faz um trabalho significativamente melhor do que os Estados Unidos. É mais difícil entrar ou permanecer na Suíça como um estrangeiro não convidado. Em particular, é muito mais difícil para um estrangeiro adquirir a cidadania, e a distinção legal entre cidadãos residentes e estrangeiros residentes é preservada de forma mais clara. Não obstante estas diferenças, os governos tanto da Suíça como dos E.U.A. seguem políticas de imigração que podem ser consideradas demasiado permissivas.
Além disso, a excessiva permissividade das suas políticas de imigração e a consequente exposição da população suíça e americana à integração forçada de estrangeiros é agravada pelo facto de que a extensão da propriedade pública em ambos os países (e em outras áreas de altos salários) é bastante substancial; que as provisões de assistência social financiadas por impostos são altas e crescentes, e os estrangeiros não são excluídos; e que, ao contrário das declarações oficiais, até mesmo a adesão a políticas de comércio livre é tudo menos perfeita. Assim, na Suíça, nos E.U.A. e na maioria das outras áreas de altos salários, os protestos populares contra políticas de imigração têm crescido cada vez mais.
O propósito deste ensaio não foi apenas defender a privatização da propriedade pública, do laissez faire interno e do comércio livre internacional, mas também defender em particular a adopção de uma política de imigração restrita. Ao demonstrar que o comércio livre é incompatível com a imigração livre (incondicionada ou condicionada) e que o comércio livre requer, em vez disso, que a migração esteja sujeita à condição de ser convidada e contratual, é a nossa esperança contribuir para políticas futuras mais esclarecidas nesta área.
Ensaio publicado originalmente em Journal of Libertarian Studies 13, Número 2 (1998)