Há uma ideia comum que alimenta uma crença: a de que a utilização de impostos sobre as empresas para financiar o estado evita que estes tenham de ser suportados pelos indivíduos, aliviando-os sem prejuízo da receita pública necessária para todas as funções com que o estado se auto-legitima.
Ora, por norma, uma empresa nasce com a aplicação de capital, capital entregue por um ou mais indivíduos, que também por norma representa poupança acumulada. Importa salientar que, na maioria dos casos, nas sociedades modernas, esta poupança é o montante que restou após o pagamento de impostos sobre os rendimentos que geraram estas poupanças.
A utilização de capital numa empresa em particular tem como propósito racional remunerar o detentor de capital, que escolhe esta utilização por entre um conjunto de opções com diferentes graus de incerteza associados à remuneração, ou seja, risco. Esta incerteza inclui não só a possibilidade de ausência de rendimento, como também a de perda de parte ou totalidade do capital. A empresa remunera os detentores de capital (sócios) pelo lucro, que corresponde ao resultado que resta após subtrair às receitas obtidas junto dos clientes os gastos necessários para satisfazer o seu mercado. Este resultado deverá ser suficiente para remunerar o risco que o detentor de capital aceitou ao escolher este caminho para aplicar as suas poupanças.
Estes primeiros parágrafos, breves e genéricos, que julgo serem de entendimento comum, servem para enquadrar o argumento que pretendo sustentar: sendo uma empresa capaz e bem gerida, os impostos que lhe estão a cargo são efectivamente pagos pelos seus clientes.
O imposto por excelência a cargo das empresas é, à semelhança dos particulares, aquele que incide sobre o rendimento, no caso, o lucro (em Portugal: IRC). Ou seja, o lucro acima descrito não é na sua totalidade posse de quem arriscou o seu capital (sócio), o estado aparece e reclama uma parte. O sócio necessita pois, para compensar o que arriscou, de recuperar o resultado perdido em imposto para o estado, e, olhando para a conta de resultados da sua empresa, a forma que está mais no seu controlo é por via dos seus clientes, aumentando na medida necessária o preço do que vende. Cá aparece a falácia indicada no título do artigo: quem efectivamente acaba a suportar o imposto sobre o rendimento da empresa é o cliente, no caso, nós cidadãos que pagamos o preço a quem nos vende o que precisamos.
Contudo, o cerco da máquina fiscal a empresas e empresários não se esgota no imposto sobre o rendimento; mesmo em impostos sobre o consumo, como o IVA, que onera o consumidor, a empresa age como o burocrata e cobrador em nome do estado, sendo comum gerar ineficiências financeiras (entrega ao estado dos montantes de imposto antes da respectiva cobrança aos clientes), as quais levam a empresa a endividar-se para conseguir a liquidez em falta. Ora, a dívida, em Portugal, está sujeita a um imposto particular: o selo, que incide sobre o montante pedido e os juros que serão pagos a quem financia. Em resultado, temos mais despesas com juros e impostos que têm de ser recuperadas, evidentemente, pelo preço do que se vende.
Além disso, o Estado exige regras próprias para o cálculo da estimativa do resultado da empresa sujeito a imposto sobre o rendimento, excluindo despesas efectivas pagas pela empresa, o que eleva o resultado sujeito a imposto. A perversão é tal que estas exclusões incluem as próprias estimativas de imposto sobre o rendimento. Mais, em Portugal, a este imposto acresce uma particularidade nacional: uma taxa sobre determinado tipo de encargos, as chamadas tributações autónomas, aplicadas sobre a totalidade dos gastos com viaturas, viagens, estadias, representação, entre outros. Estas taxas são despesas que a empresa paga ao Estado, que as rejeita por não serem gastos aceites fiscalmente (eufemismo para mais imposto), logo, não podem ser subtraídas ao resultado final sujeito a imposto.
Por fim, o residual após deduzir às receitas todos os gastos do negócio é o lucro, que fica para o empresário como remuneração pelo risco do capital aplicado. Se este decidir recolher para si todo ou parte deste resultado, o estado reaparece, intervém e exige uma parte, agora na sua esfera individual, sob a forma de imposto sobre rendimento.
Estas barreiras ao lucro, umas naturais e decorrentes da actividade, outras impostas pelo apetite estatal, têm de ser consideradas e recuperadas para remunerar o risco do capital empregue na empresa. A variável imediata e sob o controlo do empresário (contingente ao seu mercado) é o preço, que tem de estar num patamar suficiente para permitir, mediante o lucro gerado, remunerar o risco do capital empregue. É verdade que não é a única, podendo intervir nos gastos (alguns, os livres da regulação estatal), sendo os que se referem à remuneração dos trabalhadores dos principais. Ambos os caminhos não têm como destino final um castigo sobre o capital, como é hábito alegar, mas sim sobre os indivíduos, seja por pagarem mais pelo que precisam, seja por verem os seus vencimentos limitados ou até por se verem confrontados com o desemprego. Há um elemento adicional de contingência que o empresário deve considerar quando planeia o futuro do seu negócio: as regras que o estado estabelece sobre a cota que exige para si do resultado da empresa, bem como as regras para apurar este quinhão, não são constantes, pelo contrário, mudam a cada ano, consoante os apetites da elite que se vai estabelecendo ao comando do estado.
Para ilustrar este ponto, socorro-me da metáfora de John Rawls (Rawls, 1971)1, um reconhecido liberal igualitário, do véu da ignorância. A narrativa habitual na defesa do castigo tributário sobre as empresas e o capital, por hábito precedido do adjectivo “grande”, contudo, aos dias de hoje, basta alguma poupança para se estar automaticamente incluído no grupo dos ricos, o grande capital. Tal serve como um véu que esconde uma realidade desconfortável para a elite política: a voracidade ilimitada do Estado está às costas dos indivíduos, e só destes.
- Rawls, J., Uma Teoria da Justiça, 1971, tradução portuguesa, 1993, editorial presença) ↩︎