Murray Rothbard tinha uma concepção da ética diferente da visão predominante entre os economistas mainstream. Defendia direitos, ao passo que o mainstream favorece o utilitarismo. Os economistas mainstream costumam afirmar que são “isentos de valores”, mas o seu apelo à “função de bem-estar social” desmente isso.
Na minha coluna desta semana, discutirei algumas críticas ao utilitarismo levantadas pelo filósofo britânico David Wiggins, no seu livro Ethics: Twelve Lectures on the Philosophy of Morality (Harvard University Press, 2006). Wiggins é um dos melhores filósofos analíticos contemporâneos, mas escreve num estilo denso e difícil. Se os seus alunos conseguiram acompanhar as aulas em que este livro se baseia, devem ter sido um grupo extraordinário!
Os utilitaristas argumentam que se deve sempre escolher a opção disponível que terá as melhores consequências. O que “melhores consequências” significa varia entre os diferentes utilitaristas, mas normalmente significa a opção que provavelmente maximiza o prazer e minimiza a dor, sendo estas palavras entendidas num sentido amplo como “satisfação de preferências”.
Um problema com isto, observa Wiggins, é que não pode haver nada de tão mau que seja absolutamente proibido: pode ser moralmente permitido, por exemplo, que o homicídio e a violação não sejam tão maus que nunca pudessem ser excluídos ou, de facto, moralmente exigidos, se maximizassem a utilidade. Os utilitaristas tentam contornar isto atribuindo “utilidade negativa” a estes crimes, mas Wiggins diz que isso não funciona:
Mas a dificuldade é… que, assim que se atribui algum valor definido à utilidade de a regra contra matar não ser quebrada… será fácil imaginar que tantas pessoas ficarão exultantes com a morte da vítima que a massa dos seus prazeres afogará a desutilidade de quebrar a regra.
Em apoio do que Wiggins diz, eis o que Bryan Caplan afirma sobre o seu amigo e colega economista Robin Hanson:
Começo com uma ressalva: apesar das suas opiniões morais, o Robin é uma pessoa incrivelmente simpática e decente… Ainda assim, o Robin subscreve uma lista interminável de afirmações morais bizarras. Por exemplo, disse-me recentemente que “o principal problema” do Holocausto foi não terem existido nazis suficientes! Afinal, se tivessem existido seis biliões de nazis dispostos a pagar 1 dólar cada um para que o Holocausto acontecesse, e meros seis milhões de judeus dispostos a pagar 100.000 dólares cada um para o impedir, o Holocausto teria gerado 5,4 biliões de dólares em excedente do consumidor.
Consideremos outro exemplo. Suponha-se que as únicas pessoas no mundo são o milionário Hannibal, um traficante de escravos, e 10.000 escravos órfãos sem um tostão. O traficante de escravos não tem uso directo para os seus escravos, mas gosta de dinheiro; Hannibal, por outro lado, é um canibal voraz. Segundo o Robin, o “resultado óptimo” é Hannibal ficar com os 10.000 órfãos e comê-los.
Wiggins levanta um problema diferente, embora relacionado, para o utilitarismo. Independentemente de quão mau um determinado resultado seja considerado, pode-se estar autorizado — ou até obrigado — a fazer algo, desde que fazê-lo seja um meio para minimizar a quantidade desse mesmo mal:
Um terrorista de algum tipo exige… que eu me incline para fora da janela do quarto onde me surpreendeu e dispare duas balas sobre uma multidão de pessoas em baixo — ou então (diz ele) fará explodir a estação ferroviária de Waterloo (Londres) em hora de ponta (como me convence já ter preparado). Deste modo, parece forçar-me, enquanto agente putativo, a fazer uma comparação entre a maldade de um punhado de vítimas e a maldade de milhares de vítimas. Se a comparação assim descrita for tão simples quanto isso, então torna-se visível algo notável, que Philippa Foot assinalou: nomeadamente que, segundo os cânones do raciocínio consequencialista, não há nada de tão terrível que um agente não possa ser obrigado a fazer precisamente essa coisa para dissuadir ou impedir outros de fazerem ainda mais dela, numa escala maior, com um resultado ainda mais pavoroso.
Este é o mesmo problema para o qual o grande filósofo libertário Robert Nozick chamou a atenção quando discutiu aquilo a que chamou o “utilitarismo dos direitos” em Anarchy, State, and Utopia (Basic Books, 1974), embora Wiggins pareça não estar ciente disso. Mencionei anteriormente que os economistas mainstream manifestam implicitamente o seu compromisso com o utilitarismo ao falarem da “função de bem-estar social”, e Wiggins tem alguns pontos de natureza técnica sobre este conceito:
A ideia original de utilidade é substituída pela ideia mais fácil e aparentemente mais promissora de que existe alguma função matemática como se, que cada “consumidor” procura maximizar na sua busca pessoal dos seus “gostos”, e à qual podem ser atribuídas as características necessárias para definir uma ordenação do mais e do menos. Num primeiro momento, a função é postulada (dizem-nos) porque a hipótese de que ela existe é suposto ter implicações que a observação pode apoiar ou contradizer. Pretende-se que produza observações sobre comportamentos observáveis.
Na prática, porém, muito pouco pensamento foi dedicado a estabelecer as credenciais empíricas ou outras da própria afirmação (o dogma, atrevo-me a chamá-lo) de que deve existir, para cada consumidor, alguma função que abranja não apenas as suas transacções no mercado mas tudo o que ele valoriza. Não se procura evidência para isto — simplesmente assume-se. Aparentemente, já não importa se existe ou não tal coisa como utilidade, ou se existe ou não uma tal função abrangente.
Fica-se com a forte impressão de que Wiggins não aprecia esta visão. Em termos menos técnicos, está a questionar o dogma de que tudo tem um preço. Murray Rothbard também rejeitou a função de bem-estar social e, em economia, esteve sempre certo.
Artigo publicado originalmente no Mises Institute.
