Acção humana é comportamento propositado. Ou poderemos dizer: acção é vontade posta em prática, é almejar fins e objectivos, é a resposta significativa do ego a estímulos e às condições do seu ambiente, é o ajustar consciente de uma pessoa ao estado do universo que determina a sua vida. Tais paráfrases podem clarificar a definição dada e prevenir possíveis mal-entendidos. Mas a definição em si é adequada e não necessita de comentários complementares.
Comportamento consciente ou propositado existe em distinto contraste ao comportamento inconsciente, isto é, os reflexos e as resposta involuntárias das células e nervos do corpo a estímulos. As pessoas estão por vezes preparadas para acreditar que as fronteiras entre o comportamento consciente e a reacção involuntária das forças que operam dentro do corpo humano são mais ou menos indefinidas. Isto é correcto apenas na medida em que por vezes não é fácil estabelecer se determinado comportamento deve ser considerado voluntário ou involuntário. Mas a distinção entre consciência e inconsciência é, ainda assim, aguda e pode ser claramente determinada.
O comportamento inconsciente dos órgãos e das células é para o ego que age não menos um dado que qualquer outro facto do mundo externo. O homem-agente tem de ter em conta tudo o que sucede dentro do seu corpo bem como outros dados exteriores, por exemplo, o tempo ou as atitudes dos seus vizinhos. Existe, claro, uma margem em que o comportamento propositado tem o poder de neutralizar os factores corporais. É possível dentro de certos limites controlar o próprio corpo. O homem pode por vezes ser bem sucedido pelo poder da sua vontade em conquistar a doença, em compensar as insuficiências inatas ou adquiridas da sua constituição física, ou em suprimir reflexos. Na medida em que isto é possível, o campo da acção propositada é estendido. Se um homem se abstém de controlar a reacção involuntária de células e centros nervosos, embora ele esteja numa posição de o fazer, o seu comportamento é do nosso ponto de vista propositado.
O campo da nossa ciência é a acção humana, não os eventos psicológicos que resultam numa acção. É precisamente isto que distingue a teoria geral da acção humana, praxeologia, da psicologia. O tema da psicologia são os eventos internos que resultam ou podem resultar numa acção determinada. O tema da praxeologia é a acção como tal. Isto também estabelece a relação da praxeologia com o conceito psicanalítico do subconsciente. A psicanálise também é psicologia e não investida a acção mas as forças e factores que impelem o homem para uma acção definida. O subconsciente psicanalítico é uma categoria psicológica, não praxeológica. Se uma acção tem origem em clara deliberação, ou em memórias esquecidas ou desejos reprimidos que, a partir de regiões submersas, dirigem a vontade, não influencia a natureza da acção. O assassino que é levado ao seu crime por um impulso subconsciente (o Id) ou o neurótico cujo comportamento aberrante parece ser apenas sem sentido para o observador leigo, ambos agem; eles, tal como qualquer outra pessoa, almejam certos fins. É um mérito da psicanálise ter demonstrado que mesmo o comportamento de neuróticos ou psicopatas é significativo, que também eles agem e tentam alcançar fins, embora nós que nos consideramos normais e sãos chamemos o raciocínio que determina a sua escolha de objectivos absurda e os meios que eles para atingir tais objectivos contraproducentes.
O termo “inconsciente” como usado pela praxeologia e o termo “subconsciente” e “inconsciente” como aplicados pela psicanálise pertencem a dois sistemas de pensamento distintos. A praxeologia não menos que outros ramos do conhecimento deve muito à psicanálise. Mas mais necessário se torna, pois, estar ciente da linha que separa a praxeologia da psicanálise.
Agir não é simplesmente mostrar preferência. O homem também mostra preferência em situações em que certas coisas e certos eventos são inevitáveis ou pelo menos julgados como tal. Assim um homem pode preferir sol a chuva ou pode desejar que o sol dissipe as nuvens. Aquele que apenas deseja e espera não interfere activamente no curso dos eventos ou na formação do seu próprio destino. Mas o homem que age escolhe, determina, e tenta atingir um objectivo. Das duas coisas que ele não pode ter simultaneamente, ele selecciona uma e renuncia a outra. Por conseguinte a acção envolve sempre escolha e renúncia.
Exprimir desejos e esperanças e anunciar uma acção planeada podem ser formas de acção na medida em que procuram elas mesmas a realização de um determinado propósito. Mas elas não devem ser confundidas com as acções a que elas se referem. Elas não são idênticas às acções que anunciam, recomendam ou rejeitam. Acção é uma coisa real. O que conta é o comportamento total de um homem, e não a sua fala sobre actos planeados mas não realizados. Por outro lado a acção deve ser claramente distinguida da aplicação de mão-de-obra. A acção significa o emprego de meios para atingir fins. Em regra um dos meios empregues é a mão-de-obra. Mas nem sempre é assim. Em certas condições especiais uma palavra é suficiente. Aquele que dá ordens ou interdições pode agir sem qualquer dispêndio de mão-de-obra. Falar ou não falar, sorrir ou manter-se sério, pode ser uma acção. Consumir ou aproveitar não são menos acções do que abster-se de consumir ou aproveitar.
Consequentemente a praxeologia não distingue entre o homem “activo” ou energético e o homem “passivo” ou indolente. O homem vigoroso que industriosamente procura o melhoramento da sua condição não age nem mais nem menos que o homem letárgico que preguiçosamente aceita as coisas como elas são. Porque ser preguiçoso e não fazer nada também constitui acção, também determina o curso dos eventos. Em qualquer lugar em que as condições para a interferência humana estão presentes, o homem age independentemente de interferir ou abster-se de interferir. Aquele que tolera aquilo que podia mudar não age menos do que aquele que interfere para atingir outro resultado. Um homem que se abstém de influenciar a operação de factores fisiológicos e instintivos que podia influenciar também age. A acção é não apenas fazer mas também não fazer aquilo que possivelmente poderia ser feito.
Podemos dizer que a acção é a manifestação da vontade de um homem. Mas isto não adicionaria nada ao nosso conhecimento. Porque o termo vontade significa nada menos que a faculdade humana de escolher entre diferentes cenários, preferir um, preterir outro, e de comportar-se segundo a decisão tomada de almejar um fim escolhido e abandonar outro
Este excerto corresponde à primeira secção do Capítulo I da primeira parte da magnum opus de Ludwig von Mises: “Acção Humana”.
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O excerto original em inglês pode ser consultado aqui.