Poucas questões dividiram os liberais ao longo dos séculos mais do que o lugar da religião numa sociedade livre. Alguns consideravam a fé irrelevante para a liberdade, uma esfera separada que deveria ser mantida totalmente isolada da política. Outros viam-na como a própria inimiga da liberdade, apontando para séculos de repressão clerical. Outros ainda argumentavam que a religião era útil, um suporte para a coesão social num regime de governo limitado. Por fim, havia um grupo mais ousado que afirmava que a religião — particularmente o cristianismo — não é apenas compatível com a liberdade, mas essencial para ela, histórica e conceptualmente.
Ralph Raico, em sua dissertação sobre O Lugar da Religião na Filosofia Liberal de Constant, Tocqueville e Lord Acton, insistiu que esta última posição era correcta e que ela capturava a essência de três dos pensadores liberais mais significativos do século XIX. Dentre eles, Lord Acton apresenta talvez o exemplo mais marcante: um aristocrata católico e historiador Whig que acreditava que a liberdade sem fé estava condenada a cair no materialismo ou no relativismo.
O Ponto de Partida de Acton: Catolicismo e Whiggismo
A formação intelectual de Acton já sinalizava a tensão que permearia sua vida. Ele nasceu numa família católica ligada às grandes aristocracias católicas do continente, mas, por meio do seu padrasto, também estava ligado à aristocracia Whig britânica. Sob a influência do seu professor, o teólogo alemão Ignaz von Döllinger, Acton mergulhou no revivalismo católico dos estudos na Alemanha do século XIX. Ao mesmo tempo, absorveu a tradição Whig da liberdade constitucional.
O jovem Acton achava que as duas tradições não precisavam de entrar em conflito. Como Raico mostrou, Acton acreditava que havia uma “noção católica do estado” cujos princípios, quando bem compreendidos, se alinhavam com a tradição constitucional inglesa. Somente o catolicismo, sugeriu ele, poderia fornecer a base metafísica para o constitucionalismo. “Somente a verdadeira religião corresponde à verdade na política”, escreveu ele, “caso contrário, certamente haverá uma ruptura em algum ponto da harmonia”. Por um tempo, chegou a descrever a Inglaterra e Roma como “as duas grandes potências conservadoras”.
Essa síntese reflectia sua admiração por Edmund Burke, a quem ele certa vez chamou de “a lei e os profetas” do pensamento político. Na resistência de Burke tanto ao radicalismo da Revolução Francesa quanto ao racionalismo abstracto da filosofia do Iluminismo, Acton viu um exemplo de como a sensibilidade católica e a liberdade constitucional se podiam reforçar mutuamente.
A Liberdade como Ordem Moral
Raico salienta que a filosofia da liberdade de Acton era fundamentalmente moral e religiosa. A liberdade não era um bem entre outros, como a riqueza ou a felicidade. Não podia ser trocada por progresso ou prosperidade. Para Acton, a liberdade era sinónimo da realização da ordem moral.
Isso diferenciava-o de pensadores seculares como Locke ou Bentham. Locke tinha reduzido a liberdade à segurança da propriedade, uma concepção “estreita” e “materialista” que, segundo Acton, perdia o significado mais elevado da liberdade. Bentham e os utilitaristas — com o seu cálculo do prazer e da dor — não davam espaço para a obrigação transcendente. Acton, por outro lado, argumentava que a liberdade se justifica porque dá aos indivíduos a possibilidade de cumprir os seus deveres morais perante Deus.
Nessa perspectiva, a liberdade não é a ausência de restrições, mas a condição em que os seres humanos podem assumir a responsabilidade por suas acções. Ela é valiosa não como um meio para a prosperidade, mas porque santifica a vida moral. Aqui, a fé católica de Acton forneceu a base indispensável: somente uma ordem moral transcendente poderia fundamentar a dignidade única da liberdade.
O Cristianismo e o Progresso Histórico da Liberdade
Acton também interpretou a história através desta lente religiosa. Raico mostra que ele creditava ao cristianismo — especialmente ao catolicismo — o mérito de ser a força decisiva no surgimento da liberdade. Na antiguidade clássica, a religião muitas vezes reforçava a tirania em vez de a restringir, e foi somente com o advento do cristianismo que surgiu uma ordem moral superior ao estado.
É claro que a Igreja primitiva nem sempre cumpriu esse princípio; muitos dos Pais [da Igreja, n. d. T.] enfatizavam a obediência à autoridade civil. Mas, com o tempo, Acton acreditava que a insistência do evangelho de que a lealdade a Deus vinha antes da lealdade aos governantes gradualmente criou um novo respeito pela consciência. O cristianismo, assim, colocou um limite ao poder do estado, ensinando que a obrigação moral transcende a autoridade política.
Essa dinâmica era evidente, argumentou ele, na Inglaterra do século XVII, onde seitas dissidentes defendiam a liberdade religiosa e, assim, promoviam a liberdade política. Elas compreendiam que seu direito de culto só poderia ser garantido pela limitação total do poder do estado. Acton contrastou isso com Locke, cuja defesa da liberdade estava enraizada na propriedade, e com Hume, que levou adiante a perspectiva materialista de Locke. A verdadeira liberdade, insistiu Acton, tinha sido santificada pela religião, não garantida apenas pela filosofia.
América, França e a Lei Superior
As reflexões de Acton sobre as grandes revoluções do século XVIII ilustram ainda mais o seu ponto de vista. Elogiou a Revolução Americana como o evento moderno mais importante para a liberdade, precisamente porque se baseava num compromisso com a doutrina da lei superior. Quer baseada na religião explícita ou não, a crença de que a autoridade política deve curvar-se a normas transcendentais deu força moral à causa americana.
A Revolução Francesa, por outro lado, fracassou porque separou a liberdade das suas raízes religiosas. Os seus líderes apelaram à razão, à utilidade ou à vontade nacional, mas não à lei de Deus. Aos olhos de Acton, o resultado era inevitável: a liberdade separada da fé transformou-se em tirania e derramamento de sangue.
Tensões e Contradições
Raico tem o cuidado de observar que os escritos de Acton nem sempre são consistentes. No início da vida, admirava Burke como um conservador com tendências católicas; mais tarde, brincou que teria enforcado Burke ao lado de Robespierre. O seu pensamento evoluiu de um tradicionalismo burkeano cordial para um liberalismo radical único na sua combinação de convicção católica e desconfiança whig do poder.
Além disso, o próprio Acton reconheceu o problema de que o liberalismo moderno estava a afastar-se da religião. Certa vez, observou que a mente liberal era marcada por uma “extrema profanidade”, muitas vezes deísta, ou agnóstica, na melhor das hipóteses. No entanto, ele nunca abandonou sua convicção de que, sem religião, a liberdade carecia de sua justificativa mais profunda.
Conclusão: a Relevância de Acton
A síntese de Acton entre a fé católica e a política liberal pode parecer paradoxal para os leitores modernos. No entanto, como Raico mostra, foi precisamente essa síntese que deu profundidade ao seu liberalismo. Enquanto outros liberais baseavam a liberdade na propriedade, na prosperidade ou na utilidade, Acton enraizou-a na lei eterna de Deus. A religião, acreditava ele, santificava a liberdade, fazia os homens valorizarem as liberdades dos outros como suas próprias e defendia-as não apenas como direitos, mas como deveres de justiça e caridade.
Numa época em que o liberalismo secular muitas vezes parece estar à deriva, o exemplo de Acton é impressionante. Ele lembra-nos que a liberdade sem fé pode facilmente tornar-se liberdade sem significado. Para preservar a liberdade, é preciso vê-la não apenas como uma ferramenta para o prazer humano, mas como um chamado de responsabilidade moral perante Deus.
O retrato de Acton feito por Raico continua, portanto, oportuno. Ele sugere que a relação entre religião e liberalismo não é acidental ou hostil, mas essencial e vivificante. Para que a liberdade perdure, adverte Acton, ela deve ser santificada — enraizada em algo superior ao homem e em alguém superior ao estado.
Artigo publicado originalmente no Mises Institute.