Numa das suas variadas manobras de teatro e distracção, Karl Marx sempre fez questão de imprimir um cunho depreciativo no conceito de Capitalismo. Para este, o Capitalismo é descrito , frequentemente, como “um sistema darwinista de competição”, no qual apenas os mais fortes sobrevivem, e na qual os mais fracos e os menos capazes definham.
Apesar de vários pensadores, incluindo Mises e Hayek, já terem exposto e explicado, com detalhe, os perigos das falaciosas teorias de Marx, esta conotação negativa por este atribuída assume-me, admito, como uma motivação pessoal adicional para a criação do presente artigo. Assim, tentarei explicar alguns dos princípios que considero serem essenciais na defesa utilitária e moral do Capitalismo e, ainda, como as forças produtivas e criativas do mesmo contribuem para que as sociedades floresçam e prosperem.
Sem prejuízo, para atacarmos ou defendermos este conceito, é importante que o entendamos primeiro.
No sentido de facilitar a leitura, começo por esclarecer o que o Capitalismo não é:
- O Capitalismo não é a burocracia internacional;
- O Capitalismo não é a defesa das grandes corporações e empresas;
- O Capitalismo não é o benefício das elites (e muito menos da pobreza);
- O Capitalismo não é o tratamento desigual das pessoas.
O que é o Capitalismo?
De um ponto de vista funcional, o Capitalismo pode ser entendido como um sistema de organização económica pautada pelos princípios do Livre Mercado. Ao invés do Socialismo e do Comunismo, em que o planeamento das decisões económicas está a cargo de meios políticos centralizados, numa sociedade Capitalista, estas decisões ocorrem de forma descentralizada, competitiva e voluntárias.
A propriedade privada promove a eficiência, uma vez que fornece ao proprietário dos recursos um incentivo para maximizar o valor de sua propriedade. Portanto, quanto mais valioso for o recurso, mais poder de negociação este confere fornece ao proprietário. Desta forma, os direitos de propriedade assumem-se como absolutamente imprescindíveis para que um sistema como o Capitalismo funcione na prática ¹.
Devo realçar, também, que para os indivíduos ou empresas possam utilizar os seus bens de capital com confiança, deverá ser previsto um um sistema que proteja o seu direito legal de possuir ou transferir propriedade privada. No fundo, o sucesso de uma sociedade capitalista dependerá do uso de contratos, negociações justas e leis de responsabilidade civil para facilitar e fazer valer esses direitos de propriedade privada.
Por sua vez, no conceito de intervenção governamental, ou Intervencionismo Estatal, podemos englobar tudo o que esteja relacionado com subsídios atribuídos a empresas ou indivíduos definidas pelo Governo, empréstimos subsidiados com os impostos da população, medidas comerciais protecionistas, apropriação do rendimento directo ou indirecto dos cidadãos, apropriação dos meios de produção, barreiras criadas à entrada de concorrentes em qualquer sector do mercado, entre outros.
A Beleza e a Moralidade do Capitalismo
O Capital gera produtividade e aumenta o nível médio de vida.
Iniciemos este capítulo com alguns exercícios mentais:
- De onde vêm os empreendimentos nos quais os trabalhadores são empregados?
- Como é que foi possível a construção de uma fábrica ou abertura de uma empresa?
- De onde são provenientes os recursos que garantem o pagamento dos salários dos trabalhadores?
- Como é possível garantir a produção dos bens que melhor atendem as necessidades dos consumidores?
A resposta é relativamente simples e vai de encontro a algo que Ludwig Von Mises nunca se cansou de repetir – sem acumulação de capital, não há aumento da produtividade, não há geração de riqueza, e não há aumento do nível de vida do indivíduo.
Em termos físicos, o capital engloba os activos físicos das empresas e indústrias, como maquinaria, stocks, instalações, entre outros, e permite, de uma maneira geral, a obtenção de uma maior produção com menos trabalho. É este aumento de produtividade que, em última instância, aumenta o padrão de vida de uma sociedade. Assim como um tractor multiplica enormemente a produção agrícola em comparação com uma enxada, a utilização de máquinas e equipamentos modernos multiplica a produtividade dos indivíduos – e, consequentemente, os seus salários e a sua qualidade de vida. Torna-se mais fácil compreender, assim, porque é que as sociedades passaram a conseguir garantir condições básicas de alimentação ou educação, enquanto trabalhavam menos horas.
Necessariamente, alguém teve que poupar uma parte dos rendimentos obtidos no passado para os aplicar na construção da empresa e na aquisição de todos os bens de capital necessários. Desta forma, podemos afirmar que a condição indispensável para um empreendedor ser capaz de realizar um investimento é uma poupança prévia desenvolvida pelo mesmo por outro agente económico, neste caso, disposto a abdicar da mesma em troca de alguma contrapartida.
O consumidor é soberano
De uma perspectiva pessoal, o que mais me fascina no sistema de organização económica capitalista é o carácter voluntário subjacente às decisões e interacções manifestadas pelos consumidores que constituem o referido sistema.
Contrastando fortemente com um sistema pautado por princípios socialistas ou comunistas, em que a defesa da propriedade se encontra, por definição, comprometida, e as decisões são tomadas de forma coerciva e centralizada, o indivíduo é quem está no comando.
Efectivamente, é o consumidor quem decide o que comprar, quando comprar, a quem comprar, que quantidades comprar e, até, não comprar. Assim, é o consumidor o responsável e determinante da viabilidade dos investimentos dos produtores.
Como consequência, apenas as empresas capazes de satisfazer, independentemente do seu tamanho, a todo e qualquer momento, as necessidades dos consumidores da melhor maneira possível, conseguirão sobreviver neste processo competitivo. Por isto, trata-se de um grande equívoco imaginar que o Capitalismo funciona, primordialmente, para beneficiar os produtores. Seguindo a sua própria natureza Humana, os consumidores somente se encontram interessados em conseguir os negócios que vislumbram como mais vantajosos. Quando vou ao supermercado e pretendo comprar um gin, compro um Gordon’s se este me satisfazer menos do que um Bombay? Por outras palavras, compraria um Gordon’s em detrimento de um Bombay, quando o primeiro satisfaz em menor grau a minha necessidade? Naturalmente que não.
Em última instância, ainda mais a jusante, é o consumidor quem determina a sobrevivência de empresas, os lucros, os empregos e os salários. Apesar de parecer um ponto de fácil compreensão, os críticos do Capitalismo continuam a acreditar na presença de uma figura capitalista (talvez mitológica), que controla as vontades e intenções dos consumidores, que explora os seus colaboradores e que se apropria, sem grandes escrúpulos, do que não é dele.
Ora, se uma empresa cresceu no mercado (assumindo que a entrada de novos concorrentes no sector onde se encontra é livre), uma coisa é certa – o seu crescimento deveu-se à procura por parte dos consumidores. Enquanto que esta for eficiente no processo de satisfação destas necessidades, esta terá lugar no livre mercado. Caso deixe de o ser, a sua queda será uma questão de tempo.
Basta pensarmos nos casos da Uber, Amazon, HBO, Netflix, AirBnB, Spotify, entre outros. Nenhuma destas empresas necessitou de regulação estatal para singrar. E porquê? Porque foram (e são) exímias em oferecer o que o consumidor procura.
Na verdade, existe um motivo bastante simples que explica esta realidade – os consumidores possuem aquilo que os produtores querem: dinheiro. Ludwig von Mises definiu o dinheiro como sendo “a mais comercializável das mercadorias”. Quem tem dinheiro, consegue trocá-lo pelos bens e serviços que pretende, aumentando a sua satisfação pessoal.
Na prática, e em resumo, é a batalha pelo lucro – implícita na procura pela satisfação do consumidor, a maior salvaguarda do progresso e desenvolvimento de uma sociedade.
Complementando uma das ideias veiculadas no capítulo anterior, importa realçar, sempre, que os trabalhadores também são consumidores. Consequentemente, na condição de consumidores, os trabalhadores também são beneficiados. Assim, numa sociedade capitalista, se os últimos não auferem de salários elevados, algo de grave se passa com a saúde financeira da empresa para a qual trabalham – esta não consegue oferecer o que os consumidores desejam.
Para os mais cépticos, considero ainda a seguinte questão – “E o que impede os capitalistas/patrões/donos/empreendedores a manutenção de salários baixos dos seus trabalhadores, mesmo obtendo lucros brutais?”. Ora, numa sociedade tendencialmente Capitalista e baseada nos princípios do Livre Mercado, praticamente nada. Nada, a não ser o fracasso eventual da empresa. Da mesma forma, nada impede os trabalhadores de se mudarem para outra empresa. Como acima referi, só as empresas que satisfaçam os consumidores conseguem sobreviver. Estando numa luta pela sobrevivência, o empreendedor dar-se-á ao luxo de deixar fugir a sua mão-de-obra, sujeitando-se a que outras empresas sejam melhores e mais eficientes? O Capitalismo é, portanto, uma condição essencial para o garante do poder negocial por parte dos trabalhadores.
Capitalismo concorrencial contribui para a mitigação de monopólios, oligopólios e quotas de mercado
Façamos, agora, o seguinte exercício – todos os produtos no mercado registam procura por parte dos consumidores. Neste caso, o que poderá determinar a perspectiva de lucro de um negócio?
Um dos factores é o nível da concorrência. Em qualquer lado do Mundo, os empreendedores procuram um público que se encontre mal servido pelos produtores correntes. Afinal, a existência de poucos concorrentes ou de concorrentes incapazes é sinal de lucro, e é precisamente esse lucro que o empreendedor procura (conceito também conhecido por profit pools).
Quando este empreendedor equaciona abrir uma nova padaria, não será mais lógico que a tente instalar numa área onde existem poucas padarias, ou onde as padarias já existentes não estejam a ser bem percepcionadas pelos consumidores? O mesmo pensamento pode ser aplicado na abertura de um ginásio, de um supermercado, de um escritório de advogados, etc.
Outro factor que, na mesma medida, impacta a perspectiva de lucro de um negócio é a quantidade/complexidade dos constrangimentos legais impostos pelo Governo.
Se, para poder operar num determinado mercado, for exigido o cumprimento de exigências legais muito custosas, isso diminui significativamente as perspectivas de lucro do negócio. Tais constrangimentos incluem, directa ou indirectamente, a aquisição de licenças, o pagamento de taxas especiais, a manutenção de certificações de várias ordens, a contratação de profissionais como advogados ou contabilistas que garantam o cumprimento das exigências (por norma, bastante bem pagos), a atribuição de subsídios a empresas favoritas pelo Governo, o protecionismo via obstrucção de importações, entre outros. Se considerarmos, por exemplo, o tecido empresarial português – composto em cerca de 99% por pequenas e médias empresas – conseguimos, facilmente, entender os efeitos perversos que este tipo de barreiras provocam.
Na realidade, o que previne a criação e preservação de monopólios não é a acção do Estado – pelo contrário, é, precisamente, a sua não-intromissão nos mercados. Não obstante, a “falta de regulação” continua a ser encarado, por muitos pensadores, como algo perigoso e susceptível de criar aproveitamentos.
Assume-se, desta forma, crucial termos em mente que existe uma alternativa à regulação Estatal – a regulação pelo próprio mercado. Deixo a seguinte questão ao leitor – prefere um mercado por políticos e burocratas, ou regulado por consumidores?
Ambos os modelos citados têm, como consequência última, a saída de empresas do mercado. Por um lado, na regulação Estatal, esta saída ocorre por meio de leis e normas que encarecem a produção e, consequentemente, diminuem a margem dos produtores – sobretudo, dos mais pequenos. Em última instância, este tipo de regulação acelera, ferozmente, a criação de oligopólios ou monopólios.
Por outro lado, num regime de concorrência capitalista, as empresas “escolhidas” crescem e prosperam, enquanto que as empresas “preteridas” tendem a desaparecer.
Logo, é falso afirmar que, se não fosse pela regulação Estatal, não haveria qualquer tipo de regulação.
Há, igualmente, a ideia de que um pequeno novo concorrente nunca conseguirá vencer um grande produtor estabelecido. O erro aqui é imaginar que o ganho de um empreendedor significa, necessariamente, a perda de outro. Tal como a Economia nos demonstra desde sempre, o Livre Mercado não vive à base de jogos de soma-nula. O mercado é um ambiente de trocas voluntárias, e não é necessário destruir ninguém para realizar trocas voluntárias.
Vou, então, exemplificar – imaginemos que uma determinada região em Portugal apenas se encontra coberta por um minimercado que, por este motivo, realiza 100% das vendas na referida região. Graças ao monopólio, o preço e a qualidade dos seus produtos encontram-se dependentes, integralmente, da capacidade de produção desde produtor monopolista. Naturalmente, não havendo constrangimentos legais à entrada de novos concorrentes, qualquer outro produtor poderá abrir outro minimercado e começar a vender sem incorrer em custos que não sejam aqueles do próprio negócio.
Neste caso, o minimercado seria lucrativo? Obviamente que sim. O negócio será viável e lucrativo enquanto este satisfazer as necessidades dos consumidores locais, parcial ou totalmente insatisfeitos com a oferta vigente. Por este motivo, sim – é frequente, numa economia Capitalista, os gigantes do mercado serem derrubados.
Quem cria cartéis, oligopólios, monopólios e quotas de mercado, é, justamente, o Estado…
Capitalismo permite aos “pobres” o acesso às coisas de “ricos”
Em várias ocasiões, Ludwig von Mises afirmou que o capitalismo não é, simplesmente, produção em massa. Pode ser, sim, a produção em massa para satisfazer as necessidades das massas. Numa economia capitalista, os grandes inovadores e empreendedores não produzem artigos caros, acessíveis apenas às classes mais altas, mas sim bens baratos e/ou de qualidade superior, capazes de satisfazer as necessidades de todos.
Em contraste com a situação verificada há muitos séculos, em que a produção era, tendencialmente, direccionada para as classes mais altas das cidades, o surgimento e a expansão do capitalismo geraram a produção de artigos acessíveis a toda a população.
Por esta razão, todas as grandes conquistas do Capitalismo resultaram, primordialmente, no benefício do cidadão comum, uma vez que permitiram a disponibilização para os mesmos de confortos, luxos e sonhos que, antes, eram prerrogativa exclusiva dos ricos e poderosos.
Podemos mesmo afirmar que uma quantidade exponencial dos benefícios do Capitalismo, do livre mercado, da inovação, das invenções, do comércio e dos avanços tecnológicos tem como destinatários as pessoas de classes mais carenciadas, e não das mais poderosas. Segundo Joseph Schumpeter, o motor do capitalismo é, acima de tudo, um motor de produção em massa, o que, inevitavelmente, também significa produção para as massas. Indubitavelmente, temos, hoje, bens e serviços disponíveis ao cidadão comum actual que as classes monárquicas de outrora não tinham.
Bens como a luz eléctrica, a cultura, automóveis ou meios de transporte modernos, roupas, entre outros, figuram como alguns exemplos. Segundo este pensador – ”A Rainha Elizabeth sempre teve meias de seda. O grande feito do Capitalismo não consiste em fornecer mais meias de seda para as rainhas, mas sim em disponibilizá-las para as mulheres trabalhadoras de classes menos favorecidas, em troca de quantidades de esforço continuamente decrescentes por parte das mesmas.
Conclusão
O Capitalismo não é uma imposição do governo, nem o mercado é uma ideologia em que a teoria necessariamente precede a prática. O Capitalismo é simplesmente o que ocorre quando as pessoas têm liberdade para fazer trocas, apoiadas em direitos de propriedade bem estabelecidos.
Por sua vez, o livre mercado é, apenas, o conjunto de intenções e acções de agentes humanos livres sobre a alocação de recursos escassos. Se os propósitos desses agentes são morais, a ordem gerada será igualmente moral. E é quando nós conseguimos, categoricamente, compreender e avaliar o Capitalismo, que passamos a ter a capacidade para o defender ou atacar.
¹ – Para quem tiver interesse neste tema, recomenda a leitura das teorias de John Locke relativas à apropriação original, que estão na origem da maioria dos conceitos modernos de propriedade privada.