Seja qual for o grupo que controla o aparelho de Estado ou aquele que representa a instituição do governo, vamos referir-nos simplesmente ao Estado.
Embora o Estado não possa alcançar tudo, pode certamente alcançar muito, pois é o monopólio dos monopólios — o único que torna possíveis todos os outros monopólios. Em primeiro lugar, o Estado é o monopólio territorial compulsório dos serviços de justiça (lei) e de segurança (ordem), que, com poder institucional para impor transferências de propriedade (impostos) para a sua manutenção, toma pela força ou ameaça as decisões finais na sociedade. E, em segundo lugar, o Estado é legitimado pela opinião (ideologia), que reforça a sua existência e intromissão noutros campos da vida social. Assim, para atingir os seus objectivos, o Estado legisla através do seu monopólio jurisdicional e educa — molda a mente — os seus súbditos para aliviar qualquer oposição.
O Estado governa os seus súbditos interferindo no seu direito à legítima defesa; o seu direito de se associar e concordar com os seus termos, e de contratar e concordar com a protecção e execução desses termos. E como as normas de aquisição justa de propriedade não são uma restrição para o Estado, pois este atribui a propriedade a si próprio não através da apropriação originária1 ou da transferência voluntária da propriedade, o Estado corrompe uma ordem social que, de outra forma, estaria inteiramente orientada para a paz — uma ordem de propriedade privada plena. Por conseguinte, o Estado opõe-se ao seu suposto objectivo de proteger a paz e a vida social, porque viola sistematicamente a paz na tentativa dessa protecção. Para melhor explicar, dado que o conflito é possível, mas não inevitável, como observa o filósofo Hans-Hermann Hoppe:
(…) é absurdo considerar a instituição de um Estado como uma solução para o problema de um possível conflito, porque é precisamente a instituição de um Estado que torna o conflito inevitável e permanente.
À medida que o Estado intervém na vida social sem outro limite que não seja o proveniente de qualquer resistência à sua autoridade, restringe a autoridade social e qualquer organização voluntária para a resolução de conflitos ou regulação social. Assim, a preferência demonstrada pela paz e pela cooperação por parte da maioria das pessoas não só é dificultada, como sistematicamente ignorada.
O Estado não admite a concorrência à sua autoridade suprema. Ao mesmo tempo que concentra o poder num sentido essencial, o Estado também alarga ou divide esse poder, sempre que aqueles que o detêm considerem adequado alargá-lo ou dividi-lo de modo a expandir ou proteger o seu próprio poder. Da mesma forma, o Estado não poupa esforços para legislar contra o fortalecimento de qualquer autoridade na sociedade contrária aos seus desejos. Qualquer autoridade que inspire um respeito genuíno e voluntário está condenada a ser minada. Assim, os clubes, as igrejas e todos os tipos de associações civis tornam-se cada vez mais subordinados à legislação estatal, quanto mais crescem em influência e relevância. E depois há a intrusão na família. Dado que a família é o pilar mais importante da lealdade, cooperação e hierarquia natural na sociedade, o culminar da intervenção estatal é a intromissão nos assuntos familiares.
O Estado distorce o desenvolvimento e o funcionamento das instituições sociais, provocando erros na compreensão de conceitos diferentes — embora fundamentais — no seio da sociedade: confundindo a liberdade com a permissão estatal e a justiça com a aplicação da lei estatal. Além disso, o poder legislativo do Estado é utilizado para favorecer interesses particulares diferentes dos criados pela existência do Estado. A par disto, o Estado gera conflitos e inquietações através da sua legislação, provocando controvérsias e disputas que não ocorreriam na sua ausência. O Estado inventa “crimes” e “ofensas”, mesmo sem vítimas, e coloca em discussão o uso do aparelho de Estado enquanto coloca diferentes grupos uns contra os outros em guerras ideológicas — sobre cultura, religião e muito mais. Assim, os poderes constituídos, através da instituição do Estado, dividem os súbditos para obter apoio, de acordo com a necessidade. Neste processo, o Estado beneficia determinados grupos externos ao Estado por razões específicas, com a ajuda do sistema jurídico gerido pelo mesmo Estado.
O Estado também fixa a sociedade a si mesmo, de modo a que, quando algumas pessoas não querem que o Estado faça algo, os apologistas do Estado possam dizer que essas pessoas não querem que aquilo seja feito de todo; como se ser contra o sistema de saúde financiado pelos impostos implicasse ser contra a cura de doenças. Cada vez mais, então, o Estado inunda os interstícios da vida social e aumenta o seu escrutínio sobre a vida dos seus súbditos. E a dependência do Estado aumenta à medida que este avança sobre o indivíduo e assume responsabilidades que, de outra forma, incitariam as pessoas a darem mais importância à forma como conduzem as suas vidas.
Sucessivamente, quase tudo o que está relacionado com a responsabilidade individual é para o Estado algo que gera controlo e legitimidade entre as pessoas, pois, se o Estado pode providenciar, será apresentada alguma ideia para justificar a prestação. Assim, o Estado arroga-se mais funções do que se podem conceber responsabilidades pessoais, restringindo a responsabilidade e fazendo com que os mais responsáveis paguem pelos erros dos menos responsáveis.
Concluindo, o Estado promove incentivos que minam a virtude na sociedade, afectando a moralidade na forma como os indivíduos lidam com a incerteza da vida. E, à medida que o Estado combate uma miríade de preocupações sociais, adquire novas funções e mais legitimidade para expropriar as pessoas com mais facilidade. Por conseguinte, o Estado intensifica a submissão popular, tornando os seus súbditos mais dependentes do seu aparelho e critérios — seja para a prossecução de fins pessoais em geral, seja para a satisfação de necessidades subordinadas à intervenção e ao financiamento estatais em particular.
Como explicou em tempos o economista Ludwig von Mises, o mercado não é uma coisa, ou uma entidade colectiva, mas um processo “despoletado pela interacção das acções dos vários indivíduos cooperantes sob a divisão do trabalho”. Mas como fonte de monopólio legal e de regulação obrigatória, o estado beneficia interesses especiais ao permitir que uns beneficiem de outros através da sua legislação forçada – definindo o que algumas pessoas podem alcançar e o que outras não poderão alcançar em determinadas circunstâncias. Da mesma forma, o Estado concede subsídios ou privilégios monopolistas às empresas, cujos preços são por vezes estabelecidos com o próprio Estado, garantindo um lucro permanente para estas empresas, apesar de qualquer ânsia de competir vinda do mercado.
Ou o Estado pode criar uma empresa, por exemplo, para se aventurar na produção e venda de um determinado bem. Consequentemente, o Estado quer mais dinheiro vendendo bens através de uma empresa estatal criada com o dinheiro dos contribuintes. Neste caso, digamos, o fornecimento de gás. Em princípio, o projecto envolveria quase as mesmas questões que qualquer outra empresa que espera obter algo com um projecto. Por isso, o Estado deve também confiar na consultoria de especialistas para estimar a produção que um projecto renderia. Haverá melhores opções do que outras para obter gás, e nem todas as opções serão financiadas. Mas como pode o Estado escolher um projecto em detrimento de outro de forma responsável e económica? A selecção e a execução de projectos estatais não são um processo de alocação de recursos e de cálculo económico de uma economia de mercado geradora de valor e livremente coordenada, mas antes um processo fora do equilíbrio custo-benefício que impulsiona a continuidade do negócio. E como o Estado executa os seus projectos independentemente das suas falhas e pode externalizar custos para os financiar, o Estado não pode ir à falência como acontece com indivíduos privados. Por conseguinte, os recursos mediados pelo Estado não podem ser utilizados de forma empreendedora, porque estes recursos não são utilizados pelos verdadeiros empreendedores que arriscam os seus próprios recursos e a continuidade do negócio.
Na ordem social estatal, a cooperação social não é o resultado da ordem estatal na sociedade, mas o resultado de qualquer medida de interacção livre e pacífica permitida pelo Estado. Além disso, os súbditos do Estado são obrigados a confrontar a legislação, a intervenção e a arbitrariedade contínuas do Estado, que é, na realidade, uma instituição imoral que não permite o processo livre e natural da sociedade. É um processo pelo qual os requisitos morais e comportamentais para a coexistência pacífica são reconhecidos ou estabelecidos, fomentando assim o bem-estar, a cooperação, a associação ou a dissociação, e a inclusão ou a exclusão, à medida que a cultura e as instituições sociais se desenvolvem.
Mas as autoridades estatais não sofrem as consequências de práticas que qualquer indivíduo privado está expressamente proibido de realizar, como quando o Estado pratica o roubo, o assassinato e o rapto. Por exemplo, quando o Estado cobra impostos, trava guerras e impõe o recrutamento militar. E enquanto se espera que os indivíduos privados assumam a responsabilidade pelas consequências dos seus actos, os funcionários do Estado gozam de uma variedade de possibilidades das quais dificilmente sofrerão consequências significativas, para além do potencial chamado custo político.
Para agravar a situação, quem protege os súbditos do próprio Estado? Quem o faz quando é o Estado que os torna dependentes de si próprio em tantos aspectos? E quem pune o Estado? Exceptuando o que os súbditos podem fazer sob o risco de serem punidos por se defenderem do Estado, a resposta a estas questões é: ninguém.
Como cada pessoa é uma unidade independente de tomada de decisão — isto é, como cada um pode fazer o seu próprio juízo sobre as reivindicações dos outros — cada pessoa é, então, um potencial terceiro independente para a resolução de conflitos e desacordos entre posições rivais. Por conseguinte, a imposição de um terceiro para tal resolução não é necessária para que um terceiro independente concorde em decidir correctamente entre estas posições. Ou seja, o Estado, que se impõe como juiz final de todos os conflitos na sociedade, incluindo os litígios que o envolvem como parte litigante, não é necessário para que se faça justiça. E embora a infalibilidade permanente de qualquer provedor de justiça não possa ser assegurada, dado que errar é algo humano e comum, é precisamente a falibilidade que torna imprudente ter sempre o mesmo provedor de justiça que não paga preço por estar errado, porque o Estado é o único provedor de justiça que não pode ser punido com a perda de clientes — pois continuará a receber financiamento de forma independente.
Por fim, chegamos a uma conclusão incontornável sobre o Estado e os seus súbditos: para que se faça justiça, o Estado deve renunciar à sua pretensão de governar e julgar as vidas e os direitos dos seus súbditos, dado que o Estado não conseguiu provar até à data — e nunca conseguirá — que tem direito à vida ou à propriedade de ninguém. E os súbditos, uma vez livres, devem dedicar-se à tarefa de viver as suas vidas e sonhos sem a presença do Estado.
Artigo publicado originalmente no The Libertarian Institute.
- Traduzido do inglês “original appropriation” – referência à “apropriação originária” ou ao homesteading lockeano. [n. d. T.] ↩︎