Livro discutido: [O Estado Total: Como as Democracias Liberais Se Tornam Ditaduras. por Auron Macintyre, Regnery 2024; 173 pp.]
Auron MacIntyre é o apresentador de um podcast popular na BlazeTV, no qual entrevista convidados, a maioria – mas não todos – dos quais compartilham sua perspectiva “conservadora orgânica”. Muitas vezes tem coisas valiosas a dizer, e a sua defesa contra a tirania “woke” merece grandes elogios. Auron MacIntyre não é um homem para “se deixar levar pela corrente”, e por isso merece a nossa gratidão. É um farol numa época de conformidade. Na coluna desta semana, porém, vou sugerir que há um problema com uma boa parte de sua obra, especialmente no que diz respeito às fraquezas do libertarianismo de livre mercado. O seu método padrão é resumir as ideias de um eminente autor de direita, muitas vezes enfatizando um dos seus livros. Apresenta-se como um expositor capaz, hábil a induzir as conclusões de seu autor escolhido. No entanto, não argumenta com rigor, e oferece as ideias de seus autores como se fosse evidente que tivessem grande peso.
O argumento básico do livro pode ser colocado desta forma: na Idade Média europeia, o rei não era a única fonte de poder num Estado. As pessoas tinham fontes independentes de autoridade, particularmente a Igreja Católica e os nobres locais. O Iluminismo mudou isso ao eliminar – ou, pelo menos, reduzir – a independência das fontes de autoridade independentes do Estado. As pessoas já não precisavam de protecção do Estado, uma vez que o Estado era agora “todos nós” (i.e., pessoas que vivem numa república democrática). (A existência de um monarca não contradiz isso.) Para além disso, os indivíduos tinham direitos naturais, baseados no direito natural, que era considerado universalmente vinculativo, independente dos costumes e tradições locais. Aplicado aos Estados Unidos, as pessoas confiavam num entendimento da Constituição orientado a regras, acreditando erroneamente que a separação de poderes e os freios e contrapesos poderiam ser aplicados mecanicamente.
O que essa visão ignora é que as pessoas que controlam o Estado querem obter o máximo de poder e riqueza possível e, para isso, propagandeiam as pessoas para que elas aceitem o que o Estado quer como seu próprio desejo também. Para isso, recorre a uma classe de intelectuais para influenciar a opinião pública. Estes intelectuais tornam-se eles próprios parte do Estado e procuram fazer avançar o seu próprio poder e riqueza. As pessoas devem ser impedidas de aceder a fontes de informação que transmitam outras narrativas e mensagens e, nos últimos anos, isso tem sido feito por pressão em redes sociais como o Facebook e o YouTube de forma a marginalizar essas outras mensagens. Muitas vezes, aqueles que controlam os meios de comunicação em massa não precisam de muita pressão, pois concordam com a perspectiva do Estado. Com efeito, podem ser considerados parte do próprio Estado.
Embora a perspectiva de MacIntyre seja consideravelmente plausível, ele aplica-a erroneamente aos defensores libertários do livre mercado, que querem eliminar toda a interferência estatal no mercado, se não acabar com o Estado por completo. Ele vê os negócios como controlados por uma classe de gerentes, que manipulam as pessoas para aceitar os produtos que fabricam, em vez do que elas realmente precisam. Os libertários cometem outro erro: pensam que podemos prescindir da noção de soberania. E isso é um erro, segundo MacIntyre, porque em emergências, as regras têm sempre de ser suspensas, e temos mais chances de preservar a liberdade se as pessoas reconhecerem que o facto de o Estado ser “democrático” não é suficiente para identificar o Estado com elas próprias.
Como sugerido acima, uma dificuldade com a maneira de proceder de MacIntyre é que ele não argumenta rigorosamente as suas alegações, mas ao invés resume um livro. Quase tudo o que ele diz sobre a classe de gerentes que dirigem as corporações e o Estado vem de The Managerial Revolution, de James Burnham. Para Burnham, a separação entre propriedade e controle na corporação moderna significava que os gerentes já não estavam vinculados ao seu dever fiduciário para com os accionistas da empresa. Mas, como Ludwig von Mises nos ensinou, desde que os proprietários possam transferir as suas acções para outro lugar, eles mantêm o controlo efectivo da empresa. No que diz respeito à alegação de que as empresas criam procura para os seus produtos através da publicidade, perguntamo-nos como é que as empresas arquitectam para o fazer. Não seria mais fácil oferecerem os produtos e serviços que as pessoas realmente querem, em vez de se esforçarem para criar uma procura por produtos que não existem? Toda essa noção foi criticada por F.A. Hayek em seu clássico artigo, “The Non Sequitur of the ‘Dependence Effect’“, ao qual remeto os leitores interessados para mais detalhes.
No seu pensamento sobre emergências e soberania, MacIntyre foi influenciado pelo controverso jurista alemão e membro do Partido Nazista Carl Schmitt, que argumentou em O Conceito do Político que o soberano é aquele que tem o poder de declarar uma excepção (ou seja, um estado de emergência em que as regras são suspensas). Mas porque é que as pessoas não podem lidar com as emergências à medida que surgem, sem procedimentos específicos sobre o que fazer? Por que razão é necessário envolver o Estado, sobretudo quando, como MacIntyre sabe e de facto sublinha, aqueles que declaram emergências se mostram relutantes, para dizer o mínimo, em abdicar dos seus poderes extra-constitucionais? Como ele diz sobre a covid, “os especialistas que fecharam o país inteiro estavam bêbados com o incrível poder que acumularam no espaço de apenas alguns meses e não tinham interesse em deixá-lo ir”.
Schmitt ridicularizou os “liberais” que evitavam a luta existencial do amigo contra o inimigo e buscavam, em vez disso, a abolição do “político” no seu sentido, a fim de que pudessem alcançar a paz e a prosperidade através da livre troca de bens em comércio mutuamente benéfico. Para alguns de nós, esta continua a ser uma visão apelativa, independentemente do que Schmitt e MacIntyre, nas pegadas de Schmitt, pensem.
Artigo publicado originalmente no Mises Institute.