Nos últimos tempos onde as agressões estatais foram galopantes e insuportáveis até para os não-libertários, muitas pessoas têm se identificado com os princípios libertários, seja por meio da leitura de um livro ou artigo, seja ao assistir uma palestra e em conversas quotidianas. Mas afinal, o que é ser um libertário? No presente artigo vou procurar responder a essa pergunta levando em consideração os princípios, estratégias e as acções que são basilares para um libertário e que foram descritas por Murray Rothbard, Walter Block, Hans-Hermann Hoppe e Samuel E. Konkin III.
O libertário- em especial, o austrolibertário- é um indivíduo contrário à agressão física da propriedade privada- bens que os indivíduos possuem de maneira legítima- e da autopropriedade- soberania da pessoa sob o seu próprio corpo- das pessoas. Em outras palavras, isso significa que ele não concorda que nenhuma pessoa ou um grupo de pessoas venham a cometer actos de agressão contra o corpo e a propriedade de indivíduos pacíficos. Isso não quer dizer que os libertários são pacifistas, os mesmos defendem o uso da força física somente
em caso de legítima defesa.
Por qual razão os libertários são contrários ao estado?
Os libertários entendem que o maior agressor dos direitos de propriedade é a instituição chamada estado, com o seu monopólio do uso da violência, monopólio educacional – que instrui as pessoas a aceitarem a legitimidade dele – e a sua predação dos recursos financeiros dos indivíduos produtivos. Como, por exemplo, quando alguém é obrigado a pagar impostos e mesmo que esse alguém se recuse a fazer isso, o estado o notifica, toma os seus bens e em último caso, o prende (essas são formas de agressão à propriedade). Um outro exemplo é o caso do recrutamento militar obrigatório, onde as pessoas residentes de um dado país são obrigadas a darem às suas vidas pelo país e matar outras pessoas, mesmo que eles não concordem com isso (essas são formas de agressão à autopropriedade).
E é claro que para além da força, o estado precisa de intelectuais que justifiquem às suas acções e façam com que o público acredite que elas são legítimas e justas. E foi através disso que eles começaram a formular e propagar- cada um ao seu modo- as afirmações de que tudo o que o estatista faz é pelo bem do povo, de que o político sabe o que é melhor para aqueles que ele governa e entre outras coisas. Esse campo teórico tem por nome “Razão de Estado”1.
Diante disso, o libertário tem como objectivo intelectual a refutação desses ensinos estatistas, a integração e formação dos libertários, com a finalidade de criar movimentos que façam frente às ideias coercitivas e as agressões estatais, na busca por alcançar o fim libertário2 o tanto quanto for possível. Tal objectivo também é composto pelo ato de levar informações ao público em geral a respeito das inconsistências das afirmações pró-estado – estas que o privilegiam e faz com que o seu império coercitivo permaneça causando enormes prejuízos à vida, à liberdade e propriedade privada das pessoas produtivas – e que todas as suas acções não são para o bem e segurança do público, e sim, para a manutenção do seu poder às custas das rendas dos mesmos. Um dos meios para se ter êxito nessa actividade intelectual libertária, é a divulgação de informações descentralizadas: publicação de livros, artigos, clubes de estudo, produção de vídeos, palestras, criação de institutos. É importante levar em consideração a linguagem que está sendo usada na realização dessas actividades intelectuais, pois quanto mais o público conseguir compreender essas ideias, melhor é.
Qual o diferencial da acção dos libertários?
Diferente da maioria dos adeptos de outras vertentes filósofo-políticas, o libertário parte do princípio de que os outros não são obrigados a serem libertários- isso ocorre de modo espontâneo- e que seu interesse está mais ligado à protecção de sua propriedade e a manutenção de uma ordem social que torne essa defesa duradoura, do que impor por meio da força política- como se tornar um político, por exemplo- o fim libertário as outras pessoas. Ao invés disso, o mesmo busca convencer os outros das suas ideias e princípios por meio da argumentação com o intuito de convencer o máximo de pessoas e mostrar que toda e qualquer agressão estatal é causado por homens violentos- principalmente aqueles que fazem parte do estado- e para vencê-los é preciso agir em desacordo com esses agressores e expulsá-los dos seus círculos de convivência, não fazer qualquer tipo de acordo com eles e não ajudá-los; se aliar com pessoas que estão interessadas na liberdade económica (facilidade de abrir negócios, redução constante dos impostos, etc), que defendem que o estado não deve interferir no planeamento familiar das pessoas, que a caridade voluntária é mais justa e decente do que a fraternidade forçada3, que o voluntarismo é preferível à coerção, que as normas e regras entre contratantes e contratados devem ser estabelecidas por meio de acordos entre eles mesmos sem a participação de legislações estatais e entre outras questões.
Uma outra característica peculiar dos libertários é a sua naturalidade em lidar com as diferentes ideias discutidas e postas em práticas no meio libertário, já que, nada é imposto a ninguém e existe plena liberdade para discutir quaisquer assuntos, o único ponto a ser considerado é se uma ideia quando posta em prática irá ou não causar dano a alguém e a sua propriedade. Como o Libertarianismo não tem uma regra sobre como deve ser a conduta moral dos próprios libertários, as pessoas podem ver no meio libertário pessoas que fazem parte dos mais diversificados conjuntos sociais e religiosos: católicos, protestantes, budistas, agnósticos, ateus, liberais em moral, conservadores em moral, homossexuais – a esses eu costumo carinhosamente chamar de homolibertários – heteros, bissexuais, lésbicas, transexuais, celibatários, monogâmicos, poligâmicos e etc4. O que os une é a prática e a defesa dos princípios libertários: direitos de propriedade e o princípio da não-agressão (PNA)5.
Conclusão
Portanto, ser libertário é simplesmente não concordar com nenhuma prática que envolva agressão à propriedade privada e a soberania que o ser humano tem sob o seu corpo (autopropriedade), sejam essas cometidas pelos monopolistas estatais ou qualquer outra pessoa. Além disso, o libertário de manifestará- tanto na teoria como na prática- publicamente a respeito dessas questões, procurando sempre pôr em xeque a justificativa de que essas agressões são para o bem de todos. Tal manifestação consiste na busca pela abolição completa das agressões e imposições estatais.
Notas:
- Isso pode ser visto nos modelos de ensino estatais que formam pessoas para serem produtivas para financiar o estado e não para adquirir conhecimento. ↩︎
- Quando eu comecei meus estudos sobre o Libertarianismo, eu pensava que todos os libertários eram aqueles que queriam entrar no estado, enfraquecer ele de dentro e propor o seu fim, via legislação parlamentar, por exemplo. Hoje eu entendo que a melhor estratégia não é essa, o caminho é tirar o corpo fora do estado, isto é, não participar da festa da democracia, buscar meios de pagar cada vez menos impostos, se juntar com outros libertários, criar uma anarcovila libertária e que se algo que você quer fazer não agride a propriedade e nem nenhuma pessoa, não precisa pedir permissão do estado para realizar tal feito, faça-o assim mesmo, apenas não deixe que aqueles que se comportam como fiscais do Sarney saberem. ↩︎
- Esse foi um termo usado por Frédéric Bastiat, um liberal e parlamentar francês do século XIII, para se referir ao ato dos socialistas de sua época que queriam usar o parlamento para criar legislações que obrigassem uns a bancarem as despesas de outros. ↩︎
- Não estou mencionando isso com base em ideias identitárias- os libertários mais próximos a mim sabem que eu tenho aversão a isso. Fiz essa menção apenas para mostrar que existe plena liberdade no meio libertário sobre questões que são particulares a cada um e também que o Libertarianismo nada tem a ver com ser “supremacista branco e que os libertários não são
arruaceiros degenerados” como muitos andam espalhando mundo afora. ↩︎ - O princípio da não-agressão (PNA) é um fundamento ético do Libertarianismo. Nele é estabelecido que nenhum indivíduo deve iniciar agressão física ao corpo de outras pessoa- socos, escravidão, apontar uma arma para alguém e ameaçar atirar, por exemplo- e nem a sua propriedade privada que foi adquirida de maneira legítima- roubo, invasão de propriedade,
nacionalização de empresas privadas, impostos e afins. Esse princípio valida o uso da força física somente para fins de defesa dos tipos de agressão que foram anteriormente citadas. ↩︎
Referências bibliográficas:
– ROTHBARD, Murray N. Por Uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário. 1973. Trad. Rafael de Sales de Azevedo. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, Cap. 2, pág 37–39; 63–90.
– ROTHBARD, Murray N. Estratégias para uma Vitória Libertária. Universidade
Libertária, 2022 Disponível em: https://universidadelibertaria.com.br/estrategias-para-uma-vitoria-libertaria/
Acesso em: 19/11/2022
– HOPPE, Hans-Hermann. O que Deve Ser Feito. 1997. Trad. Fernando Fiori Chiocca, São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013. Pág. 31–35.
– HOPPE, Hans-Hermann. Manual para entender direito o Libertarianismo. 2018. 2°Edição. Trad. Fernando Chiocca, João Marcos Theodoro, Pedro Anitelle, Daniel Chaves Claudio, Larissa Guimarães, Bruno Cavalcante. São Paulo: Instituto Rothbard, 2019.
– BLOCK, Walter. Rumo à uma Sociedade Libertária. 2015. Trad. Luiz Paulo C. de Carvalho; posfácio de Raphaël Lima. São Paulo: LVM Editora, 2° edição revista e ampliada, 2018.
– OPPENHAIMER, Franz. O Estado- sua história e desenvolvimento vistos sociologicamente. Coord. Alex Pereira de Sousa. Trad.Gabriel Camargo…[et al]. São Paulo: Editora Konkin, 1° Edição, 2023. Cap. 1 e 2.
– GIANTURCO, Adriano. A Ciência da Política- uma introdução. 2 ed. Rio de Janeiro: Forence, 2018. Cap. 5 e 6.
– KONKIN III, Samuel Edward Konkin. Esmague o Estado! Um compêndio de estratégia libertária (com o manifesto do novo libertário). Trad. Alex Pereira de Souza, Daniel Miorim de Morais…[et.al]: Editora Konkin, 2022.