Poucos negariam que “Acção Humana” é o trabalho fundamental da economia austríaca moderna e que esta é uma razão convincente para ler o livro. Mas há outra razão, igualmente convincente, para estudar cuidadosamente o grande tratado de Mises. Ele é o antídoto para a ameaça real e imediata à liberdade humana e à sociedade representada pela perniciosa filosofia social do progressismo. Após o colapso da União Soviética e de outros regimes comunistas, quase todas as variantes do esquerdismo abandonaram o marxismo e se reuniram sob a bandeira do progressismo, especialmente nos países ocidentais, onde alcançaram uma poderosa influência na política através de eleições democráticas. De facto, o progressismo é muito mais insidioso do que o marxismo, precisamente porque rejeita o conflito de classes e a revolução sangrenta e abraça fervorosamente a democracia como o verdadeiro caminho para a perfeição da raça humana. Os progressistas vêem a história como uma marcha inevitável para a frente e para cima em direcção a um futuro utópico, um estado socialista igualitário dirigido eficientemente por burocratas, intelectuais e tecnocratas desinteressados.
No entanto, apesar da sua predilecção pelo socialismo, os progressistas contemporâneos aprenderam com o colapso do comunismo que a tentativa de substituir a economia de mercado pelo planeamento central conduz à pobreza, à fome e ao colapso económico. Propõem, por isso, manter uma economia de mercado truncada, fortemente tributada, regulada e controlada. Os capitalistas e os empresários ficarão sujeitos a uma tempestade de ordens, decretos e proibições e serão obrigados a trabalhar para sustentar o aparelho de Estado e os seus comparsas e círculos eleitorais. Por outras palavras, o intervencionismo, e não o socialismo, é a economia política do progressismo. Embora ele não discuta o progressismo em “Acção Humana”, Mises foi um dos primeiros a reconhecer explicitamente que todos os progressistas estavam unidos em sua defesa da agenda económica intervencionista apresentada no “Manifesto Comunista”. Esse trabalho foi escrito em 1848, quando Karl Marx e Friedrich Engels exortaram os seus colegas comunistas a destruir o capitalismo “estabelecendo a democracia”, e bastante antes de adoptarem a visão de que o socialismo inevitavelmente substituiria o capitalismo através de uma revolução proletária sangrenta. Como Mises apontou:
“É impossível entender a mentalidade e a política dos progressistas se não levarmos em conta que o Manifesto Comunista é para eles tanto um manual quanto uma escritura sagrada, a única fonte confiável de informação sobre o futuro da humanidade assim como o código definitivo de conduta política.”
“Acção Humana” é indispensável para compreender o funcionamento e as consequências do intervencionismo, o sistema económico menos compreendido. Embora o livro apresente uma exposição sistemática do método e da teoria económica, está organizado como um tratado sobre sistemas económicos comparativos. Analisa e compara os três sistemas económicos concebíveis – capitalismo, socialismo e intervencionismo – do ponto de vista de qual deles promove melhor a cooperação social sob a divisão do trabalho entre diversos indivíduos que possuem meios e fins díspares. Ao avaliar os sistemas económicos em relação à sua eficácia em permitir que as pessoas humanas alcancem o florescimento material e intelectual comum, Mises transcende a economia e desenvolve uma filosofia social sistemática.
Mises inicia a obra “Acção Humana” com uma exposição pioneira do “Método Praxeológico”, que permite a dedução de um sistema integrado de teoria económica baseado na verdade evidente de que as pessoas agem, ou seja, comportam-se propositadamente ao utilizar os seus escassos meios para atingir os seus fins mais valorizados. Ao associar o método económico ao facto inegável de que o homem age e a algumas verdades empíricas sobre o mundo real, Mises estabelece que sempre que as condições assumidas por uma determinada teoria económica existem na realidade, o economista pode prever com sucesso o resultado qualitativo da política económica. O controlo das rendas abaixo das rendas de mercado provocará uma escassez de habitações para arrendamento; a inflação será travada controlando o crescimento da massa monetária; se os bancos centrais manipularem a taxa de juro de mercado através da expansão do crédito bancário, provocarão bolhas de activos e booms de investimento seguidos de um colapso generalizado dos preços dos activos e de uma recessão. O “Método Praxeológico” contrasta assim fortemente com o método positivista dominante, que procura em vão derivar teorias económicas (provisoriamente válidas) através da construção e manipulação de modelos matemáticos estáticos desligados uns dos outros e da realidade.
Mises começa o seu tratamento dos sistemas económicos comparativos com a parte 3, que é dedicada a uma discussão detalhada do cálculo económico, a sua natureza e pré-requisitos. Este conceito é crucial para avaliar as vantagens e desvantagens comparativas de qualquer sistema económico concebível. Na parte 4, Mises trata do capitalismo, ou a economia de mercado. O facto de Mises colocar a análise do capitalismo antes da análise do socialismo e do intervencionismo não é acidental, mas é necessário pelo facto de que a propriedade privada dos meios de produção e dos bens de consumo, a troca irrestrita e uma moeda sólida, baseada no mercado, são os pré-requisitos para o cálculo económico. Usar a “construção da economia de mercado pura” permite a Mises empregar o “Método Praxeológico” para deduzir os teoremas centrais da economia.
Na parte 5, “Cooperação Social sem Mercado”, Mises analisa a “construção imaginária de uma sociedade socialista” na qual a propriedade privada, a troca, e os preços de mercado dos meios de produção estão todos ausentes. Usando o poderoso sistema teórico que deduziu anteriormente da análise da economia de mercado pura, Mises demonstra em cinco páginas que numa sociedade socialista perfeita, o cálculo económico e, portanto, a economia dos factores escassos de produção seriam “impossíveis” – mesmo do ponto de vista da própria escala de valores do planeador central. Nestas condições, a cooperação social na produção e a própria sociedade desintegrar-se-iam rapidamente. O resto da discussão sobre o socialismo envolve a refutação de Mises dos contra-argumentos à sua posição apresentados por economistas socialistas e neoclássicos.
A parte 6, “A economia de mercado prejudicada”, trata do que é frequentemente chamado de “economia mista” ou um “terceiro sistema” existente em algum lugar entre o capitalismo e o socialismo. Mises rejeita a possibilidade de misturar elementos desses dois sistemas: ou há capitalismo ou socialismo, e nunca os dois se encontrarão. Ou os consumidores ou os planeadores governamentais controlam a utilização de recursos escassos. Qualquer tentativa de dividir o controlo da produção entre ambos os grupos, conduz inevitavelmente a um regime instável de conflito sistémico e crise, porque a economia de mercado é um sistema vasto e intrincado de actividades inter-relacionadas. Assim, um decreto governamental isolado ou uma “intervenção” destinada a alterar um determinado resultado do mercado altera inevitavelmente os dados do cálculo económico (preços, lucros, receitas, custos, etc.) em todo o sistema e provoca uma reacção dos consumidores e empresários que altera novamente os dados. O que surge é um terceiro conjunto de condições de mercado que é menos preferido e pode até ser positivamente indesejável do ponto de vista do governo. Isto convida a novas intervenções. Para Mises, o intervencionismo, portanto, não é um terceiro sistema económico, mas uma economia de mercado na qual o cálculo monetário foi distorcido e foram introduzidos elementos de descoordenação económica e caos.
Num manuscrito não publicado, Mises chamou isso de “o problema da supremacia dividida” e argumentou que o intervencionismo é auto-contraditório:
“O conceito de supremacia implica logicamente a indivisibilidade. Ou A é chamado a decidir ou B. Se A e B são supostamente supremos, surge um conflito insolúvel assim que não concordam um com o outro. Na economia de mercado, são os consumidores que, em última análise, determinam o curso da produção; num sistema socialista, é … o governo. O intervencionismo aceita o expediente espúrio de atribuir a supremacia tanto aos consumidores como ao governo.”
É sob o sistema de intervencionismo que a economia presta um serviço prático como ciência preditiva. No caso do socialismo puro, tudo o que um economista pode fazer é explicar porque é que o sistema é totalmente incapaz de afectar os recursos aos seus usos mais valiosos. Não pode fazer previsões sobre os padrões de funcionamento do socialismo porque o sistema está condenado a uma rápida decadência ao que Mises chamou de caos planeado. A economia também não pode ser muito útil na previsão dos padrões concretos de utilização de recursos e de fixação de preços que surgirão numa economia de mercado sem entraves, porque estes dependem, em última análise, de escalas de valor subjectivas e mutáveis dos consumidores e, proximamente, das antecipações dos empresários sobre as futuras condições de mercado, nenhuma das quais pode ser prevista pelo economista com certeza. Por outras palavras, ao considerar a economia de mercado pura, o economista não pode conhecer os dados do sistema ou a sua configuração em qualquer momento no futuro. Por exemplo, o economista sabe com absoluta certeza que um aumento da oferta de trigo provocará uma descida do seu preço, mas não sabe se ou quando isso acontecerá. Os empresários são muito mais astutos do que os economistas na previsão de tais ocorrências, e mesmo as suas previsões estão sujeitas a erros.
A situação é completamente diferente no que respeita a um regime de intervencionismo, pois os economistas partem do conhecimento da política económica específica a impor. Assim, eles podem traçar as consequências usando os teoremas económicos verdadeiros e realistas produzidos pelo “Método Praxeológico” e, portanto, prever o padrão – embora não as dimensões temporais ou quantitativas – das actividades económicas futuras que resultarão, digamos, da imposição de um salário mínimo ou da expansão do crédito bancário. No último livro que escreveu, “The Ultimate Foundation of Economic Science”, Mises afirma vigorosamente o poder preditivo da teoria económica em relação ao intervencionismo:
“A economia pode prever os efeitos que se esperam do recurso a determinadas medidas de política económica. Pode responder à questão de saber se uma determinada política é capaz de atingir os objectivos pretendidos e, se a resposta for negativa, quais serão os seus efeitos reais. Mas, evidentemente, esta previsão só pode ser “qualitativa”. Não pode ser quantitativa porque não existem relações constantes entre os factores e os efeitos em causa. O valor prático da economia reside neste poder perfeitamente circunscrito de prever o resultado de medidas definidas (sublinhado nosso).”
No seu volume sobre os problemas epistemológicos da economia, Mises coloca corajosamente a economia praxeológica a par das ciências naturais no seu poder de previsão:
“A economia também pode fazer previsões no sentido em que esta capacidade é atribuída às ciências naturais. O economista pode e sabe antecipadamente qual o efeito que um aumento da quantidade de dinheiro terá sobre o seu poder de compra ou quais as consequências do controlo dos preços. Por conseguinte, as inflações da era da guerra e da revolução, e os controlos decretados em relação a elas, não produziram resultados imprevistos pela economia.”
A teoria do intervencionismo que Mises apresenta em “Acção Humana” prevê com certeza que uma economia de mercado obstruída por um conjunto cada vez maior de mandatos, controlos, impostos e regulamentos será uma economia afligida por crises cada vez mais profundas. Infra-estruturas em ruínas e, simultaneamente, sobre-construídas, crises financeiras recorrentes, redistribuição inflacionária da riqueza a capitalistas e financeiros crony (de compadrio – n. do t.) mega-bilionários, défices de biliões de dólares, consumo de capital e erosão da produtividade do trabalho e dos salários reais são crises causadas por intervenções acumuladas sobre mais intervenções. Se a esquerda progressista conseguir impor à sociedade a sua louca visão utópica de uma social-democracia igualitária, a humanidade enfrentará a terrível realidade de uma economia em crise perpétua.
Há, no entanto, uma razão poderosa para os libertários se animarem com a análise de Mises. O intervencionismo é um regime instável que oscila entre o socialismo e a economia de mercado pura. Precisamente porque contém a contradição inerente à soberania dividida, podemos prever que uma economia intervencionista será fustigada por crises intermináveis. Estas crises minarão os planos e a moral das elites dirigentes, empobrecendo, frustrando e amargurando as classes produtivas. Isso fomentará uma mentalidade de “nós contra eles” e apresentará uma oportunidade que pode ser explorada por líderes do pensamento libertário e formadores de opinião. Esses homens e mulheres, armados com as lições de “Acção Humana” e imbuídos do espírito misesiano de liberdade humana, estarão bem dispostos a mobilizar uma reacção militante de massas que desaloje as elites progressistas do poder e impulsione a economia em direcção a um sistema de trocas totalmente voluntário.
Artigo publicado originalmente na edição de Maio-Junho 2024 do periódico “The Misesian“.