“[L]iberdade… é um acto de fé em Deus e nas Suas obras.”
É assim que Frédéric Bastiat – economista francês conhecido pelo seu pensamento económico libertário pioneiro – conclui “A Lei”, a sua obra mais famosa. Ao lermos os seus vários escritos e panfletos, notamos muitas vezes uma menção recorrente a Deus, ou pelo menos a um Criador, e à moral que hoje chamamos “judaico-cristã”; no entanto, esta fé encontrada nas suas obras pode ser encontrada com igual frequência na sua vida. Este artigo tem como objectivo expor o papel da fé católica no aspecto intelectual e pessoal de Frédéric Bastiat.
O Pensamento de Bastiat
Como já foi apresentado, “A Lei” é uma obra muito importante de Bastiat, e nela encontramos a profunda definição de liberdade mencionada acima, mas também encontramos outras afirmações de fundo religioso. Ao abordar as teorias colectivistas de Jean-Jacques Rousseau e dos seus discípulos, Bastiat, horrorizado, comenta com um toque de ironia
“Mas, oh! escritores sublimes, dignai-vos lembrar, por vezes, que este barro, esta areia, este estrume, de que estais a dispor de forma tão arbitrária, são homens, vossos iguais, seres inteligentes e livres como vós, que receberam de Deus, como vós, a faculdade de ver, de prever, de pensar e de julgar por si próprios!”
Bastiat era um estudioso do direito natural. Para ele, cada indivíduo é dotado pelo seu Criador de direitos e faculdades que ninguém lhe pode retirar com justiça. É o mesmo caso de outra afirmação famosa que escreveu em “A Lei”:
“A natureza, ou melhor, Deus, concedeu a cada um de nós o direito de defender a sua pessoa, a sua liberdade e a sua propriedade, uma vez que estes são os três elementos constitutivos ou preservadores da vida;…”
É o que se exprime em “A Lei”, de Bastiat, no que diz respeito à filosofia. Trata-se de um pensamento filosófico iluminado por uma profunda fé cristã que vê cada indivíduo como imagem e semelhança do Senhor. No que diz respeito ao pensamento económico, Bastiat exprime substancialmente a mesma lei natural, para a explicar utilizamos as suas próprias palavras retiradas das “Harmonias Económicas” e da primeira edição dos “Sofismas Económicos”:
“…o pensamento que colocou a harmonia no movimento dos corpos celestes foi também capaz de a inserir nos mecanismos internos da sociedade….
…a liberdade e o interesse público podem ser conciliados com a justiça e a paz; que todos estes grandes princípios seguem infinitos caminhos paralelos sem entrar em conflito uns com os outros por toda a eternidade; …. [Conhecemos a bondade e a sabedoria de Deus, que se manifestam na sublime harmonia da criação física…”
Ele está convencido de que a harmonia que existe nas ciências naturais está também presente na sociedade e nas relações interpessoais, como uma obra maravilhosa de Deus. Mais uma vez, na introdução de Harmonias Económicas, escreve sobre a harmonia dos interesses individuais:
“Ela [a harmonia de interesses] é religiosa, pois nos assegura que não é apenas o mecanismo celestial, mas também o social, que revela a sabedoria de Deus e declara Sua glória.”
“Harmonias Económicas”, embora menos famosa do que “A Lei”, é de longe a sua obra mais importante. Aqui, a economia, a filosofia e a teologia fundem-se e dão vida à melhor e mais completa expressão do pensamento de Bastiat. Numa das últimas páginas, ele escreve:
“Diminuir a liberdade do homem não é apenas feri-lo e degradá-lo; é mudar a sua natureza; é (na medida e proporção em que tal opressão é exercida) torná-lo incapaz de melhorar; é despojá-lo de sua semelhança com o Criador; é obscurecer e amortecer em sua nobre natureza aquela centelha vital que brilhou lá desde o início.”
O fulcro do pensamento filosófico e económico de Bastiat é precisamente a ideia de ordem espontânea, de harmonia natural colocada por Deus nas relações humanas devido à inteligência e ao livre arbítrio com que o Criador dotou os indivíduos.
A Vida de Bastiat
Bastiat nasceu em Bayonne, em 1801, no seio de uma família católica, como a maioria das famílias francesas da época. Recebeu todos os sacramentos exigidos pelo catecismo católico, mas, durante a maior parte da sua vida, não foi religioso. Regressou ao mundo católico nos últimos anos da sua vida, em simultâneo com a redacção das suas obras mais conhecidas, mas também com o desenvolvimento de uma doença respiratória grave, devido à qual tinha dificuldade em falar. Para tratar esta doença, os médicos convidaram-no a viajar para Itália, na esperança de que o clima mediterrânico da península o pudesse ajudar. Fez uma primeira paragem breve em Pisa e depois mudou-se definitivamente para Roma, onde continuou a escrever. Bastiat morreu a 24 de Dezembro de 1850, com 49 anos.
Os últimos dias de vida de Bastiat são os que mais nos interessam para este artigo. O seu confessor, o abade de Montclar, escreve sobre a manhã de domingo, 22 de Dezembro: “Ele queria absolutamente ajoelhar-se para receber a comunhão e o seu sentimento religioso explodiu, para nossa grande edificação” (tradução do autor).
No dia 23 de Dezembro, Bastiat dita o seu testamento, começando por dizer: “Entrego a minha alma a Deus”. O abade relata uma conversa privada que teve nesse mesmo dia com o moribundo, onde este lhe revelou que a sua consciência estava em paz e gaguejou as suas últimas palavras com dificuldade: “A verdade… Agora compreendo”. Depois adormeceu.
No dia seguinte, o último dia de vida, às cinco e quinze, o abade deu a Extrema Unção a Bastiat – cansado e moribundo – que morreu poucos momentos depois, fazendo um último esforço: morreu a beijar o Crucifixo que lhe tinha sido oferecido pelos religiosos. O funeral foi celebrado na igreja de San Luigi dei Francesi, em Roma, e contou com a presença de toda a embaixada francesa na cidade. Foi sepultado no corredor esquerdo da mesma igreja, onde ainda hoje repousa. O seu túmulo era frequentemente visitado pelo presidente italiano Luigi Einaudi, um político mas também um importante defensor do liberalismo clássico.
Este era Bastiat: um homem que quis, ao longo da sua vida, fazer compreender aos homens a harmonia que Deus colocou na liberdade e nos interesses dos indivíduos, que conduzem sempre ao bem-estar e à paz de todos. Bastiat produziu uma sublime apologética do capitalismo, cuja perfeição é também uma imagem da perfeição de Deus. Mas, acima de tudo, ele quis viver o que professava.
Artigo publicado originalmente no Mises Institute.