A “parceria” entre governo e empresas é um termo novo para uma condição já bastante velha. Muitas vezes não compreendemos que o objectivo do Grande Governo (Big Government) é precisamente a constituição dessas “parcerias”, para benefício tanto do governo como das empresas, ou melhor, de certas empresas e grupos que granjeiam do favor político da altura.
Todos conhecemos, por exemplo, o “mercantilismo”, o sistema económico da Europa Ocidental do século 16 até ao século 18, como um sistema de Grande Governo, de impostos elevados, vasta burocracia, e um controlo massivo do comércio e da indústria. Mas aquilo que tendemos a ignorar é que o objectivo de muitos desses controlos era o de tributar e restringir os consumidores e a maioria dos mercadores e produtores de forma a impor monopólios, cartéis, e subsídios aos grupos favoritos.
O rei de Inglaterra, por exemplo, poderia conferir a John Jones o monopólio da produção e venda de todas as cartas de jogo, ou do sal, no reino. Isto significaria que se alguém tentasse produzir cartas ou sal, sendo concorrente de Jones, seria um criminoso, e seria, de facto, executado de forma a preservar o monopólio de Jones. Este poderia receber esta garantia de monopólio por ser um favorito do rei, ou, digamos, um primo do rei, e/ou pagaria por um determinado número de anos pela garantia desse monopólio, ao dar ao rei aquilo que seria de facto a soma descontada dos futuros proveitos esperados desse privilégio. Os reis nesse período, como é o caso de todos os governos em todos e quaisquer tempos, estavam cronicamente com faltas de dinheiro, e a venda de privilégios de monopólio era uma forma preferida para angariar fundos.
Uma forma comum dessa venda de privilégios, especialmente odiada pelo público, era a “tributação agrária”. Assim, o rei, de facto, “privatizaria” todos os impostos ao vender, “concessionar”, o direito de tributação no reino por um dado número de anos.
Pensemos nisto: será que nós gostaríamos se, por exemplo, o governo federal abandonasse o IRS, e vendesse, ou “concessionasse”, o direito de tributar os impostos sobre o rendimento por um dado número de anos, digamos, à IBM ou à General Dynamics? Será que queremos que os impostos sejam cobrados com a disciplina e eficiência da iniciativa privada? Ao considerarmos que a IBM ou a General Dynamics pagaria generosamente e antecipadamente pelo privilégio, estas firmas teriam o incentivo económico para serem impiedosos na cobrança de impostos. Será que conseguimos imaginar o quanto odiaríamos essas companhias? Nessa altura podemos ter uma ideia do quanto é que o público em geral odiava os cobradores agrários, que nem sequer possuíam a mística de soberania ou da realeza na mente das massas.
No nosso entusiasmo pela privatização, a propósito, devemos parar e pensar se queremos que certas funções governamentais sejam privatizadas, se queremos que sejam conduzidas de forma eficiente. Teria sido de facto melhor que, por exemplo, os nazis tivessem concessionado Auschwitz ou Belsen a empresas como a Krupp ou a I.G. Farben?
Os EUA começaram por ser uma nação muitíssimo mais livre do que qualquer outra na Europa, pois os Americanos iniciaram a rebelião contra os controlos, privilégios de monopólio, e tributos à Bretanha mercantilista. Infelizmente, começaram a apanhar a Europa durante a Guerra Civil. Durante este terrível conflito fratricida, a administração Lincoln, ao ver que o partido Democrático no Congresso era dizimado pela secessão dos estados sulistas, agarrou a oportunidade para impor o programa de estatismo e Grande Governo que o Partido Republicano, e o seu predecessor, os Whigs, há muito acarinhavam.
Devemos compreender que o partido Democrático, durante o século 19, era o partido do laissez faire, o partido da separação do governo, e em especial do governo federal, da economia e virtualmente de tudo o resto. O partido Whig/Republicano era o partido do “Sistema Americano”, da parceria entre governo e empresas.
A coberto da Guerra Civil, a administração Lincoln lançou as seguintes mudanças económicas radicais: uma alta tarifa protectora sobre as importações; altas taxas sobre o consumo do álcool e tabaco ( os quais eram encarados como impostos do pecado ); subsídios massivos aos novos caminhos-de-ferro transcontinentais, dando dinheiro por milha construída, e enormes garantias de terras – tudo isto alimentado por um sistema de corrupção descarada; num imposto sobre o rendimento federal; o abandono do padrão ouro e a emissão de moeda não resgatável, (greenbacks), para pagar o esforço de guerra; e uma quasi nacionalização do sistema bancário relativamente livre, sob a forma do National Banking System estabelecido em 1863 e 1864.
Desta forma, o sistema de governo mínimo, comércio livre, sem impostos sobre o consumo, o padrão ouro, e um sistema bancário mais ou menos livre dos anos de 1840 e 1850 foi substituído pelo seu oposto. E estas mudanças foram em larga medida permanentes. Os impostos e taxas permaneceram; a orgia dos subsídios aos caminhos-de-ferro não económicos e desmesurados apenas terminou com o pânico de 1873, mas os seus efeitos perduraram no declínio material dos caminhos-de-ferro durante o século 20. Foi necessária a decisão do Supremo Tribunal para declarar a inconstitucionalidade do imposto sobre o rendimento (mais tarde foi revertida pela 16ª emenda); foram necessários 14 anos após o fim da Guerra Civil para o regresso ao padrão ouro.
E nunca conseguimos abandonar o National Banking System, no qual alguns poucos “bancos nacionais” patrocinados pelo governo federal eram os únicos bancos permitidos a emitir moeda. Todos os restantes bancos, privados e patrocinados a nível estatal tinham que depositar sob a pirâmide de crédito inflacionário juntamente com os bancos nacionais. Os bancos nacionais mantinham as suas reservas em títulos do tesouro, os quais inflacionavam por cima daquela.
O arquitecto principal deste sistema foi Jay Cooke, desde há muito o patrono financeiro da carreira corrupta do político republicano Salmon P. Chase, de Ohio. Quando Chase se tornou Secretário do Tesouro sob Lincoln, Cooke prontamente o nomeou para o subscritor monopolista de todos os títulos do tesouro emitidos durante a guerra. Cooke, que se tornou um banqueiro de investimentos multimilionário, era alcunhado de “O Magnata”, juntou imenso ao saque ao promover o National Banking Act, que fornecia um mercado próprio para os seus títulos, pois os bancos nacionais podiam inflacionar o crédito através de montantes múltiplos sobre esses títulos.
O National Banking Act, pela sua construção, era uma estação a meio caminho de um banco central, e na altura da Era Progressiva no início do século 20, as lacunas do sistema permitiram ao poder instalado forçar a Federal Reserve System como parte do sistema geral de neomercantilismo, cartelização, e parcerias entre governo e indústrias, impostos nesse período. A Era Progressiva, de 1900 até durante a I Guerra Mundial, reinstalou o imposto sobre o rendimento, cartéis e regulações governamentais a nível federal, estatal e local, banco central, e finalmente uma economia de “parceria” totalmente colectivista durante a guerra. O palco estava montado para o sistema estatista que tão bem conhecemos.
E agora, a Administração Bush continua a velha tradição Republicana. Ainda maiores aumentos de impostos, inflação, forçando um sistema de moeda fiduciária, expandindo controlos da Federal Reserve System, e agora manobra para estender ainda maiores controlos sobre moedas internacionais e bens. O poder instalado do nordeste Republicano é ainda a cartelização, o controlo, a regulação, a entrega de contratos a empresas preferidas, e a salvar bandidos escolhidos e falidos. É ainda o velho jogo da “parceria”, – e é claro, ainda à nossa conta.
Publicado originalmente na revista The Free Market.