Franz Cuhel ocupa um lugar proeminente na história do pensamento económico e da escola económica “Vienesa” ou “Austríaca” em particular. No livro Zur Lehre von den Bedürfnissen (1907), Cuhel apresenta pela primeira vez uma interpretação estritamente ordinal da utilidade marginal, contribuindo dessa forma para um avanço sistemático na teoria (pura) económica. Uma vez que esta conferência foi baptizada em honra de Cuhel, pareceu-me apropriado que também eu discutisse aqui um problema puramente teórico da economia. No entanto, o meu tema não é a teoria geral do valor, mas, mais especificamente, a teoria do dinheiro (moeda).
Escolhi o título da minha palestra a partir de um famoso artigo de William H. Hutt, “The Yield from Money Held”(1). Tal como Hutt, pretendo atacar a seguinte noção: que o dinheiro guardado em auto-custódia e contas de depósito é, de alguma forma, “improdutivo” ou “estéril”, oferecendo um “rendimento nulo”; que apenas os bens de consumo e os bens produtivos (investimento) podem contribuir para o bem-estar humano; que a única utilização produtiva do dinheiro reside na sua “circulação”, ou seja, no seu uso (gasto) em bens de consumo ou produtivos; e que a sua posse – o não uso do dinheiro – diminui o consumo e produção futuros.
Esta perspectiva é extremamente popular dentro e fora da profissão económica. Hutt dá muitos exemplos dos seus defensores. Apresento aqui apenas dois. O primeiro é John Maynard Keynes. Uma citação famosa da sua Teoria Geral será suficiente para o meu propósito: “Um acto de poupança individual”, com o qual Keynes se refere à detenção de dinheiro ou “amealhar” em vez do seu gasto em consumo ou investimento,
“significa – por assim dizer – uma decisão de não jantar hoje. Mas não necessariamente a decisão de jantar ou de comprar um par de botas daqui a uma semana ou um ano ou de consumir qualquer coisa específica numa data específica. Diminui desta forma a actividade de preparação do jantar de hoje sem estimular a actividade de preparação para um ato de consumo futuro. Não se trata de uma substituição da procura de consumo futuro pela procura de consumo actual – é uma diminuição líquida dessa procura.”(2)
Aqui está: a detenção de dinheiro, ou seja, o facto de não o gastar em bens de consumo ou de investimento, é improdutivo, ou mesmo prejudicial. De acordo com Keynes, o governo ou o banco central devem criar e depois gastar o dinheiro que os “aforradores”, ou seja, os detentores de saldos em dinheiro em contas de depósito nos bancos, estão a reter improdutivamente, de modo a estimular tanto o consumo como o investimento. (Escusado será dizer que é precisamente isto que os governos e os bancos centrais estão actualmente a fazer para supostamente rectificar a actual crise económica).
O segundo exemplo é mais próximo, vem dos defensores do “free banking”, como Lawrence White, George Selgin e Roger Garrison. Argumentam que, um aumento (não antecipado) na procura de dinheiro “empurra a economia para níveis abaixo do seu potencial” (Garrison) implicando uma injecção compensatória de despesa monetária pelo sistema bancário.
Aqui está de novo: um “excesso de procura de dinheiro” (Selgin e White) não tem um rendimento positivo ou é mesmo prejudicial; por isso, é necessária ajuda. Para os banqueiros livres, a ajuda não deve vir do governo e do seu banco central, mas de um sistema de bancos de reservas fraccionadas que concorrem livremente. No entanto, a ideia envolvida é a mesma: a detenção de moeda (alguma, “em excesso”) é improdutiva e requer uma solução(3).
Não é meu objectivo fazer aqui uma crítica textual de Keynes ou dos “banqueiros livres”. Apenas os referi para elucidar melhor a ideia que quero atacar, e para indicar quão difundida – e consequente – é a sua aceitação no seio da profissão económica, tanto dentro como fora dos círculos keynesianos. Ao contrário de Hutt, que procede “criticamente” no seu artigo, isto é, através de um exame textual de vários autores, e chega à sua própria visão contrária do rendimento (positivo) da posse de dinheiro de uma forma bastante indirecta e circunstancial, eu quero proceder “apodicticamente”: através de uma demonstração positivista da produtividade única do dinheiro(4).
A primeira resposta natural à tese de que a posse de dinheiro ou seu aforro é improdutivo será contrapor: “Então, se a posse de dinheiro ou seu aforro é improdutivo para o bem-estar humano, porque é que as pessoas o detêm ou aforram? Se a posse de dinheiro é de facto “inútil – bom para nada”, ninguém os manteria – e, no entanto, quase toda a gente o faz a toda a hora! E uma vez que todo o dinheiro é sempre detido ou acumulado por alguém – quando “circula”, apenas sai de uma mão que o detém para passar para outra – o dinheiro deve ser continuamente “útil – bom para alguma coisa” enquanto está a ser detido (o que é sempre).
Para compreender o que é este “bom para alguma coisa” do dinheiro, é melhor perguntar: quando, e em que condições, não haveria procura de dinheiro? Curiosamente, existe um amplo consenso no seio da profissão económica quanto à resposta. Resposta que foi dada de forma mais lúcida por Ludwig von Mises. Não haveria dinheiro, nem procura de saldos em dinheiro, no “equilíbrio geral” ou, como Mises lhe chama, na construção imaginária de uma “economia em rotação uniforme”. Nesta construção, toda a incerteza é, por pressuposto, removida da acção humana. Todos conhecem com precisão os termos, os tempos e os locais de cada acção futura e, consequentemente, todas as trocas podem ser pré-arranjadas e assumir a forma de trocas directas.
Escreve Mises,
“Num sistema sem variação, em que não existe qualquer incerteza quanto ao futuro, ninguém tem de guardar dinheiro. Cada indivíduo sabe exactamente qual o montante de dinheiro de que necessitará em qualquer data futura. Por conseguinte, está em condições de emprestar todos os fundos que recebe, de forma a que os empréstimos se vençam na data em que vai precisar deles (5).”
Com esta constatação elementar, podemos afirmar, como primeira conclusão provisória sobre uma teoria monetária positivista, que a moeda e os saldos em dinheiro desapareceriam com o desaparecimento da incerteza (nunca) e, mutatis mutandis, que o investimento em saldos monetários deve ser concebido como um investimento na certeza ou um investimento na redução do mal-estar subjectivo perante a incerteza.
Na realidade, fora da construção imaginária de uma economia em rotação uniforme, a incerteza persiste. Os termos, momentos e locais de todas as acções e trocas futuras não podem ser previstos perfeitamente (com certeza). A acção é, por natureza, especulativa e sujeita a erros. Actualmente, podem ocorrer surpresas imprevisíveis. Quando, por hipótese, não há dupla coincidência de vontades entre pares de potenciais compradores e vendedores, ou seja, quando um não quer o que o outro tem para vender ou vice-versa, qualquer comércio directo (troca) torna-se impossível.
Perante o desafio da imprevisibilidade contingente, o homem pode vir a valorizar os bens em função do seu grau de comerciabilidade (e não do seu valor de uso para si enquanto bens de consumo ou de produção) e a considerar a troca também sempre que um bem a adquirir seja mais comercializável do que o bem a ceder, de tal modo que a sua posse facilite a aquisição futura de outros bens e serviços directa ou indirectamente utilizáveis. Ou seja, pode surgir uma procura de meios de troca, isto é, uma procura de bens valorizados em função da sua negociabilidade ou revenda.
E como um bem fácil e amplamente revendível é preferível a um bem mais difícil e pouco revendível como meio de troca, “haveria”, como escreve Mises,
“uma tendência inevitável para que os bens menos comercializáveis de uma série de bens utilizados como meios de troca sejam rejeitados um a um até que, por fim, reste apenas um único bem, universalmente utilizado como meio de troca; numa palavra, o dinheiro (6).”
Embora familiar esta breve reconstrução da origem do dinheiro, não se prestou atenção suficiente ao facto de, sendo o bem mais fácil e amplamente vendável, o dinheiro ser, simultaneamente, o bem mais universalmente presente – instantaneamente utilizável – (razão pela qual a taxa de juro, ou seja, a taxa de desconto de bens futuros em relação a bens presentes, é expressa em termos de dinheiro) e, como tal, o bem mais adequado para aliviar a inquietação sentida no presente em relação à incerteza.
Uma vez que o dinheiro pode ser utilizado para a satisfação imediata da mais vasta gama de necessidades possíveis, proporciona ao seu proprietário a melhor protecção humanamente possível contra a incerteza. Ao deter dinheiro, o seu titular ganha a satisfação de ser capaz de satisfazer instantaneamente, à medida que surgem de forma imprevisível, o mais vasto leque de contingências futuras. O investimento em saldos monetários é um investimento contra a aversão (subjectivamente sentida) à incerteza. Um saldo monetário mais elevado proporciona um maior alívio da aversão à incerteza.
O termo aversão à incerteza é aqui utilizado no seu sentido técnico, por oposição à noção de aversão ao risco. A distinção categórica entre incerteza, por um lado, e risco, por outro, foi introduzida na economia por Frank H. Knight e aprofundada por Ludwig von Mises com a sua distinção entre probabilidade de caso e probabilidade de classe (7).
Os riscos (instâncias de probabilidade de classe) são contingências contra as quais é possível fazer um seguro, porque as distribuições objectivas de probabilidade a longo prazo relativas a todos os resultados possíveis são conhecidas e previsíveis. Não sabemos nada sobre um resultado individual, mas sabemos tudo sobre toda a classe de acontecimentos e temos certezas sobre o futuro.
Assim, na medida em que o homem enfrenta um futuro com risco, não precisa de ter dinheiro. Para satisfazer o seu desejo de protecção contra o risco, pode comprar ou fazer um seguro. A soma de dinheiro que gasta em seguros é uma indicação do grau da sua aversão ao risco. Os prémios de seguro são dinheiro gasto, não detido, e são, como tal, investidos na estrutura física de produção de bens de produção e de consumo. O pagamento de um seguro reflecte a certeza subjectiva de um homem relativamente a contingências (riscos) futuras (previsíveis).
Em contraste nítido, na medida em que o homem enfrenta a incerteza, ele não tem, literalmente, certeza quanto às contingências futuras, isto é, quanto ao que ele pode querer ou precisar e quando. Para se proteger contra contingências imprevisíveis em momentos imprevisíveis, não pode investir em bens de produção (como no caso do seguro de risco), pois tais investimentos reflectiriam a sua certeza quanto a necessidades futuras específicas.
Só bens actuais e imediatamente utilizáveis podem proteger contra contingências imprevisíveis (incerteza). Ninguém quer investir em bens de consumo para se proteger da incerteza. Com efeito, um investimento em bens de consumo é também uma expressão de certeza relativamente a desejos específicos momentâneos ou imediatamente iminentes. Só o dinheiro, devido à sua capacidade de revenda imediata e abrangente, pode protegê-lo contra a incerteza. Assim, tal como os prémios de seguro são o preço pago pela protecção contra a aversão ao risco, também a posse de dinheiro é o preço pago pela protecção contra a aversão à incerteza.
Na medida em que um homem se sente seguro quanto às suas necessidades futuras, investirá em bens de consumo ou de produção. Investir em saldos monetários não significa investir nem em bens de consumo nem em bens de produção. Ao contrário dos bens de consumo e de produção, que se esgotam no consumo ou na produção, o dinheiro não se esgota com a sua utilização como meio de troca nem se transforma noutra mercadoria. Investir em saldos monetários significa: “Não tenho a certeza das minhas necessidades presentes e futuras e acredito que um saldo do bem mais fácil e amplamente vendável à mão me preparará melhor para satisfazer as minhas necessidades ainda desconhecidas em momentos ainda indeterminados.”
Se uma pessoa aumenta o seu saldo monetário, fá-lo porque é confrontada com uma situação de maior incerteza (subjectivamente percepcionada) em relação ao seu futuro. A soma ao seu saldo monetário representa um investimento na certeza sentida actualmente face a um futuro percebido como menos certo. Para reforçar o seu saldo monetário, uma pessoa deve restringir as suas compras ou aumentar as suas vendas de bens não monetários (bens de produção ou de consumo). Em qualquer dos casos, o resultado é uma descida imediata dos preços de certos bens não monetários. Como resultado da restrição das suas compras de x, y ou z, o preço monetário de x, y ou z baixará (em comparação com o que seria de outra forma) e, analogamente, ao aumentar as suas vendas de a, b ou c, os seus preços baixarão.
O actor consegue assim exactamente e imediatamente o que pretende. Ele tem um saldo monetário maior (nominal e real) e está mais bem preparado para um futuro cada vez mais incerto. A utilidade marginal do dinheiro adicional é superior à utilidade marginal dos bens não monetários vendidos ou não adquiridos. Está em melhor situação com mais dinheiro em mão e menos bens não monetários, caso contrário não teria reafectado os seus activos desta forma. Há mais investimento na eliminação da incerteza percebida e há menos investimento em necessidades, presentes ou futuras, consideradas certas.
A situação não se altera se houver um aumento geral da procura por dinheiro, ou seja, se todas ou a maioria das pessoas tentarem aumentar as suas disponibilidades em numerário, em resposta ao aumento da incerteza. Com a quantidade total de moeda determinada, a dimensão média das disponibilidades de tesouraria não pode, evidentemente, aumentar. A quantidade total de bens de produção e de consumo que constituem a estrutura física de produção também não é afectada por um aumento geral da procura de moeda. Mantém-se inalterada.
No entanto, ao esforçarem-se, em geral, por aumentar a dimensão das suas disponibilidades monetárias, os preços em numerário dos bens não monetários serão reduzidos e o poder de compra por unidade monetária aumentará correspondentemente. Assim, a (maior) procura e a (dada) oferta de moeda voltam a equilibrar-se, mas com um poder de compra mais elevado por unidade monetária e preços mais baixos dos bens não monetários. Ou seja, mesmo que os saldos monetários nominais não possam aumentar em resultado de um aumento geral da procura por dinheiro, o valor real dos saldos monetários pode; e é este aumento no valor dos saldos monetários reais que produz precisamente e imediatamente o efeito desejado: estar melhor preparado para um futuro considerado menos certo.
Ninguém se preocupa com a quantidade nominal de unidades monetárias na sua posse. Pelo contrário, as pessoas querem ter em mãos dinheiro com um determinado poder de compra. Se o poder de compra por unidade monetária aumentar em resultado de uma maior procura de numerário, cada unidade monetária confrontada com um conjunto de preços de bens não monetários geralmente mais baixos pode fazer um melhor trabalho ao proporcionar ao seu proprietário protecção contra a incerteza.
Isto bastará como tentativa de demonstração positivista da produtividade ímpar das detenções de numerário como ” geradoras de certeza” num mundo incerto. Apenas um breve comentário adicional sobre a actual crise económica, de uma gravidade sem precedentes, e as consequências que as nossas considerações teóricas implicam para a sua solução, parecem ser necessárias.
Nada direi aqui sobre as causas da actual crise(8), a não ser que a considero uma nova e espectacular afirmação da chamada teoria austríaca – ou “Mises-Hayek” – do ciclo económico. Em todo o caso, a crise provocou um aumento da incerteza. As pessoas querem mais certezas em relação a um futuro considerado muito menos certo do que antes. Por conseguinte, a sua procura por dinheiro aumenta. Com a quantidade de moeda dada, a maior procura por numerário só pode ser satisfeita através da descida dos preços dos bens não monetários. Consequentemente, à medida que o “nível” global dos preços desce, o poder de compra por unidade monetária aumenta de forma correspondente. Cada unidade de moeda produz agora mais certeza e o nível desejado de protecção contra a incerteza é restaurado. A crise está terminada.
A solução para a crise sugerida pela maioria dos economistas e especialistas e oficialmente adoptada pelos governos de todo o mundo é completamente diferente. É motivada pela doutrina, aqui criticada e fundamentalmente errada, de que o dinheiro mantido ou adicionado aos saldos monetários é dinheiro improdutivamente retido da produção e do consumo. Os acréscimos de dinheiro que as pessoas pretendem efectuar são assim interpretados, erradamente, como uma diminuição do bem-estar humano. Por conseguinte, estão a ser envidados enormes esforços para aumentar o montante do consumo.
Mas isto está em contradição com as necessidades e desejos do cidadão comum: para estar mais protegido contra uma maior incerteza, os preços têm de baixar e o poder de compra da moeda tem de aumentar. No entanto, com um afluxo adicional de dinheiro recém-criado, os preços serão mais altos e o poder de compra por unidade monetária será mais baixo do que de contrário. Assim, como resultado da actual política monetária, a restauração do nível desejado de protecção contra a incerteza será adiada e a crise prolongada.
Este paper foi proferido como palestra no Franz Cuhel Memorial Lecture, em Praga, a 24 de Abril de 2009. Publicado também no Mises Institute.
- William H. Hutt, “The Yield from Money Held”, em: Freedom and Free Enterprise: Essays in Honor of Ludwig von Mises, ed. M. Sennholz, Chicago: Van Nostrand, 1956, pp. 196-216. ↩︎
- John Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest, and Money, Nova Iorque: Harcourt, Brace, and World, 1964, p. 210. ↩︎
- Roger Garrison, “Central Banking, Free Banking, and Financial Crises,” Review of Austrian Economics 9, no.2, 1996, p. 117; George Selgin e Lawrence White, “In Defense of Fiduciary Media,” Review of Austrian Economics 9, no. 2, 1996, p. 100/01. ↩︎
- Para uma crítica detalhada de Keynes, ver Hans-Hermann Hoppe, “Theory of Employment, Money, Interest, and the Capitalist Process: The Misesian Case Against Keynes”; para uma crítica detalhada da doutrina do free banking ver idem, “How is Fiat Money Possible?” Review of Austrian Economics 7, no. 2, 1994 e idem, “Against Fiduciary Media,” Quarterly Journal of Austrian Economics 1, no.1, 1998. ↩︎
- Ludwig von Mises, Human Action, Chicago: Regnery, 1966, p. 249. ↩︎
- Ludwig von Mises, Theory of Money and Credit, Irvington, N.Y.: Foundation for Economic Education, 1971, pp. 32-33. ↩︎
- Frank H. Knight, Risk, Uncertainty and Profit, Chicago: University of Chicago Press, 1971; Ludwig von Mises, Human Action, cap. VI. ↩︎
- Referência à crise financeira de 2007-2008 (N. do T.). ↩︎