I
A mercadoria de todos os autores socialistas é a ideia de que uma panaceia é mais do que possível e que a substituição do capitalismo pelo socialismo permitiria dar “a cada um conforme as suas necessidades.” Outros autores há que desejariam trazer este paraíso à terra através de uma reforma do sistema monetário e creditício. Segundo eles, tudo o que nos falta é mais dinheiro e mais crédito. Consideram que a taxa de juro é um fenómeno artificialmente gerado pela escassez de “meios de pagamento” promovida pelos próprios homens.
Em centenas, talvez milhares de livros e panfletos, esses autores culpam apaixonadamente os economistas “ortodoxos” pela sua relutância em admitir que as doutrinas inflacionistas e expansionistas sejam viáveis. Todos os males, repetem eles vezes sem conta, são causados pelos ensinamentos falaciosos dessa “ciência lúgubre” que é a economia, e pelo “monopólio de crédito” detido pelos banqueiros e agiotas. Libertar o dinheiro dos grilhões do “restricionismo”, criar “dinheiro livre” (Freigeld, na terminologia de Silvio Gesell) e conceder crédito barato ou mesmo gratuito são os principais pilares da sua plataforma política.
Tais ideias apelam às massas desinformadas. E são também muito populares junto de governos empenhados numa política de aumento tanto da quantidade de dinheiro em circulação como dos depósitos à ordem. Contudo, os governos e partidos inflacionistas nem sempre se mostraram dispostos a admitir abertamente o seu aval às doutrinas dos defensores da inflação. Ainda que a maioria dos países tenha embarcado em políticas de inflação e de dinheiro fácil, os campeões literários do inflacionismo eram ainda assim desdenhados como “excêntricos monetários.” As suas lições não eram ensinadas nas universidades.
John Maynard Keynes, antigo conselheiro económico do Governo Britânico, é o novo1 profeta do inflacionismo. A “Revolução Keynesiana” consistiu no facto de Keynes se ter abertamente unido às doutrinas de Silvio Gesell. Como o mais destacado dos geselianos britânicos, Lord Keynes adoptou o peculiar jargão messiânico da literatura inflacionista e introduziu-o em documentos oficiais. A expansão de crédito, diz o Paper of the British Experts de 8 de Abril de 1943, realiza o “milagre … de transformar pedras em pão.” O autor deste documento foi, claro está, Keynes. A Grã-Bretanha percorreu sem dúvida um longo caminho desde as perspectivas de Hume e de Mill sobre os milagres…
II
Keynes entrou na cena política em 1920, com o seu livro As Consequências Económicas da Paz. Aí tentou provar que as quantias exigidas como reparações iam muito além daquilo que a Alemanha conseguiria pagar e “transferir.” O sucesso do livro foi avassalador. A máquina de propaganda dos alemães nacionalistas, bem entranhada em todos os países, andou ocupadíssima a caracterizar Keynes como o economista mais influente do mundo e o estadista mais sensato da Grã-Bretanha.
No entanto, seria um erro culpar Keynes pela política externa suicida seguida pela Grã-Bretanha no período entre as guerras. Outras forças, especialmente a adopção da doutrina marxista do imperialismo e do “belicismo capitalista”, tiveram uma importância incomparavelmente superior na ascensão do “apaziguamento” [appeasement]. Com a excepção de um pequeno número de homens argutos, todos os britânicos apoiaram a política que acabaria por tornar possível o início da Segunda Guerra Mundial por parte dos nazis.
Um dotado economista francês, Etienne Mantoux, analisou o famoso livro de Keynes ponto por ponto. O resultado do seu estudo deveras zeloso foi devastador para Keynes economista e estatístico, bem como para Keynes o estadista. Foi tal que os seus amigos não conseguiram ainda encontrar uma resposta à altura. O único argumento que o seu amigo e biógrafo, o Professor E. A. G. Robinson, conseguiu adiantar foi que esta acusação a Keynes vinha “como seria de esperar, de um francês.” (Economic Journal, Vol. LVII, p. 23). Como se os efeitos desastrosos do “apaziguamento” e do derrotismo não tivessem também afectado a Grã-Bretanha!
Etienne Mantoux, filho de um famoso historiador, Paul Mantoux, era o mais distinto dos jovens economistas franceses. Já tinha feito valiosas contribuições para a teoria económica – entre as quais uma rigorosa crítica à Teoria Geral de Keynes, publicada em 1937 na Revue d’Économie Politique – antes de iniciar a sua Paz Cartaginense, ou as Consequências Económicas do Sr. Keynes (Oxford University Press, 1946). Não viveu para ver o seu livro publicado. Enquanto oficial das forças francesas, foi morto em serviço durante os últimos dias da guerra. A sua morte prematura foi um golpe pesado para a França, que hoje bem precisa de economistas corajosos e sensatos.
III
Seria um erro, também, culpar Keynes pelas falhas das políticas britânicas da actualidade. Quando ele começou a escrever, já a Grã-Bretanha há muito tinha abandonado o princípio do laissez-faire. Esse foi o feito de homens como Thomas Carlyle, John Ruskin e, especialmente, os Fabianos. Os nascidos desde os anos oitenta do século XIX em diante foram meros epígonos dos socialistas universitários e de salão do fim do período Vitoriano. Estes não eram críticos do sistema instalado, como os seus predecessores o foram, mas sim apologistas de políticas governamentais favorecedoras de grupos de pressão cuja inadequabilidade, futilidade e perniciosidade se tornaram cada vez mais evidentes.
O Professor Seymour E. Harris publicou recentemente uma robusta compilação de ensaios de vários autores académicos e burocráticos tratando das doutrinas de Keynes tal como expostas na sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicada em 1936. O título do referido volume é A Nova Economia: A Influência de Keynes na Teoria e nas Políticas Públicas (Alfred A. Knopf, Nova Iorque, 1947). Não é especialmente importante discutir se o keynesianismo se pode justamente chamar de “nova economia”, ou se, na verdade, se trata apenas de uma nova versão das falácias mercantilistas já muitas vezes refutadas e dos silogismos de inumeráveis autores que desejavam tornar toda a gente rica através de papel fiduciário. O que importa não é se uma doutrina é original, mas sim se é sensata.
O mais impressionante nesta colectânea é o facto de não esboçar sequer uma refutação das fundamentadas objecções levantadas contra Keynes por economistas sérios. O editor parece incapaz de conceber que alguém honesto e integro possa sequer estar em desacordo com Keynes. Na sua perspectiva, a oposição a Keynes provém dos “perversos interesses dos professores da antiga teoria”, bem como da “preponderante influência da imprensa, da rádio, da finança e da investigação subsidiada.” Aos seus olhos, os não-keynesianos são apenas um bando de bajuladores subornados, a quem não deve ser dada atenção. O Professor Harris adopta, assim, os métodos dos Marxistas e dos Nazis, que preferiam atacar os seus críticos, questionando as suas motivações, em vez de refutar as suas teses.
Algumas contribuições são escritas numa linguagem digna e mostram-se reservadas, até algo críticas, na sua apreciação dos feitos de Keynes. Mas outras são simples explosões de fanatismo. Diz-nos assim o Professor Paul E. Samuelson: “Ter nascido enquanto economista antes de 1936 foi uma bênção – sem dúvida. Mas não demasiado antes!” Prossegue citando Wordsworth:
“Estar-se vivo naquele amanhecer foi uma bênção,
Mas ser-se ainda jovem foi uma salvação!”
Desçamos das sublimes alturas do Parnaso de volta aos banais vales da ciência quantitativa. O Professor Samuelson apresenta-nos uma descrição exacta da susceptibilidade dos economistas perante o evangelho keynesiano de 1936. Aqueles abaixo dos 35 anos entenderam totalmente o seu significado passado pouco tempo; os para lá dos 50 mostraram-se imunes, sendo que os restantes ficaram algo divididos. Após nos servir, assim, uma versão requentada da giovanezza de Mussolini, Samuelson oferece-nos ainda mais um pouco dos slogans desgastados do fascismo, por exemplo, “a onda do futuro.” Contudo, neste ponto, um outro participante, o Sr. Paul M. Sweezy, discorda. Na sua opinião, Keynes, enjoado pelas “deficiências do pensamento burguês”, não é o salvador da humanidade, mas apenas o precursor cuja missão na História é preparar a mente britânica para a o marxismo puro, fazendo da Grã-Bretanhã matéria-prima para o socialismo total.
IV
Ao recorrer ao método da insinuação, tentando criar a suspeita sobre os seus adversários, referindo-se-lhes com termos ambíguos sujeitos a diferentes interpretações, os seguidores de Lord Keynes limitam-se a imitar os procedimentos do seu ídolo. Pois aquilo a que muitos admiradamente chamaram de “estilo brilhante” e de “mestria linguística” em Keynes eram, na verdade, truques retóricos baratos.
Ricardo, diz Keynes, “conquistou a Inglaterra tão completamente quanto a Santa Inquisição conquistou a Espanha.” Não poderia haver comparação mais perversa. A Inquisição, auxiliada por guardas e carrascos armados, forçou violentamente a Espanha à submissão. As teorias de Ricardo foram aceites como correctas pelos intelectuais britânicos sem que qualquer pressão ou compulsão fosse efectuada em seu favor. Mas, ao comparar duas coisas completamente distintas, Keynes indirectamente sugere que houve algo de vergonhoso no sucesso dos ensinamentos de Ricardo e que aqueles que dos mesmos discordassem tinham algo de tão heróico, nobre e corajoso quanto os que lutaram contra os horrores da Inquisição.
O mais famoso aperçu de Keynes reza assim: “Duas pirâmides, bem como duas missas para os mortos, são duas vezes melhores que apenas uma; o mesmo não se pode dizer de dois caminhos de ferro de Londres a Iorque.” É óbvio que este gracejo, digno de uma personagem de Oscar Wilde ou Bernard Shaw, não prova de forma alguma que escavar buracos e pagar por eles com poupanças “aumentará o rendimento nacional em termos de bens e serviços úteis.” No entanto, serve para colocar o adversário numa situação embaraçosa em que, ou deixa o argumento sem resposta, ou faz figura de quem não entende uma piada, ao utilizar a lógica para refutar o humor.
Um outro caso que demonstra a técnica keynesiana é-nos oferecido na sua maliciosa descrição da Conferência de Paris. Keynes discordava das ideias de Clemenceau. Portanto, tentou ridicularizar o seu adversário discorrendo vagamente sobre a sua roupa e aparência que, ao que parece, não chegava ao nível dos trajes londrinos. É difícil descobrir qualquer relação entre o problema das reparações exigidas à Alemanha e o facto de as botas de Clemenceau serem de “espessa pele negra, bastante boas, mas de um estilo rural, e por vezes apertadas à frente com uma fivela, em vez de atacadores.” Após 15 milhões de seres humanos terem perecido na guerra, os estadistas mais influentes do mundo reuniram-se para assegurar à humanidade uma nova ordem internacional e uma paz duradoura… mas o expert financeiro do Império Britânico mostrava-se admirado pelo estilo rústico do calçado do primeiro-ministro francês.
Quatorze anos depois ocorreu uma nova conferência internacional. Desta vez Keynes não era apenas um conselheiro subordinado, como em 1919, mas sim uma das principais figuras. A respeito desta Conferência Económica Mundial de Londres, em 1933, a Professora [Joan] Robinson observa que “muitos economistas pelo mundo fora lembrar-se-ão… da performance de 1933 em Covent Garden em honra dos Delegados da Conferência Económica Mundial, cuja concepção e organização em muito se deveu a Maynard Keynes.”
Por outro lado, os economistas que não estavam ao serviço de um dos lamentavelmente inaptos governos de 1933 e que, portanto, não foram Delegados, não puderam presenciar a deliciosa noite de ballet, pelo que se lembrarão da Conferência de Londres por razões bem diferentes. Esta marcou o falhanço mais espectacular na história das relações internacionais daquelas que eram as políticas neo-mercantilistas que Keynes apoiava. Comparada ao fiasco de 1933, a Conferência de Paris em 1919 pode dizer-se ter sido um sucesso. Mas Keynes não publicou quaisquer comentários sarcásticos acerca dos casacos, botas ou luvas dos Delegados de 1933.
V
Ainda que Keynes visse em Silvio Gesell um “estranho profeta, indevidamente ignorado”, as suas doutrinas diferem consideravelmente das de Gesell. O que Keynes adoptou de Gesell, bem como de toda uma horda de propagandistas pró-inflacionismo, não foi o conteúdo das suas doutrinas, mas sim as conclusões práticas e as tácticas que estes aplicavam para incitar o descrédito do prestígio dos seus oponentes. Tais estratagemas são os seguintes:
- Todos os adversários, ou seja, todos os que não consideram a expansão de crédito uma espécie de pedra filosofal, são atirados em conjunto para dentro da definição de ortodoxos. É sugerido implicitamente que não existem diferenças entre eles.
- Assume-se que a evolução da ciência económica culminou em Alfred Marshall e com ele terminou. As descobertas da economia subjectivista moderna são colocadas de lado.
- Tudo o que os economistas desde David Hume até ao nosso tempo fizeram para clarificar os resultados de alterações na quantidade de moeda e dos seus substitutos é simplesmente ignorado. Keynes nunca embarcou na tarefa inglória de tentar refutar estes ensinamentos através do raciocínio.
Em todos estes aspectos, os contribuidores da colectânea adoptam a técnica do mestre. As suas críticas almejam uma doutrina criada pelas suas próprias ilusões, a qual não corresponde às teorias verdadeiramente avançadas por economistas sérios. Sobrevoam em silêncio tudo o que os economistas possam ter dito sobre o resultado inevitável da expansão de crédito. Chega mesmo a parecer que nada ouviram sobre a teoria monetária dos ciclos económicos.
Para uma correta apreciação do sucesso que a Teoria Geral de Keynes encontrou nos círculos académicos, é necessário ter em conta as condições prevalecentes na economia ensinada nas universidades no período entre as duas grandes guerras.
Entre os homens que ocuparam cátedras de economia nas últimas décadas, só muito poucos se podem considerar genuínos economistas, i.e., homens autenticamente conhecedores das teorias desenvolvidas em volta da economia subjectivista moderna. As ideias dos antigos economistas clássicos, bem como as dos economistas modernos, foram caricaturadas nos manuais e nas salas de aula; chamaram-lhes nomes como antiquadas, ortodoxas, reaccionárias, burguesas ou mesmo “economia de Wall Street.” Os professores orgulhavam-se de terem refutado de uma vez para sempre as teorias abstractas de Manchester e do laissez-faire.
O antagonismo entre as duas escolas de pensamento teve o seu principal foco no tratamento do problema dos sindicatos. Os economistas desprezados enquanto ortodoxos haviam ensinado que um aumento permanente dos salários para todos aqueles que buscam salário é possível apenas na medida em que o capital investido per capita e a produtividade do trabalho aumentem. Se – quer por decreto governamental, quer por pressões sindicais – o salário mínimo fosse fixado num nível superior ao qual o mercado livre o teria estabelecido, então daí resultaria o desemprego enquanto fenómeno massificado.
Quase todos os professores das mais modernas faculdades atacaram esta teoria. Do ponto de vista destes autodenominados “heterodoxos”, a história económica dos últimos duzentos anos prova que o aumento sem precedentes nos salários reais e no nível de vida foi gerado pelo sindicalismo e pela legislação dos governos a favor dos trabalhadores. O sindicalismo era, na sua opinião, altamente benéfico para os verdadeiros interesses dos trabalhadores e de toda a nação. Só apologistas desonestos dos interesses manifestamente injustos de exploradores insensíveis poderiam encontrar algo de errado nos actos violentos dos sindicatos, diziam eles. A prioridade de um governo popular deverá ser o encorajamento dos sindicatos tanto quanto possível e a disponibilização de toda a ajuda necessária no combate às intrigas dos patrões, bem como a fixação de salários cada vez mais elevados.
Contudo, assim que os governos foram concedendo aos sindicatos todos os poderes necessários à implementação dos seus salários mínimos, as consequências revelavam-se precisamente semelhantes ao que os economistas ortodoxos haviam previsto; o desemprego de uma parte considerável da população prolongou-se ano após ano.
Os doutrinários “heterodoxos” ficaram perplexos. O único argumento que haviam avançado contra a teoria ortodoxa baseava-se na sua própria interpretação falaciosa da experiência histórica. Mas agora os eventos desenrolavam-se precisamente conforme o previsto pela “escola abstracta”. A confusão espalhava-se entre os “heterodoxos”.
Foi nesse momento que Keynes publicou a sua Teoria Geral. Qual conforto para os “progressistas” embaraçados! Eis que tinham, finalmente, algo em que se basear para se oporem à visão “ortodoxa”. A causa do desemprego não estava nas políticas laborais inapropriadas, mas sim nos defeitos do sistema monetário e financeiro. Não mais seria necessária a preocupação com a poupança e com a acumulação de capital, muito menos com os défices públicos. Bem pelo contrário. O único método para expurgar o desemprego era precisamente o aumento da “procura efectiva”, através de despesa pública financiada por expansão de crédito e inflação.
As políticas que a Teoria Geral recomendava eram precisamente aquelas que os “excêntricos monetários” haviam avançado muito antes e que muitos governos adoptaram na depressão de 1929 e nos anos que se seguiram. Há quem acredite que os anteriores escritos de Keynes haviam já desempenhado um importante papel no processo de conversão dos governos mais poderosos do mundo às doutrinas da despesa desregrada, da expansão de crédito e da inflação. Podemos bem deixar esse pequeno detalhe por esclarecer. Seja como for, não poderá ser negado que os governos e as gentes não esperaram pela publicação da Teoria Geral para embarcarem nestas políticas keynesianas – ou, mais correctamente, gesellianas.
VI
A Teoria Geral de Keynes não inaugurou uma nova era da política económica; na verdade, marcou sim o fim de um período. As políticas que Keynes recomendou já naquela altura se mostravam bastante perto do momento em que as suas consequências inevitáveis se fariam sentir, tornando a sua continuação impraticável. Nem os mais fanáticos keynesianos se atrevem a dizer que os problemas actuais da Inglaterra se devem a demasiada poupança e despesa insuficiente. A essência das muito glorificadas políticas económicas “progressistas” das últimas décadas resume-se a expropriar porções cada vez maiores dos rendimentos mais altos, empregando esses fundos no financiamento de desperdícios públicos e no subsídio dos membros dos grupos de pressão mais relevantes. Aos olhos dos “heterodoxos”, todo o tipo de política, ainda que manifestamente inadequada, justifica-se enquanto meio para a obtenção de maior igualdade. Acontece que esse processo chegou ao seu fim. Com as presentes taxas de imposto e os métodos aplicados no controlo de preços, lucros e taxas de juro, o sistema liquidou-se. Nem que se confisque todo o cêntimo recebido acima das 1000 libras haverá maneira de aumentar substancialmente a receita pública da Grã-Bretanha. Até os mais fanáticos fabianos se aperceberão que, de agora em diante, os fundos para sustentar a despesa pública terão de vir daqueles a quem a despesa pública supostamente visa beneficiar. A Grã-Bretanha atingiu o limite quer do expansionismo monetário, quer da despesa.
Neste país, as condições não são muito diferentes. A receita keynesiana para fazer disparar os salários já não funciona. A expansão de crédito, engendrada pelo New Deal numa escala sem precedentes, adiou as consequências das políticas laborais inapropriadas por algum tempo. Durante este intervalo, a Administração e os líderes sindicais puderam vangloriar-se dos “ganhos sociais” que conseguiram garantir ao “homem comum.” Mas agora as consequências inevitáveis do aumento da quantidade de moeda e de depósitos tornou-se visível; os preços estão a subir cada vez mais. O que se está a passar hoje em dia nos Estados Unidos é o falhanço final do keynesianismo.
Não há dúvida de que o público americano se tem vindo a afastar das noções keynesianas e dos seus slogans. O seu prestígio está a esmorecer. Há apenas alguns anos os políticos discutiam ingenuamente a dimensão do rendimento nacional em dólares sem ter em consideração as alterações que a inflação governamental infligiu no poder de compra do dólar. Os demagogos especificavam o nível que desejavam que o rendimento nacional em dólares atingisse. Hoje em dia esta forma de argumentação já não é popular. Finalmente o “homem comum” aprendeu que uma quantidade cada vez maior de dólares não torna a América mais rica. O professor Harris ainda elogia a administração de Roosevelt por ter aumentado os rendimentos em dólares. Contudo, tal consistência keynesiana já só se encontra hoje em dia nas salas de aula.
Ainda há professores que dizem aos seus alunos que “uma economia pode levantar-se puxando pelos seus próprios atacadores” e que podemos “gastar para sair da depressão.”2 Mas o milagre keynesiano teima em não se materializar; as pedras não se transformam em pão. As bajulações dos autores da presente colectânea apenas confirmam a afirmação introdutória do seu editor: “Keynes conseguiu suscitar nos seus discípulos um fervor quase religioso pela sua teoria económica, o qual foi efectivamente aproveitado na disseminação da nova economia.” E o Professor Harris continua, exclamando que “sem dúvida, Keynes possuía a Revelação.”
Não vale a pena discutir com indivíduos movidos por um “fervor quase religioso” e que acreditam que o seu mestre “possuía a Revelação.” É uma das tarefas da ciência económica analisar cuidadosamente cada um dos planos inflacionistas, desde os de Keynes e Gesell até aos dos seus inúmeros antecessores, de John Law até Major Douglas. Contudo, ninguém deve esperar que qualquer argumento lógico ou experiência real possa alguma vez abalar o fervor quase religioso daqueles que acreditam na salvação através da despesa e da expansão de crédito.
- Originalmente publicado em “Plain Talk”, Março de 1948 ↩︎
- Cf. Lorie Tarshis, The Elements of Economics, New York 1947, p. 565. ↩︎
Ensaio originalmente publicado em Março de 1948, e posteriormente em Planning for Freedom e The Critics of Keynesian Economics (ed. Hazlitt). Versão inglesa aqui.